Ela nasceu com mancha gigante no rosto e, aos 5 anos, já fez 10 cirurgias

A brasileira Carolina Fenner, 40, vive em Miami e não tinha planos de ser mãe, mas foi surpreendida ao descobrir uma gravidez avançada em 2019. Ela, que praticava exercícios intensos, como crossfit, gostava de bebidas alcoólicas e fumava cigarros quando ia a festas de música eletrônica, temeu que sua filha nascesse com algum problema congênito e sofreu com uma gestação com picos de glicemia por ter diabetes.

Mesmo com as dificuldades, Luna, hoje com 5 anos, nasceu sem problemas de má-formação, mas surpreendeu tanto os pais quanto a equipe médica ao vir ao mundo com uma mancha escura que tomava quase todo o rosto. Apenas no quinto dia de internação do pós-operatório é que receberam o diagnóstico correto: a bebê tinha nevo melanocítico congênito, doença rara que atinge 0,5% da população mundial.

Em cinco anos, Carol, Thiago e Luna já enfrentaram de tudo, desde preconceito, busca de recursos para custear as cirurgias, que já chegaram a dez, viagens à Rússia para fazer o tratamento, e como se isso não fosse suficiente, uma pandemia de coronavírus e a guerra dos russos contra os ucranianos, iniciada às vésperas de mãe e filha embarcarem para o 11º procedimento. A VivaBem, elas contam sua história:

"Com 2 meses, Luna foi chamada de monstro dentro de uma igreja por uma senhora que assistia ao culto. Ali, decidi que faria as cirurgias de remoção de nevos de qualquer jeito e busquei ajuda e respostas com médicos em várias partes dos Estados Unidos.

Imagem
Imagem: Arquivo pessoal
Imagem
Imagem: Arquivo pessoal

Cada um tinha uma opinião, e eu e meu marido não sabíamos qual caminho seguir. Até que, pelo caso dela ser raro, a história viralizou pelo mundo e recebi o contato de um oncologista de Krasnodar (Rússia), Pavel Popov, oferecendo ajuda. Decidi arriscar e fizemos a primeira cirurgia de remoção quando minha filha tinha sete meses.

Como lá foram descobertos e retirados os três melanomas, entreguei nas mãos do doutor Popov as cirurgias seguintes, e entre 2019 e 2021, viajamos cinco vezes à Rússia para o total de dez cirurgias para remoção de partes dos nevos do rosto e do corpo, além de enxertos de pele para cobrir as cicatrizes.

No meio do caminho, veio a pandemia de coronavírus, chegamos a ficar retidas no país esperando a situação melhorar e sem falar nada de russo.

Continua após a publicidade
Luna no pós-operatório de remoção de nevos no nariz
Luna no pós-operatório de remoção de nevos no nariz Imagem: Arquivo pessoal
Luna atualmente
Luna atualmente Imagem: Arquivo pessoal

Ainda teríamos um cirurgia pendente para fazer em Krasnodar, mas que não foi possível por causa do início da guerra da Rússia contra a Ucrânia, em fevereiro de 2022. Como não podíamos embarcar para lá, decidi ouvir outros médicos, inclusive especialistas em nevos congênitos no Brasil e exterior, como Luiz Philipe Molina e Olga Filipova Vasilyevna.

Os dois me desaconselharam a seguir o tratamento com Popov, pois, segundo eles, o oncologista usa técnicas muito agressivas e não recomendadas para remoção de nevos gigantes, além de ter cometido erros médicos.

Luna ficou com o aspecto de queimaduras na pele, e para corrigir isso serão necessários mais quatro procedimentos, sendo um mais urgente, que será o preenchimento das bochechas para devolver a mobilidade a esta parte do rosto dela.

Luna, ainda bebê, com o pai e a mãe
Luna, ainda bebê, com o pai e a mãe Imagem: Arquivo pessoal
Continua após a publicidade

Para viajarmos para São Petersburgo (Rússia) ainda este ano, para operarmos com a doutora Olga, sigo fazendo campanhas virtuais para arrecadar fundos por meio do site Ajude Luna, vendendo bonecas que produzo, além do livro que escrevi e que conta a história de superação da minha filha.

Às vezes, recebemos doações de pessoas que querem ajudar a custear as cirurgias, pois cada uma delas custa cerca US$ 20 mil, juntando a hospedagem de cerca de três meses na Rússia, alimentação e remédios. É mais caro fazer procedimentos assim no Brasil e nos EUA."

O que é nevo melanocítico congênito?

Imagem
Imagem: Arquivo pessoal
Imagem
Imagem: Arquivo pessoal

Trata-se de uma doença rara que atinge 0,5% da população mundial.

Continua após a publicidade

Não há fatores genéticos, hereditários ou de hábitos das mães (uso de álcool ou tabagismo na gravidez) que expliquem o surgimento das manchas.

O nevo ou nevos podem se manifestar tanto na parte externa da pele quanto no sistema nervoso central e coluna em forma de manchas escuras, geralmente benignas, mas com potencial de se transformarem em melanomas (cânceres malignos) até os dez anos de idade.

Balões contra o preconceito

O cirurgião plástico Luiz Philipe Molina, referência em nevo melanócito congênito no Brasil, explica que o próximo passo do tratamento de Luna é o uso de uma técnica chamada expansor de pele, que consiste em inserir uma bexiga vazia de silicone embaixo da pele que não tem as manchas.

Através de uma válvula remota é inserido soro fisiológico uma vez por semana para expandir a região e haver a distensão da pele. Esse processo pode durar quatro meses.

Técnica do uso de balão para expandir a pele
Técnica do uso de balão para expandir a pele Imagem: Divulgação

Após ser distendido, o balão é retirado. A pele que sobrou é esticada sobre a área do nevos gigantes, remove-se a lesão e coloca-se a pele sem lesão no local antes afetado.

Continua após a publicidade

No caso de nevos pequenos, o médico brasileiro recomenda a remoção direta e sem uso de expansor de pele, como se fosse uma pinta.

Carol, a mãe de Luna, não gosta da ideia dos "balões", mas essa é a técnica utilizada por Olga e ela está convencida de que é o melhor caminho para que Luna tenha uma pele mais natural e sem as cicatrizes deixadas pelas cirurgias anteriores.

"Avalio que o tratamento feito em Luna na Rússia não é comum para esta doença, já que o uso de laser apresenta resultados variados e não elimina o aparecimento de cânceres. No caso dela, avalio que deveria ter sido feito tratamento com laser apenas nas áreas difíceis de acessar via cirurgia e o restante, cirurgia convencional. O resultado funcional e estético é melhor", afirma Molina.

A expectativa da brasileira é melhorar a funcionalidade e o aspecto do rosto da filha, que desde bem pequena tem enfrentado casos de preconceito e discriminação. Conforme cresce, Luna tem questionado cada vez mais as situações que passa.

"Ela quer usar maquiagem e base para esconder as marcas no rosto. Também já me relatou que algumas crianças não querem ficar perto dela e me questiona se é por causa da cara dela. Tentamos levar as situações da forma mais leve possível, mas é difícil", conta a mãe.

Segundo Carol, a filha já apanhou de coleguinhas, foi empurrada, mas ela não quer usar do mesmo expediente. "A família toda a cerca do que faz bem. Por isso decidimos que Luna não vai frequentar a escola até completar todas as cirurgias. Cada saída de casa é um questionamento e gostaria de apresentar um mundo para ela em que há mais empatia e carinho, além de enxergar o diferente com outros olhos", diz Carol.

Continua após a publicidade

Fonte: Luiz Philipe Molina Vana, cirurgião plástico e doutor pela Faculdade de Medicina da USP, especialista em queimaduras pelo Schriners Burns Institute, no Massachussetts General Hospital (EUA), especialista e membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, da Sociedade Brasileira de Queimaduras e do Nevus.org.

Deixe seu comentário

Só para assinantes