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Família que trabalha junto: como evitar atritos e proteger relações?

Logan (Brian Cox) e Shiv Roy (Sarah Snook) em "Succession" - Graeme Hunter/HBO
Logan (Brian Cox) e Shiv Roy (Sarah Snook) em "Succession" Imagem: Graeme Hunter/HBO

Marcelo Testoni

Colaboração para o VivaBem

25/03/2022 04h00

Disputas por poder, incluindo vantagens, cargos, sucessões e dinheiro, geralmente são os principais dilemas enfrentados por empresas familiares. O problema é que, se não controladas a tempo, essas questões levam não somente a ressentimentos e rupturas afetivas entre os membros, como podem prejudicar a gestão e gerar falência.

As brigas familiares chegaram até a mídia, como o caso da família e grife italiana Gucci, cujo herdeiro e ex-diretor foi morto a mando de sua ex-esposa ou, mais recentemente, a série de ficção "Succession", da HBO, contou a história de uma família que fazia de tudo para tomar o lugar do pai no controle de um conglomerado de meios de comunicação.

Diferente de outros empreendimentos, os que são familiares empregam um ou mais parentes, estão sujeitos a ter dificuldades em resolver conflitos, a superproteger funcionários e a centralizar decisões, que tendem a se basear em emoções em vez da razão.

Há, ainda, situações nas quais pais querem —e impõem— que filhos trabalhem e assumam o negócio familiar, ou de jovens que não se sentem preparados, ou até se sentem, mas desistem da ideia de trabalhar com a família por não poderem inovar a empresa e sua administração. São muitas as questões, por isso VivaBem consultou especialistas para ajudar aqueles que se identificam com elas a encontrar soluções, ou, no mínimo, evitar atritos. Acompanhe a seguir.

Separe relações e ambientes

Um erro bastante comum de famílias que trabalham juntas é não separar os papéis pessoais (de pai, filha, sobrinho) dos profissionais (de presidente, gerente, secretário), e igualmente os assuntos. O que é relacionado à esfera privada não deve ser tratado em escritório e vice-versa, para que não haja diminuição de produtividade, desentendimentos, aumento dos níveis de estresse, isolamento e desconfortos em relação a fazer e receber tarefas, críticas e cobranças.

Para evitar tudo isso, muitas famílias definem antes, durante a formação da empresa, regras, código de ética, critérios para ingresso de membros, contrato. Constituem ainda um conselho com datas para encontros e avaliação do cumprimento de metas estabelecidas. "Um processo que vem sendo implementado nos negócios familiares é a gestão de desempenho, já muito utilizada nas multinacionais", aponta Carolina Mirabeli, psicóloga pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e consultora em recursos humanos, liderança e carreira.

A fim de que as coisas não se misturem, também devem ser esclarecidos detalhes sobre autonomia, utilização de recursos, funções, jornada, remuneração. Já divergências, crises e preparação de sucessores podem ser resolvidas com consultores. Profissionais independentes, eles auxiliam as partes a chegarem a um consenso e melhoram a comunicação entre gerações, colaboradores e subordinados com racionalidade, abertura e respeito a opiniões, sem preconceitos, especialmente para a empresa acompanhar transformações e se atualizar.

Para evitar desde já

Algumas coisas para se tomar cuidado em qualquer ambiente de trabalho, nas empresas familiares merecem ainda mais atenção. Na lista: fofocas, principalmente sobre intimidades; acobertar, omitir ou relevar algo de errado e sério que alguém tenha cometido; exagerar nas exigências e nos pedidos de favores; desrespeitar horários; promover parentes e aumentar salários de forma relâmpago —o que desestimula qualquer pessoa a querer seguir carreira ali.

Também converter a companhia, ainda mais após consolidada e sendo "híbrida", ou seja, ocupada também por pessoas que não fazem parte da família, num "cabide de empregos" para quem vem de fora, mas é do sangue, informa Henrique Bottura, psiquiatra e diretor clínico do Instituto de Psiquiatria Paulista. "É muito diferente contratar um funcionário de trazer um familiar para dentro de um negócio que já existe, a mensagem pode ser ruim".

O médico continua que privilegiar alguém em detrimento de outro pode gerar um mal-estar corporativo, questionamentos sobre a aplicação e confiabilidade de processos seletivos e até insegurança nos demais funcionários, que podem rivalizar com o novo contratado. Para evitar comentários e demonstrar que experiência e talento estão acima de se ter proximidade com o patrão, seria interessante que o candidato participasse das etapas normais de recrutamento.

Como extrair benefícios

Família que trabalha unida enfrenta muitos desafios, mas também conta com muitas vantagens. Essa estrutura de negócio, se seguido tudo o que já foi apontado, propicia um ambiente seguro, de maiores confiança, lealdade, harmonia e transparência entre os membros, que compartilham de uma mesma cultura e podem se empenhar e se ajudar mutuamente para contornar problemas e fazer a empresa ganhar mais dinheiro e expandir.

Para despertar o interesse dos jovens pelo "legado" estabelecido por seus ancestrais, Joeuder Lima, doutorando em psicologia pelo IESLA (Instituto de Educação Superior Latino-Americano) e psicólogo da Clínica Saúde Vida Plena, em Palmas (TO), explica que é preciso orientação, mas jamais imposição. "Como pais, podemos influenciar positivamente, mas com o cuidado de respeitar a decisão do filho sobre qual profissão ele quer seguir, isso promove saúde mental".

Os jovens também podem querer antes vivenciar experiências em outros locais, o que somado à formação e capacitação adequada contam a favor, caso depois aceitem assumir o comando da empresa familiar. Os mais velhos, mesmo que não se aposentem, devem ceder o bastão e podem atuar como conselheiros, mas sem agir diretamente. Vale ainda que todos façam terapia, para trabalhar maturidade, controlar emoções e alcançar inteligência emocional.