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'Endurecimento' da pele: cearense conta como convive com a esclerodermia

Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Rebecca Vettore

Colaboração para VivaBem

24/07/2023 04h00

Izabela Carvalho tem 28 anos e há mais de duas décadas convive com uma doença rara chamada esclerodermia. Dividida em dois tipos, localizada e sistêmica, a esclerodermia, segundo a SBR (Sociedade Brasileira de Reumatologia), é uma moléstia que se caracteriza por fibrose (endurecimento) da pele e dos órgãos internos, e comprometimento dos pequenos vasos sanguíneos.

Por morar em Campos Sales, uma cidade localizada no interior do Ceará, a maquiadora teve dificuldade para receber o diagnóstico. Abaixo, ela conta sua história:

"Eu tinha mais ou menos 3 anos quando apareceu o primeiro sintoma da doença, uma ferida que foi aumentando e não cicatrizava no joelho esquerdo. Os médicos pelos quais passei não sabiam o que era e a doença foi progredindo.

foto - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Izabela Carvalho com cerca de 3 anos
Imagem: Arquivo pessoal

Só descobrimos o que era de fato quando tinha 5 anos e fui com a minha mãe, Sildênia Maria dos Santos Carvalho, ao Hospital das Clínicas em São Paulo.

Depois de chegarem ao diagnóstico de esclerodermia localizada linear, falaram para minha mãe que o meu caso era grave e eu precisaria passar por uma cirurgia com alto risco de morte.

A intervenção cirúrgica tinha o objetivo de parar a progressão da doença, que estava avançada e tinha causado a formação de líquido no meu joelho.

Entre fazer a cirurgia e me recuperar, passei mais de um ano em São Paulo. Como não deram pontos na cirurgia, ela precisou sarar aberta, por isso a recuperação foi bem delicada. Foi quase como uma ferida exposta e quando voltei para casa ainda não estava 100%, andava arrastando a perna.

Para voltar a caminhar normalmente, precisei fazer fisioterapia, mas como morava em uma cidade pequena, não tinha o atendimento que precisava, por isso viajava até as cidades vizinhas. Minha família precisou pagar um convênio para que eu tivesse acesso aos profissionais.

Após a cirurgia, passei quase 15 anos tomando medicações e fazendo fisioterapia de vez em quando. Como o tratamento só tinha longe de casa, nem sempre conseguia fazer. Os medicamentos mesmo vinham de São Paulo, porque eram muito específicos.

Além de causar o endurecimento da pele, descobri que a esclerodermia localizada 'seca' o órgão e acaba por diminuí-lo. No meu caso, ela 'secou' e diminuiu a minha perna esquerda, e hoje ela é mais curta do que a direita.

Tratamentos

Minha mãe faleceu em 2012, quando eu tinha 17 anos, e acabei ficando um pouco desanimada para fazer outros tratamentos.

Existia a oportunidade de fazer uma cirurgia de alongamento ósseo, porém nunca fui atrás. Entre 2014 e 2015, a médica que me atendia me orientou a frequentar a academia para fortalecer a perna direita, mas demorei para começar.

Passei muitos anos sem sair de casa direito, com vergonha, quase não tinha amigos quando criança e não usava nem shorts ou saia.

Foto - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Izabela Carvalho na infância
Imagem: Arquivo pessoal

Além da academia, a médica que me atendeu na época indicou que eu começasse um regime para perder um pouco de peso e assim forçar menos a minha perna direita.

Passei anos por um processo de aceitação e, em 2019, após fazer um ensaio fotográfico, comecei a aceitar quem eu sou e comecei a usar as roupas que tinha vergonha e a me exercitar.

Depois de postar um vídeo sobre a minha deficiência física, bombei no Instagram e comecei a ganhar seguidores. Mesmo me aceitando, para evitar problemas no futuro na coluna, quero fazer a cirurgia de alongamento de ossos para que as minhas pernas fiquem do mesmo tamanho.

Caminho normalmente, não sofro nenhuma consequência da doença que está estabilizada e nem preciso mais tomar medicamentos."

O que é a esclerodermia

Segundo a SBR, a esclerodermia sistêmica pode afetar a pele e os órgãos internos. Ela é quatro vezes mais frequente no sexo feminino e atinge as pessoas principalmente durante a quarta década de vida.

Já a esclerodermia localizada afeta uma área restrita da pele, poupando os órgãos internos, sendo mais comum em crianças e adolescentes.

A esclerodermia localizada ainda se divide em dois tipos principais: a morfeia e linear.

A morfeia é a forma clínica mais comum e se apresenta como uma ou mais placas de pele espessada com graus variados de pigmentação.

Na esclerodermia localizada linear, as áreas de espessamento da pele aparecem em forma de linha no sentido vertical do corpo.

A esclerodermia localizada ainda pode ter graus diferentes. Quando mais leve, apresenta uma discreta atrofia (perda de tecido) da área afetada, e quando mais grave, a doença se estende aos tecidos mais profundos (tecido subcutâneo, músculos e ossos), com a possibilidade inclusive, de atrasar o crescimento ósseo da criança.

Quando falamos de causas, Cristina Salomão, reumatologista e membro da Sociedade Brasileira Para o Estudo da Dor, explica que por ser uma doença autoimune, a esclerodermia ocorre por desarranjos da imunidade.

"Normalmente em doenças autoimunes, a gente sabe que nós temos uma predisposição genética e ocorre algum gatilho, que faz com que essa predisposição genética se manifeste", explica Salomão.

"Essa doença é mais comum em crianças, então provavelmente o gatilho pode estar associado com infecções virais ou bacterianas. Há quem fale que machucaduras, traumatismos locais, como cirurgias, poderiam levar a gerar anticorpos, mas não se sabe qual é o gatilho específico, são todas suposições."

Com relação a incidência, a reumatologista conta que como é uma doença muito rara, acaba sendo difícil fazer um mapeamento epidemiológico, mas há uma estimativa de que a esclerodermia localizada teria cerca de 2,7 casos por 100 mil habitantes no mundo.

"No Brasil, não temos nenhum estudo falando sobre a real incidência, por ser rara. No ambulatório de reumatologia vemos raramente pacientes com essa doença, sendo mais comum ser vista por dermatologistas", conta Claudia Marques, professora de reumatologia da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) e gerente de ensino e pesquisa do Hospital das Clínica da UFPE.