Topo

Saúde

Sintomas, prevenção e tratamentos para uma vida melhor


Como o preconceito prejudica atendimento de saúde de pessoas transexuais

Giulia Granchi e Luiza Vidal

Colaboração para VivaBem e de VivaBem, em São Paulo

15/07/2022 04h00

Para Roberto Bete e sua companheira Erika Fernandes, pessoas transexuais que deram à luz seu primeiro filho no dia 10 de maio, o acesso à saúde pública foi primordial. O acolhimento que esperavam aconteceu por meio do SUS (Sistema Único de Saúde), com especialistas de São Paulo, durante os nove meses em que esperaram o bebê.

A história do casal é tema do documentário Pai Grávido, produzido por MOV, a produtora de vídeos do UOL, VivaBem, a plataforma de saúde e bem-estar do UOL, e o Núcleo de Diversidade do UOL, que mostra a gestação de Roberto, o tratamento que Erika fez para conseguir produzir leite e a chegada do bebê. O vídeo está disponível acima e no YouTube.

Assim como para Beto e Erika, a constituição brasileira assegura que qualquer pessoa, independentemente do sexo, gênero, orientação sexual ou outra característica, tem direito ao acesso à saúde —o que inclui, claro, todo o acompanhamento gestacional para pessoas transexuais. Mas, na prática, o atendimento não é sempre igualitário.

"A grande limitação para isso é a transfobia institucional dentro do serviço. O preconceito muitas vezes não vem da instituição em si, mas, sim, dos profissionais de saúde que se negam a fazer atendimentos ou acham que não estão preparados para fazer atendimento de pessoas trans, supondo que essas pessoas precisem de cuidados muitos específicos que eles não teriam condições de oferecer, mas sabemos que na prática clínica os cuidados são os mesmos", diz a médica de família e comunidade Ana Amorim, professora da USP (Universidade de São Paulo) que trabalha com saúde da população LGBTQIA+ há 15 anos.

A percepção da médica é que, felizmente, esses estão em menor número —a maioria de seus colegas, especialmente seus alunos e médicos residentes, mais jovens e com "cabeça aberta", tem interesse e se dedica, mas ainda há uma parcela que fica com a sensação de insuficiência por não conhecer as especificidades sociais dessa população.

Roberto grávido nos primeiros meses ao lado de Erika - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Roberto nos primeiros meses da gestação ao lado de Erika
Imagem: Arquivo pessoal

Na avaliação da especialista, isso vem da formação. "As faculdades de graduação, escolas médicas, a princípio, até por definição de portarias do Ministério da Saúde, deveriam tratar sobre gênero, sexualidade, diversidade racial e ética durante os estudos, mas poucas o fazem. Por conta disso se vê uma formação aquém do esperado em relação à sexualidade de uma maneira geral."

Para a médica Sue Yazaki Sun, ginecologista e professora na EPM-Unifesp (Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo), a universidade é um lugar em que há o dever de se promover o atendimento de uma forma adequada e ser espaço de acolhimento.

"É necessário uma ambientação do local e preparo de todas as pessoas, não só dos profissionais de saúde, mas também do setor administrativo, quem vai abrir a ficha médica, conduzir o paciente, para que a pessoa se sinta acolhida. Certos ajustes devem ser feitos previamente para não haver constrangimento."

Hoje, embora estejam mais concentradas em grandes cidades, já é possível encontrar iniciativas de capacitação e sensibilização que visam melhorar o atendimento. "Em São Paulo, faço capacitação de profissionais de saúde para atendimento de pessoas transexuais, e há outros locais no Brasil com essa premissa de dar treinamento para aqueles que já estão atuando, para que não precisemos esperar que as faculdades mudem seus posicionamentos para formar novas mentes."

Mas mesmo em locais onde o atendimento de transexuais é constante, os pacientes ainda estão sujeitos ao desrespeito a suas identidades. É o que relata a médica Aleide Tavares, ginecologista do Espaço Trans do Hospital das Clínicas da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), da rede Ebserh.

"Somos um dos cinco hospitais do país credenciados para atender essa população, e ainda assim não conseguimos garantir que não sofram transfobia aqui dentro, por exemplo por parte de quem atende no estacionamento, levando macas, na enfermagem... E não respeitam o nome social escolhido pelo paciente", diz.

"É bem complicada a parte do acolhimento. Os estudos são, em maioria, estrangeiros, porque no Brasil nós falhamos nesse quesito. Nos EUA, pesquisas mostram que há um número maior de partos normais, pois os gestantes evitam a ida ao médico, acham constrangedor o pré-natal, então preferem ter o bebê em casa", comenta o médico Marcelo Praxedes, ginecologista e obstetra do ambulatório de cirurgia trans do Hospital das Clínicas de São Paulo.

Outra pesquisa, feita pelo NPR (National Public Radio) e pela Harvard Medical School, aponta que 22% dos transexuais americanos evitam ir ao médico por medo de sofrerem preconceito —uma tendência que os entrevistados por VivaBem acreditam que também acontece no Brasil.

Na opinião de Tavares, a "luz no fim do túnel" recai sobre as gerações mais jovens. "São mais abertos, aceitam mais as variações humanas e as diferentes identidades de gêneros. A tendência, na minha visão, é que ainda que isso caminhe a passos lentos, não teremos mais retrocesso —esse avanço já foi conquistado."

Pai grávido - Numeros -  -