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Paraplégico após tiro, ele foi atendido por cadeirante na AACD: Me motivou

Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Priscila Carvalho

Colaboração para VivaBem

24/07/2022 04h00

O psicólogo Paulo César, 34, foi surpreendido por criminosos durante a Copa do Mundo no Brasil, oito anos atrás. Sem esperar, ele e amigos foram alvejados por tiros, que o deixaram paraplégico. Após a fatalidade, ele procurou tratamento na AACD (Associação de Assistência à Criança Deficiente). Desde o processo de reabilitação, seguiu com exercícios e ainda realizou o sonho de ingressar na faculdade. Quando chegou à AACD, só conseguia ficar deitado. Graças à reabilitação, hoje se desloca com independência. Abaixo, ele conta sua história:

"O acidente aconteceu em julho de 2014. Era o segundo jogo do Brasil, saí para a rua, fui a uma lan house e depois sentei na calçada com uns amigos.

Veio um carro, encostou, parou bem na nossa frente e alguns homens desceram atirando. Levei dois tiros, um amigo levou mais alguns e outro morreu.

Não sei ao certo o motivo, mas acredito que tenha sido queima de arquivo, e a pessoa que eles queriam atingir, morreu no local. Fiquei caído na rua e a população me socorreu. Acreditava que não ia sobreviver.

Fiquei 14 dias em coma, no total, foram 20 dias de hospitalização. Os tiros atingiram as vértebras T7 e T8 e sofri uma lesão medular. No dia em que acordei, não tinha me dado conta de quanto tempo permaneci lá.

Estava com muita dificuldade de respirar e automaticamente lembrei do que tinha acontecido. Os médicos me disseram que estava com uma lesão na perna, mas que estava incompleta, e que poderia voltar a andar ou não. Eles tinham receio de eu ficar tetraplégico, mas eu sentia as minhas pernas e fiquei paraplégico.

Me senti triste, mas não chorei, pois o fato de ter acordado foi uma sensação de vitória, mais do que não voltar a andar. No Hospital das Clínicas tive toda a assistência necessária e fui bem atendido por médicos e assistentes sociais.

Perda da autonomia

O psicólogo Paulo César, 34 - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Sempre trabalhei e fui independente. Fiquei muitos anos na área do varejo, mas antes do acidente trabalhava como freelancer em eventos.

Depois do acidente, tinha muita dificuldade em fazer as coisas sozinho, não conseguia sentar direito e só conseguia sair com um acompanhante. Também apresentava muita dificuldade para me mexer.

Em setembro do mesmo ano, comecei o processo de reabilitação na AACD (Associação de Assistência à Criança Deficiente), que envolvia fisioterapia, terapia ocupacional e outros. Comecei a aprender a sentar sozinho, me vestir e fui melhorando aos poucos.

Lembro que ficava bastante em casa, conversava muito com amigos, que diziam para eu seguir a carreira de psicologia, pois tinha muita paciência para falar com as pessoas, gostava de ouvir e resolvia o problema delas.

Realização profissional e pessoal

O psicólogo Paulo César, 34 - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Em 2015, resolvi entrar na faculdade e cursar psicologia: foi uma grande realização. Pensava em fazer alguma coisa, algo que pudesse me tirar daquela situação, pois era um tédio permanecer em casa.

Quando cheguei na AACD, fui atendido por uma psicóloga cadeirante e, de certa forma, vi uma representatividade ali. Isso me motivou.

Também teve o fato de não precisar fazer algo com o meu corpo, pois usaria mais a minha mente.

Ao longo do curso, seguia com a minha reabilitação e me apaixonava ainda mais pela área de pesquisa. Gostava muito de escrever, trabalhar em equipe e todas as atividades que o psicólogo desenvolvia lá.

Ganhei alta e terminei minha graduação no mesmo ano. Hoje, trabalho dentro da AACD e quero tentar fazer um mestrado. Estou muito feliz, e se continuar aqui, ficarei mais ainda.

Aprendi a ver a vida de outra forma. Todo dia aqui é uma história de vida nova e a gente vê a oportunidade de crescer. Aprendi a dar valor ao que tenho e não me lamentar muito pelo que perdi."

Como funciona o processo de reabilitação

O psicólogo Paulo César, 34 - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Após a alta hospitalar, a pessoa pode ser encaminhada ao serviço de reabilitação pelo convênio, UBS (Unidade Básica de Saúde) ou procurar centros especializados para iniciar o processo.

É necessária uma avaliação médica para verificar a estabilidade clínica, indicação para o tratamento e avaliação funcional, realizada por equipe multiprofissional, que envolve fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, psicóloga, fonoaudióloga e assistente social.

As lesões na coluna são categorizadas por meio da escala ASIA, onde A significa lesão completa e B, C, D e E são lesões parciais, incompletas. O nível da lesão está relacionado ao segmento da coluna onde houve o traumatismo, sendo a região cervical mais grave, acometendo mais grupos musculares.

Pacientes com lesão medular devem ser acompanhados clinicamente de forma contínua, pois esse tipo não impacta somente os músculos e funcionalidades, mas também órgãos como a bexiga.

Por causa da complexidade, variabilidade das lesões, impacto funcional e emocional de cada indivíduo, não é possível determinar o tempo mínimo para a reabilitação.

"Na instituição, trabalhamos considerando as demandas individuais, objetivos e prognóstico a médio prazo, pode levar em média 6 a 12 meses, a depender da resposta de cada indivíduo aos estímulos", diz Carolina Alonso, fisioterapeuta de adultos da AACD.

Para o indivíduo voltar a ter autonomia, leva-se em consideração contextos individuais como habilidades, interesses, aspecto socioeconômico e ambiental.

"No caso de pessoas com lesão medular, essas atividades são fragmentadas e passam por um processo de adaptação e treinamento, visando a maior autonomia possível. Podendo necessitar de órteses, equipamentos e adaptações instrumentais para que sejam viáveis e seguras em uma nova realidade", afirma a especialista.

Campanha "Sem Atendimento, Sem Oportunidade"

A AACD lançou em maio uma campanha chamada "Sem Atendimento, Sem oportunidade", que tem o objetivo de alertar a sociedade para impactos sociais causados às pessoas com deficiência que não possuem acesso a um processo de reabilitação completa.

Segundo a entidade, os efeitos negativos são inúmeros, e vão além da mobilidade, envolvendo baixa escolaridade, desemprego e isolamento social.