Há 6 anos, ela descobriu câncer 'sem cura': 'Decidi viver da melhor forma'

Há seis anos, a paulista Nara Dutra Brossi, 41 anos, descobriu um câncer na mama, com metástase no fígado. Especialista em marketing e com uma carreira estabilizada, ela tinha acabado o período de amamentação do segundo filho e se preparava para uma plástica.

Entre idas e vindas da doença, escolheu dar um novo sentido na sua qualidade de vida. "Tinha muita coisa acontecendo, eu não poderia me resumir somente ao câncer e deixar todo o resto de lado", conta.

A história dela se mistura com a de muitas pessoas, que passam a conviver com a doença de forma crônica, quando não há mais cura, mas sim tratamento.

'Estava pronta para um sonho'

"No dia 10 de maio de 2017, semana do Dia das Mães, eu estava preparada para realizar um desejo antigo. Planejei bastante e assim que tivesse a oportunidade, faria uma plástica no seio. Após duas gestações, entendi que era o momento e, quando desmamei a Nina (minha segunda filha), fui atrás da cirurgia.

Uma série de exames pré-operatórios para uma plástica acabou se transformando em um diagnóstico inesperado. A mamografia, seguida de um ultrassom de mama, depois uma biópsia e já no dia seguinte, a notícia: câncer de mama.

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Imagem: Arquivo pessoal

Fui fazer essa mamografia pré-operatória e o exame que era para ser rápido demorou mais que o esperado. Como não me liberavam, entrei em contato com meu marido e pedi para que ele falasse com o primo, que é mastologista.

Na hora, ele acessou o exame, falou com meu marido, que foi me buscar e fomos juntos pra São Paulo (estava em Alphaville). Nos dias que se seguiram, mais um exame para pesquisar a possibilidade de outros tumores no corpo e, com ele, outra notícia difícil: metástase no fígado.

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Quando fui diagnosticada, estava seguindo para viver o auge da vida. Recém-casada, mãe de dois filhos, feliz profissionalmente. Naquele momento, só uma coisa me veio ao pensamento: meus filhos vão crescer sem a mãe. Nara Dutra

Com o tempo vi a minha vida se modificar e também precisava mudar algo em mim. Tinha muita coisa acontecendo, não poderia me resumir somente ao câncer e deixar todo o resto de lado.

Dias sim, dias não

Não posso negar que os bastidores não são maravilhosos. Nem sempre os efeitos colaterais esperam o momento certo para se manifestar. Eles não querem saber se esta é a hora daquela reunião importante, ou um compromisso com seu filho. Só que decidi que o câncer é um detalhe na minha vida. Minha rotina é muito dinâmica e ele é mais uma tarefa a ser tratada.

Eu estava havia seis anos no mesmo protocolo. Tinha uma superqualidade de vida. Fazia uma aplicação de um medicamento, a cada 21 dias, que tinha poucos efeitos colaterais. A cada três meses, faço exames e, neste ano, precisei mudar o protocolo.

Ao longo desse tempo, o câncer voltou algumas vezes. Surgiu no esterno (o osso que se encontra na linha média anterior do nosso tórax e faz parte da região anterior da caixa torácica), fiz radioterapia e continuei com o medicamento; retornou na mama, fiz uma cirurgia, continuamos com o mesmo medicamento; depois mais uma vez no fígado e, por último, a mama novamente.

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Acabamos mudando o protocolo. O ano de 2023 tem sido o mais intenso de exames, consultas, fico mais cansada, tenho mal-estar na semana de aplicação da medicação.

Neste ano, voltou primeiro no fígado, fiz uma intervenção local e adicionamos uma quimioterapia nos medicamentos, mas não funcionou. Continuou no fígado e voltou mais forte na mama, que já havia operado duas vezes. Foi, então, que troquei o medicamento novo.

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Imagem: Arquivo pessoal

Eu precisei aprender a me reinventar a cada dia. Sabia que, se pudesse, não escolheria passar por um câncer, mas poderia escolher entre sofrer com as notícias ou passar por isso da melhor forma possível. Decidi encarar a realidade de forma leve e objetiva.

Os aniversários que não eram tão significativos passaram a fazer sentido, especialmente diante dos clichês "muita saúde", "muitos anos de vida". A gratidão também ganhou novo entendimento.

Apoio profissional

Desenvolvi minha carreira no mundo corporativo. Eu trabalhava numa multinacional de moda e vivi o tratamento inicial lá, mas devido a uma conjuntura de fatores, independentes do câncer, precisei sair de lá. Não era dona da minha agenda.

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Chegava a trabalhar das 8h30 às 22h30, sempre achando que iria ter tempo para ser mãe e realizar outros sonhos. A carreira sempre em primeiro lugar. Até que saí desta empresa e fiquei seis meses sem trabalhar. Conheci os dois lados e não estava feliz. Comecei, então, a buscar um equilíbrio. Eu amo o meu trabalho e trabalhar me faz muito bem.

Com o diagnóstico, meu maior medo era não ter espaço no mercado para uma paciente de câncer metastático, ou seja, alguém que precisaria de um tratamento por toda a vida, mas fui surpreendida. Certamente, minha experiência não é a realidade de muitas pessoas. Então, posso dizer que tenho o privilégio de trabalhar em uma empresa onde existe todo suporte e incentivo para seguir com a rotina de quimioterapia, consultas e exames.

Fazer parte de uma empresa que se preocupa com os resultados, mas que tem um olhar voltado para o capital humano, certamente é uma sorte, provando para mim mesma que meu medo inicial foi infundado. Assim, sigo, há mais de seis anos, conciliando carreira e tratamento, tornando realidade o que mais desejei após o diagnóstico: que o câncer seja um detalhe.

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Imagem: Arquivo pessoal

Mais tempo com a família

Desde o início, tinha muita clareza de que não queria que o câncer fosse um problema e acredito que é dessa forma que todos em casa acabam encarando.

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Na família, meu maior suporte é meu marido. Dentre tantas estatísticas de mulheres que se divorciaram após diagnóstico, fiquei de fora dessa. O câncer não só me transformou, mas mudou meu marido, sua forma de encarar a vida, suas prioridades e, acima de tudo, fortaleceu nossa relação.

Quando descobri que tinha um câncer metastático, eu tinha certeza de que eu ia morrer. Tanta certeza que abri o meu Instagram pessoal e coloquei o nome de "Prazer, mamãe".

Minha filha tinha entre 8 e 10 meses e o meu filho tinha quase dois anos. Na minha cabeça, no máximo, eu viveria entre seis meses a um ano. Então eu queria escrever sobre minha vida, sobre o meu dia a dia, como eu estava enfrentando o tratamento pra que eles conhecessem um pouco da mãe deles.

No meio do caminho, vi que não era bem assim. Conheci várias pessoas na internet que enfrentavam o câncer metastático há muitos anos. Depois de dois anos de tratamento, mais ou menos, percebi que não ia morrer tão cedo e fui entendendo que era muito melhor estar presente e ter o máximo de tempo de qualidade com eles.

Optei por não contar aos meus filhos sobre o câncer. Ao longo desses anos, nunca perdi o cabelo 100%, nunca teve nada visível que eles percebam que tem algo diferente. Eles sabem que faço um tratamento, que faço muitos exames e que vou bastante ao médico, mas não têm ainda a consciência do que isso significa.

Neste momento, para eles, esta rotina não significa nada além de ter muitos compromissos médicos, que é exatamente o que eles sabem. Minha maior preocupação em relação ao nosso cotidiano é estar presente e ter o máximo de tempo de qualidade com eles.

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A gente vai revendo as prioridades e aprendendo a equilibrar tudo. Não é 100% os meus filhos nem 100% o trabalho. É eu conseguir ter um trabalho que me permite ter uma rotina de qualidade com meus filhos. Eu preciso me energizar com tudo aquilo que me dá prazer e me realiza para que eu tenha energia para dar o melhor para os meus filhos.

Viver tudo isso foi colocando cada coisa no seu lugar. Hoje a meta é ter equilíbrio em tudo! Desde alimentação (que definitivamente não é a mais saudável) até as horas dedicadas para cada "pilar da vida". A vida é hoje! Não se prenda a estereótipos e julgamentos. No caminho, tudo se ajeita."

O que é um câncer de mama metastático

O câncer de mama metastático acontece quando o tumor se espalha para outros órgãos, como ossos, pulmão, fígado e cérebro. Os tumores malignos nos seios são os mais comuns para o triênio 2023-2025, foram estimados mais de 73.000 novos casos no Brasil.

Desses casos, em torno de 10-15% são metastáticos, ou seja, essas pacientes perderam a possibilidade de cura através do diagnóstico inicial. A doença pode voltar em outras partes do corpo depois de meses ou anos.

Tratamento

Formado em Oncologia Clínica pelo Instituto Nacional do Câncer (Inca), o médico Marcos Saramago salienta que lidar com esse tipo de diagnóstico requer uma abordagem multidisciplinar e o apoio de uma equipe médica experiente.

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O risco de recidiva varia de acordo com o estágio inicial do câncer e outros fatores. O tratamento para recidiva geralmente envolve terapias adicionais, como cirurgia, radioterapia ou quimioterapia, no que pode depender da localização e extensão. A detecção precoce e o acompanhamento médico regular são cruciais para gerenciar a volta da doença.

Como lidar

Quando a doença está avançada, passamos a lidar com ela como uma doença crônica como diabetes ou hipertensão, ajustando as medicações. Algumas medidas são importantíssimas para portadores de doenças avançadas:

Apoio psicológico: considerar a ajuda de um psicólogo, terapeuta ou grupo de apoio para lidar com o impacto emocional.

Estilo de vida saudável: manter uma dieta equilibrada, fazer exercícios e evitar o tabagismo e o consumo excessivo de álcool.

Apoio de família e amigos: compartilhar os sentimentos com pessoas de confiança para obter apoio emocional.

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Cuidados paliativos: considerar cuidados paliativos para gerenciar sintomas e melhorar a qualidade de vida.

Manter uma atitude positiva: há evidências científicas de que a felicidade pode gerar mais a sobrevida depois do diagnóstico. Com isso, é importante trabalhar os relacionamentos, a resiliência e a gratidão.

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