POR TRÁS DA TELA

Naiara

Grávida e com covid-19, ela deu à luz no segundo dia de internação na UTI e só viu a filha por vídeos

Giulia Granchi, de VivaBem, em São Paulo

Pelo risco de contaminação, os pacientes internados nas UTIs de covid-19 não podem ter a presença de entes queridos. Para Naiara Fernandes, que deu à luz durante a internação, a distância impediu que ela pegasse sua filha nos braços. Foi pelas chamadas realizadas no hospital que ela pôde ver a recém-nascida.

Este é um episódio da série

Por trás da tela

Nas UTIs de covid-19, pacientes usam áudios e vídeos para se sentirem mais próximos da família

Aos cinco anos, Thaila não queria bonecas ou uma bicicleta: pedia uma irmã. Sem deixar de temer a pandemia, mas querendo atender o desejo, seus pais Naiara Fernandes e Tassio Rodrigues buscaram, por indicações, o melhor obstetra de Santarém, cidade do Pará.

O casal, que tem o próprio comércio e está acostumado a trabalhar com poucas pausas, usava a maior parte do tempo livre em consultas e fazendo planos para receber a bebê. O parto, uma cesariana, aconteceria no dia 4 de março, mesma data do nascimento da avó de Tassio, que o criou.

O que não imaginavam é que, meses depois, o planejamento em consultórios privados pouco importaria. Após testar postivo para a covid-19, com 39 semanas de gravidez, Naiara e o marido buscaram ajuda nas clínicas de obstetrícia, UPA e hospital privado --todos sem possibilidade de atender a gestante. Quando a situação da mãe, que com apenas 31 anos sofria para respirar a cada passo, já estava preocupante, a família conseguiu um leito na UTI do HRBA (Hospital Regional do Baixo Amazonas).

Com Tassio há 10 anos, de quem era namorada na época de escola, Naiara nunca havia passado uma noite longe dele desde o casamento, mas precisou encarar a UTI sozinha.

Logo no segundo dia de internação, seu corpo, perdendo líquido, deu um aviso: o bebê precisava sair. Thalia Vitória-- nome dado pelos pais em agradecimento à saúde da menina-- nasceu saudável e respirando normalmente. Seus dois testes de covid-19 deram negativo. A mãe pôde vê-la rapidamente após o parto, mas nas semanas seguintes, só através de telas.

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Naiara não estava intubada, o que ajudou na saúde da filha. Os remédios usados no processo, como a sedação, geralmente passam para o bebê e refletem no quadro geral do recém-nascido, que já vem ao mundo como se encontram tantos milhares de adultos hoje: sem conseguir respirar.

"Pelo nosso esforço no trabalho, nunca nos faltou nada. Mas aí quando se entra em um leito desses, você percebe que nada do que conquistou importa. A Naiara é uma moça que não foi nem em velório de parente e lá no hospital presenciou muita coisa, viu gente morrer ao seu lado. Até hoje evito perguntar porque sei o quanto é difícil para ela", conta o marido.

Entre o primeiro dia de internação e a alta, 25 dias se passaram. Sensível e sempre sorridente antes de conhecer a doença na própria pele, Naiara precisou encontrar forças que não sabia que tinha para voltar para casa. Pouco a pouco, com a ajuda dos profissionais de saúde e energizada pela motivação de abraçar a família, ela foi se recuperando.

A volta para casa aconteceu em um domingo, o dia de comer peixe na casa da família. Tassio conta que não deu tempo de preparar o prato favorito da esposa, mas promete que as próximas semanas serão regadas a tambaqui: "Frito, com caldo, assado..."

Com o auxílio de fisioterapia respiratória, Naiara se esforça -- e reza-- para voltar a ter o mesmo fôlego de antes para retomar os treinos na academia. Mas antes disso, a família espera ter saúde e segurança sanitária para voltar a fazer coisas simples, como brincar com as crianças na praça e sair para tomar um sorvete depois do trabalho.

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Assim como Tassio disse, a comunicação é importante para qualquer paciente que passe por tratamento intensivo. É uma forma de lembrar que não estão sozinhos e que há muita torcida pela recuperação. "O estado emocional impacta demais no paciente. Diminuir a distância, ainda que virtualmente, ajuda na recuperação de muitos", aponta Fernando Paragó, diretor médico corporativo da Pró-Saúde, instituição filantrópica que gerencia o HRBA e outros vários hospitais no Brasil, inclusive em regiões de difícil acesso.

Na unidade administrada em Santarém, Paragó explica que a equipe passa boletins médicos diários para o "familiar âncora", um ente escolhido para ser a principal ponte de comunicação. Além disso, a equipe procura fazer ligações de vídeo e áudio sempre que possível. "Com os casos aumentando, o hospital tem dias de capacidade máxima e infelizmente o tempo disponível dos profissionais fica menor."

Este é um episódio da série

Por trás da tela

Nas UTIs de covid-19, pacientes usam áudios e vídeos para se sentirem mais próximos da família

Publicado em 12 de abril de 2021


Reportagem: Giulia Granchi
Edição: Bárbara Paludeti
Direção de arte: Mathias Pape

Fontes consultadas: Terezinha Leão, pediatra do HRBA (Hospital Regional do Baixo Amazonas)