Topo

Saúde

Sintomas, prevenção e tratamentos para uma vida melhor


Esclerose múltipla: 'Fui passar o desodorante e não senti minha axila'

Lara Abrantes, 25, teve primeiro sintomas em 2017, mas não desconfiava de esclerose múltipla - Arquivo pessoal
Lara Abrantes, 25, teve primeiro sintomas em 2017, mas não desconfiava de esclerose múltipla Imagem: Arquivo pessoal

De VivaBem, em São Paulo

22/08/2022 04h00Atualizada em 25/08/2022 18h53

O primeiro sintoma da esclerose múltipla na arquiteta Lara Abrantes, 25, apareceu em 2017 e foi um pouco inusitado: "Fui passar o desodorante e não senti minha axila do lado direito. Achei estranho, mas não fui ao médico questionar o que poderia ser isso", lembra.

Os anos foram passando e, quando começou a namorar o caminhoneiro Marlon que, hoje, é seu marido, teve mais uma manifestação da doença. Como ele morava em Joinville (SC) e Lara em Timóteo (MG), ela precisava percorrer longas distâncias para visitá-lo. "Estava viajando e perdi toda sensibilidade do lado direito, não sentia o que era quente ou gelado. Pegava a garrafa gelada na mão e não sentia nada. Foi desesperador", conta.

Com medo, foi correndo ao hospital, onde fizeram diversos exames, mas não descobriram nada —suspeitaram até de um AVC. "Disseram que seria internada porque não era possível fazer a ressonância em um sábado, então teria que esperar até segunda, mas achei melhor voltar para a minha cidade."

Quando chegou em Timóteo, o médico solicitou o exame, mas Lara acabou deixando de lado e, nisso, passaram-se mais de seis meses. Ela se formou em arquitetura e, logo em seguida, foi apresentar o primeiro projeto para clientes.

Já fui passando mal, sentia muita dor de cabeça. Meus olhos começaram a 'travar' na reunião, não consegui olhar para o lado. Pedi para minha sócia continuar a apresentação e saí da sala. Quando cheguei em casa, tive labirintite e comecei a ver tudo duplo. Lara Abrantes, 25

Desta forma, procurou um oftalmologista em sua cidade. "Quando eu fechava um dos olhos, enxergava normal, mas quando abria os dois juntos, enxergava tudo duplo", lembra. Por conta do sintoma, o médico disse que ela deveria ir a um neurologista. Foi o que, enfim, Lara fez —isso já em 2020.

Lara Arantes - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Lara no caminhão do marido
Imagem: Arquivo pessoal

Quando realizou a ressonância, a médica identificou a esclerose múltipla, uma doença inflamatória, progressiva e autoimune que afeta o cérebro e a medula. Eram mais de 15 lesões neurológicas.

No dia, a arquiteta ficou internada para tomar corticoide —que faz parte do tratamento no período de surto. Depois, foi em busca de um médico para tratar: "Em Timóteo, não temos especialista em esclerose, então fui aconselhada a procurar um médico em Belo Horizonte", diz. "Foi lá que encontrei a médica que cuida de mim até hoje."

Foi na consulta que Lara descobriu que tinha a doença ativa, ou seja, quando há muitas lesões detectadas pelo exame, e remitente-recorrente (ou surto-remissão). Isso quer dizer que a doença tem períodos de surtos (surgimento dos sintomas) e uma melhora depois, seja com tratamento ou de forma espontânea.

"Paguei R$ 103 mil pelo tratamento"

De acordo com os médicos, os medicamentos para tratar o avanço da doença são caros. Por isso, o SUS (Sistema Único de Saúde) oferece diversas opções aos pacientes, desde remédios orais até os intravenosos. O problema é que, para algumas pessoas, as alternativas não são suficientes para controlar o avanço da esclerose múltipla.

Conversando com a médica, ela explicou para Lara que a esclerose não tem cura, mas seria possível tratar a doença com as medicações ou de forma gratuita, ou pelo convênio ou de forma particular (usando o próprio dinheiro).

Lara Arantes e marido Marlon Gercker - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Lara Abrantes e marido Marlon Gercker
Imagem: Arquivo pessoal

"Quando os pacientes chegam, sendo pelo SUS ou não, eu mostro o panorama de medicamentos, quais são as melhores opções gratuitas, tanto pela rede pública, quanto pela privada", diz Raquel Vassão Araujo, neurologista, líder médica de inovação científica na AME (Amigos Múltiplos pela Esclerose) e no CDD (Crônicos do Dia a Dia).

Mas no caso de Lara, sua paciente, uma das opções era um remédio de alto custo, não fornecido pelo SUS, a cladribina oral.

No primeiro ano, consegui dinheiro emprestado com meu avô e paguei R$ 103 mil —era para ter saído por R$ 140 mil. No segundo ano, só consegui o medicamento entrando na Justiça. Lara Abrantes, 25

Esse medicamento funciona da seguinte maneira: o paciente toma 5 comprimidos no primeiro mês, faz o mesmo no segundo mês e repete o esquema depois de 1 ano —e, segundo os médicos, fica de 3 a 4 anos sem utilizá-lo novamente. "É uma medicação oral que o paciente utiliza por um período curto de tempo, diferente dos remédios disponíveis pelo SUS, que são de uso diário", explica Araujo.

O problema é que o medicamento não é acessível para a maioria das pessoas —um dos tratamentos que se compara com a cladribina oral, entre os "mais modernos", é o natalizumabe, já disponível na rede pública.

Lara iniciou o tratamento em dezembro de 2020 e repetiu em 2021. Desde então, a vida tem sido muito melhor. "Não tive mais nenhum surto ou lesões ativas. As que eu já tinha diminuíram de tamanho. Também não fiquei com nenhuma sequela. Foi quase um milagre", diz. A arquiteta casou com seu então namorado, que é caminhoneiro. Agora, eles conseguem viajar com mais tranquilidade pelo Brasil todo.

Lara Arantes no casamento - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Lara casou com Marlon em outubro do ano passado
Imagem: Arquivo pessoal

Doença é mais comum em mulheres

A esclerose múltipla, também conhecida pela sigla EM, é a doença mais comum do SNC (sistema nervoso central) em todo o mundo. "É uma doença imunomediada, ou seja, quando o organismo ataca a si mesmo, promovendo inflamações no encéfalo ou medula —pode ser nos dois ao mesmo tempo, denotando maior gravidade", explica o neurologista Jefferson Becker, professor da PUC-RS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul) e presidente do BCTRIMS (Comitê Brasileiro de Tratamento e Pesquisa em Esclerose Múltipla).

Além disso, a condição é mais comum em mulheres jovens. "A média de idade para começar com sintomas da doença é perto de 30 anos. É muito comum iniciar entre 20 e 40 anos", afirma o médico.

Lara Arantes - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Tratamento permitiu mais qualidade de vida a Lara; hoje, ela consegue participar de mais viagens do marido
Imagem: Arquivo pessoal

Os sinais da doença podem variar de acordo com o local afetado pela doença. "O mais comum é a diminuição da força de um lado inteiro do corpo ou nos membros, como nas pernas, por exemplo. Há ainda a alteração da sensibilidade, o formigamento ou dormência em qualquer local do corpo", diz Becker.

"O terceiro mais comum é a inflamação no nervo dos olhos, que causa um 'borramento' visual, principalmente no campo mais central, causando uma dor ao mover os olhos." Segundo o neurologista, existem outros sinais, como alteração do equilíbrio, de coordenação e visão dupla (veja lista completa abaixo).

Ele reforça ainda a importância de procurar um neurologista para ter um diagnóstico o quanto antes. "As pessoas ficam com um lado inteiro do corpo dormente, têm visão borrada e sentem fraqueza, mas elas acham que é estresse ou porque dormiu em cima do braço, e não buscam ajuda. Mas é preciso procurar um médico", afirma. "Quanto mais precoce for o diagnóstico, em até 2 anos dos primeiros sintomas, melhor será o prognóstico do paciente", diz o professor.

Principais sintomas da esclerose múltipla

  • Perda da visão (pode ser de um olho apenas), visão dupla
  • Tontura ou perda de equilíbrio
  • Mudança na fala (disartria)
  • Dificuldade para engolir (disfagia)
  • Fraqueza
  • Tremor
  • Cansaço
  • Perda de sensibilidade
  • Formigamento (parestesia)
  • Perda do tato (disestesia)
  • Incontinência
  • Constipação
  • Urgência urinária
  • Diarreia
  • Refluxo
  • Perda de memória
  • Dificuldade de concentração
  • Perda das funções executivas
  • Depressão
  • Ansiedade.
Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do que dizia o texto, o termo correto para a mudança na fala não é "disastria", e sim disartria. A informação já foi corrigida.
Diferentemente do que dizia o texto, Lara pagou R$ 103 mil pelo tratamento, e não R$ 33 mil. A informação já foi corrigida.