POR TRÁS DA TELA

Guilherme

Internado por covid-19 durante 7 meses, vídeos da família motivavam Guilherme

Giulia Granchi, de VivaBem, em São Paulo

Sem a possibilidade da companhia de familiares, os pacientes nas UTIs de covid-19 enfrentam a fase crítica da doença sozinhos. Para Guilherme Kovalski, que passou sete meses internado, as chamadas de vídeo e áudio realizadas pela equipe do hospital foram essenciais para diminuir a distância e dar forças a quem estava nos dois lados da linha.

Este é um episódio da série

Por trás da tela

Nas UTIs de covid-19, pacientes usam áudios e vídeos para se sentirem mais próximos da família

Se pudesse passar os dias cantando louvores, certamente Guilherme Kovalski se sentiria menos solitário na UTI --e tentaria, com a voz, animar seus colegas de quarto, como faz em casamentos e na igreja. Mas por muitos dos 209 dias passados no hospital, a covid-19 o deixou sem forças sequer para falar.

Aos 35 anos, o advogado, que mora em Curitiba, foi infectado pelo Sars-CoV-2 durante um almoço em família. Os primeiros sintomas poderiam indicar algo passageiro, nada que o fizesse imaginar que comemoraria seu aniversário seguinte com a equipe de um hospital. Depois de oito dias, ele foi internado.

Diabético e hipertenso, ele sofreu diferentes complicações causadas pela covid-19, tais como embolia pulmonar e parada cardíaca, o que aumentou seu tempo no hospital.

"Ele teve, inclusive, uma parada cardiorrespiratória que durou 25 minutos. Só ficamos sabendo depois. É um milagre não terem ocorrido lesões cerebrais após tanto tempo sem oxigênio", conta Jaqueline Mitie, esposa de Guilherme.

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Acreditar em milagres foi, inclusive, o que manteve Jaqueline forte. "Exercitei minha confiança em Deus. Às vezes, tinha vontade de me trancar no quarto e chorar, mas sou mãe de duas meninas, e mãe tem que estar firme."

Foi por meio de ligações diárias dos médicos e chamadas de vídeo que a família buscou diminuir a distância nos quase sete meses de internação.

A primeira filha do casal já tinha nome muito antes de nascer: Letícia foi sonhada com carinho, quando os pais, que se conheciam há muito tempo por frequentar a mesma igreja adventista, se casaram aos 20 anos. Foi ela que, com oito anos, ajudou a mãe a ter força. "Ela me via triste e dizia: 'Mamãe, os médicos não disseram que ele está melhorando? É para ficar feliz!'", conta Jaqueline.

Há quase dois anos, a família aumentou."Larissa já nasceu com a cara do pai! Dá para ver bem os traços dele", comenta Ramilto, um dos três irmãos de Guilherme, que completa dizendo que Gui é considerado um paizão por toda a família. "Está sempre fazendo companhia para as meninas, assistindo a filmes infantis e fazendo as vontades delas."

Guilherme em ligação com a filha mais velha após meses no hospital, quando já estava quase recuperado

A rotina de Guilherme na advocacia é intensa. Ramilto, que diz que os três irmãos têm gênio forte, acha que a profissão combina com ele.

"Ele é mesmo bastante intenso, elétrico", cofirma Jaqueline. "Até por essa rotina atarefada, Gui cuida menos da saúde do que deveria. Imaginei que no hospital ele ficaria muito nervoso, sofrendo por não poder se mexer. Mas ele se manteve calmo, de bom humor e grato pelos cuidados. Fez amizade com toda a equipe."

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Em 11 de fevereiro, Guilherme completou 36 anos e recebeu o carinho da equipe do hospital. Neste dia, seu maior presente foi a troca da cânula da traqueostomia por uma versão metálica, o que fez com que ele pudesse voltar a comer.

O curitibano recebeu alta após 101 dias, mas só passou 18 dias em casa. Nesse tempo, sua saturação ficou baixíssima -chegou a 65%-- e ele precisou voltar ao hospital.

Mais que o dobro do tempo se passou até que ele pudesse tomar um suco de melancia bem gelado feito em casa -seu primeiro pedido à esposa. Agora, a rotina precisou desacelerar: são pelo menos duas sessões de fisioterapia para poder se movimentar como antes, além de outros tratamentos para recuperar o tempo perdido.

"O que mais queremos é voltar a cantar juntos", diz Jaqueline, que acompanha o marido nas apresentações. "Agora, cada hino terá um sentido muito maior. Temos muito o que agradecer."

A unidade de terapia intensiva é um lugar extremamente frio e solitário.

"Justamente por isso tentamos humanizar o processo. Antes da pandemia, mantínhamos as portas abertas para ajudar pacientes idosos a não fazerem confusões mentais. Com a covid-19, tivemos que fazer adaptações", explica Jarbas da Silva Motta Junior, médico intensivista e chefe da UTI do Hospital Marcelino Champagnat (PR).

Além do boletim médico passado diariamente para as famílias, o serviço de psicologia do hospital faz videochamadas ou envia áudios.

"Mensagens de carinho e positividade têm o poder de aumentar a frequência cardíaca dos que estão sedados. Para os conscientes, o efeito é ainda maior. Se depois de 15 dias já ficam desmotivados, uma foto da filha ou um áudio da esposa já dão tanta força que esse mesmo paciente tem um progresso na fisioterapia no dia seguinte, por exemplo", indica Motta Junior.

Homenagem feita pela família e pelo hospital quando Guilherme teve a primeira alta, após 101 dias de internação

Este é um episódio da série

Por trás da tela

Nas UTIs de covid-19, pacientes usam áudios e vídeos para se sentirem mais próximos da família

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Publicado em 12 de abril de 2021


Reportagem: Giulia Granchi
Edição: Bárbara Paludeti
Direção de arte: Mathias Pape