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Filme? Nada! Cirurgião usa óculos 3D para comandar 'estreia' de robô em SP

O urologista Arie Carneiro mexe dois controles manuais para manipular os braços de um novo robô-cirurgião - Einstein/Divulgação
O urologista Arie Carneiro mexe dois controles manuais para manipular os braços de um novo robô-cirurgião Imagem: Einstein/Divulgação

Do VivaBem, em São Paulo

09/05/2023 04h00

Uma equipe de cirurgiões vê um "filme" com óculos 3D, mas não está no cinema. No painel, são exibidas imagens feitas por uma câmera minúscula que está dentro do corpo do paciente que será operado. Cada órgão que a câmera capta aparece na tela ampliado de dez a 15 vezes. A transmissão é ao vivo e tudo acontece em tempo real.

O "condutor" da cirurgia é o urologista Arie Carneiro, que move dois controles para comandar os movimentos de um robô-cirurgião, cujos braços substituem as mãos do médico dentro do paciente, anestesiado em uma maca a poucos metros de distância.

Parece ficção científica, mas a cena aconteceu no Hospital Albert Einstein (SP) na última quarta-feira (04/05), durante uma remoção de próstata, e a equipe de VivaBem pôde acompanhá-la bem de perto, dentro da sala. Na ocasião, um novo tipo de robô cirúrgico foi utilizado pela primeira vez no Brasil.

Segundo o hospital, mais de 11 mil cirurgias com o auxílio de robôs já foram realizadas pela instituição —inclusive a primeira no país, em 2008.

Um dos pontos inéditos desta vez foi que não só o médico que liderou a operação como também os outros ao seu redor puderam acompanhar, em 3D, as imagens capturadas por um dos braços do robô.

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Enquanto o cirurgião conduz a operação, outros médicos da equipe acompanham as imagens em 3D e comentam o procedimento
Imagem: Einstein/Divulgação

Quando não estavam olhando para o painel, os cirurgiões ao redor do urologista Arie Carneiro observavam atentos ao movimento de suas mãos, enquanto ele manipulava os controles. Outro ponto de atenção eram os pés do cirurgião: de meias, eles tocavam cuidadosamente seis pedais, normalmente nos momentos em que era necessário fazer alguma dissecção (separar as partes de um órgão). Todos comentavam sobre a cirurgia.

Isso foi possível devido ao design aberto do console, uma das novidades do robô recém-chegado ao país, chamado de 'Hugo', que foi incorporado ao núcleo de cirurgia robótica do hospital. A instituição não divulgou o valor do investimento no novo dispositivo.

"Com esse robô, o cirurgião não tem obrigatoriedade de ficar com a cabeça imersa dentro do console. Ele pode se comunicar tanto com a equipe que está com o paciente quanto utilizar esse recurso para ensinar outros cirurgiões que eventualmente estejam observando o caso cirúrgico", diz Carla Perón, vice-presidente de pesquisa clínica e inovação cirúrgica da Medtronic, multinacional que desenvolveu o aparelho. "A gente acredita que isso vai facilitar o treinamento e o acesso à tecnologia".

Hugo é visto como um potencial concorrente do Da Vinci, plataforma pioneira da empresa Intuitive, que é tradicionalmente utilizada em cirurgias robóticas no Brasil e no mundo.

Segundo Perón, uma das principais diferenças do Hugo em relação à plataforma tradicional é que o novo robô permite que o cirurgião opere sentado com a cabeça reta, de frente para a tela.

Já no caso do Da Vinci, o console é "fechado", de forma que o cirurgião fica com a cabeça "enfiada" dentro do painel, como se estivesse em uma cabine.

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O urologista Arie Carneiro manipula os dois controles manuais do robô-cirurgião e, de meias, pisa nos pedais que comandam a definição da intensidade do pulso elétrico emitido
Imagem: Einstein/Divugação

O novo robô permite uma cirurgia mais democrática, porque todos que colocam os óculos 3D, acompanham a cirurgia em 3D. Sidney Klajner, presidente do Einstein.

"Nos outros modelos, só quem vê em 3D é o cirurgião que está no console, enquanto o restante da equipe acompanha as imagens 2D em um monitor", compara Klajner, enquanto andava pelos corredores do hospital na manhã em que a cirurgia aconteceu, a caminho de um outro procedimento.

Cirurgião do aparelho digestivo, o presidente do hospital não participou da operação pois, por enquanto, o novo robô só está liberado no país para o uso em procedimentos das áreas da urologia e ginecologia. Segundo ele, porém, a previsão é de que Hugo participe de sua primeira cirurgia no aparelho digestivo em julho.

O robô foi inaugurado no Chile, em 2021, e já está em operação na Inglaterra, Alemanha, Canadá, Japão, Índia e Panamá. No Brasil, a Anvisa autorizou seu uso em abril de 2022.

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Pinças articuláveis do robô-cirurgião 'Hugo', da empresa Medtronic
Imagem: Einstein/Divulgação

Como funciona uma cirurgia com o Hugo?

  • Minimamente invasiva. O paciente fica sedado na mesa de cirurgia, sob os cuidados do anestesista e dos enfermeiros, que primeiro insuflam o seu abdome com gás carbônico e fazem ali pequenos orifícios, entre 5 mm e 12 mm. Estes "buraquinhos" serão os caminhos para a entrada dos quatro braços do robô.
  • Luz, câmera, ação. Um dos braços fica com a câmera que leva as imagens ao console do cirurgião, sentado a poucos metros de distância do paciente.
  • Já os outros três braços põem a mão na massa. Eles são conduzidos pelo cirurgião, mas seus movimentos são muito mais precisos do que a mão humana: um movimento curto do médico é replicado em uma escala cinco vezes menor pela máquina.
  • Nem todos os braços precisam ser utilizados ao mesmo tempo. O Hugo é considerado o primeiro robô com plataforma modular, isto é, seus quatro braços não precisam ser utilizados de forma conjunta.
  • O cirurgião pode escolher quantos braços vai usar de acordo com a complexidade do procedimento, o que, em tese, poderia ajudar a evitar a ociosidade do equipamento: quando não há necessidade de uso dos quatro braços, o modelo oferece a possibilidade de ser separado em dois e usado em cirurgias diferentes, simultaneamente.
  • Ele tem uma plataforma de captura de vídeos. Ao final do procedimento, o cirurgião pode fazer um upload das imagens de vídeo e receber uma análise da cirurgia por meio de inteligência artificial, que inclui informações como o tempo da cirurgia, os instrumentos utilizados e as fases do procedimento.
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Da direita para a esquerda, o presidente do Einstein Sidney Klajner, o diretor médico de cirurgia robótica Nam Jin Kim e o urologista Urie Carneiro posam ao lado do robô 'Hugo'
Imagem: Divulgação/Einstein

Quais são os benefícios da cirurgia robótica?

Independentemente do modelo do robô, esse tipo de tecnologia permite ao médico fazer incisões menores e mais precisas e, em certos tipos de cirurgia, acelera a recuperação dos pacientes. Também pode reduzir alguns riscos.

Retirar a próstata, por exemplo, não é um procedimento cirúrgico simples. Se a cirurgia não for capaz de manter os principais nervos dessa glândula, que produz o líquido que compõe o esperma, o homem pode ter incontinência urinária e até ficar impotente. Os riscos são considerados maiores quando a cirurgia é aberta.

O grande avanço da cirurgia robótica é que ela nos ajuda a melhorar a preservação dos nervos e, com isso, mantém a função erétil, além de preservar a musculatura do esfíncter urinário, que é responsável pela continência. Arie Carneiro, urologista

O robô beneficia também o médico. O cirurgião opera sentado, com os braços apoiados no console. "Uma prostatectomia [retirada de próstata] laparoscópica é exaustiva. A gente consegue fazer duas no dia e sai cansado, com dor no ombro. Com o robô, a gente faz 4 em um dia", diz Carneiro.

O custo-benefício é outra vantagem associada ao procedimento. A Medtronic não divulgou o valor do novo dispositivo, mas, para se ter uma ideia, um robô Da Vinci que foi alocado pelo Einstein no Hospital Municipal Vila Santa Catarina, em São Paulo, e está à disposição de procedimentos pelo SUS desde o ano passado, possui um valor aproximado de US$ 2,5 milhões.

"Apesar de o equipamento ser um investimento alto, quando a gente analisa o retorno do paciente às atividades, a qualidade do desfecho, ou a cura de uma doença como o câncer de próstata, de forma a não trazer complicações como incontinência urinária, que também traz um ônus para o sistema de saúde, o investimento acaba sendo custo-efetivo", avalia Sidney Klajner.

Ao utilizar a tecnologia no hospital e criar evidências científicas sobre os potenciais benefícios de seu uso, Klajner diz que sua expectativa é colaborar para a expansão do acesso da população às cirurgias robóticas, na medida em que a escala permitir o barateamento do recurso.

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Robô-cirurgião 'Hugo', da empresa Medtronic, possui quatro braços que podem se separar e se reagrupar em diferentes configurações
Imagem: Einstein/Divulgação

Por trás do robô, um cirurgião

Segundo Nam Jin Kim, diretor de cirurgia robótica no Einstein, Hugo não é exatamente "novo".

"Não é que estamos saindo do carro e indo pro avião. Na verdade, estamos trocando modelos de avião, então os cirurgiões precisam se acostumar ao novo modelo. Não é que eles não saibam operar, mas é preciso se adaptar ao comando, que é um pouco diferente".

Alguns médicos podem ter dificuldades com o uso do óculos 3D, por exemplo. Outros podem levar um tempo até se adaptarem ao console aberto, diz o cirurgião.

O urologista Arie Carneiro, que estreou a plataforma no Brasil, já era especialista em cirurgia robótica, mas também precisou passar por um treinamento específico para manejar o aparelho. Na sala de cirurgia, a equipe ainda contou com a presença de um cirurgião do Panamá, onde a tecnologia é utilizada desde 2021.

Kim afirma que a a especialização dos profissionais é prioridade para o Einstein. Segundo ele, todos os cirurgiões que operam com o auxílio de robôs na instituição já foram "treinados exaustivamente". Carneiro, por exemplo, já realizou mais de duas mil cirurgias robóticas.

"Se você não é treinado à exaustão nisso, você não vai entregar resultados bons mesmo com uma máquina boa", diz Kim. "O robô não faz cirurgia sozinho. O robô é uma ferramenta do cirurgião", concorda o urologista.

O hospital já qualificou mais de mil cirurgiões para o uso do Da Vinci e outras plataformas e, no futuro, também pretende capacitar profissionais para o uso do Hugo.

"Estamos incorporando essa tecnologia antes dos americanos, por exemplo, onde o Hugo ainda não começou a ser usado, então eles vão ter que consumir o nosso conteúdo de aprendizado para realizar a prática deles no futuro", diz Kim. "Está mudando muito o cenário da cirurgia robótica brasileira, e esse é um motivo de orgulho não só para o Einstein, mas para todos os cirurgiões do Brasil".

O primeiro paciente operado pelo robô Hugo no Brasil teve alta no dia seguinte e passa bem.