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Anemia falciforme: Liz receberá medula da irmã para se curar da doença

Liz, que sofre de anemia falciforme, ao lado de sua irmã, Isa - Arquivo pessoal
Liz, que sofre de anemia falciforme, ao lado de sua irmã, Isa Imagem: Arquivo pessoal

Giulia Granchi

Do VivaBem, em São Paulo

19/12/2021 04h00

Cerca de 15 dias após o nascimento de Liz, hoje com 5 anos, a primeira filha do casal Samara Oliveira e David Silva, o teste do pezinho, oferecido pelo SUS (Sistema Único de Saúde), e, no caso de Liz, realizado pela Apae (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais), identificou que a pequena sofria de anemia falciforme.

Para os pais, que já haviam enfrentado uma gravidez complicada por Samara ter sido infectada com o zika vírus, a notícia foi um baque. Segundo estimativas da OMS (Organização Mundial de Saúde), a cada ano nascem cerca de 2.500 crianças com a doença no país.

Liz, personagem com anemia falciforme - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Dessas, aproximadamente 20% não chegarão 5 anos de idade, por complicações diretamente relacionadas à anemia falciforme —e Samara e David logo se informaram sobre essa realidade.

A doença é hereditária e caracterizada pela alteração dos glóbulos vermelhos do sangue, tornando-os parecidos com uma foice, por isso o nome.

A primeira crise da bebê, com um quadro chamado "sequestro esplênico", aconteceu aos quatro meses, devido a um defeito no baço, que tem como função filtrar o sangue e remover os glóbulos vermelhos lesionados, além de armazenar e produzir células brancas que fazem parte do sistema imune.

Em crianças com anemia falciforme, o órgão pode aumentar rapidamente por sequestrar todo o sangue. Isso pode levar rapidamente à morte por falta de sangue para os outros órgãos, como o cérebro e o coração.

Certo dia, a mãe, Liz, notou que a pequena estava ficando ofegante para levantar os braços. "Essa atenção que a Samara teve salvou a vida da nossa filha. A médica já tinha orientado para ficarmos de olho no baço, um órgão pequeno que fica abaixo da costela. Se nós conseguíssemos sentir na pele dela, era para levá-la até a emergência. Depois que a mãe percebeu a falta de força, chequei e pude sentir o órgão. Procuramos ajuda", lembra David, pai de Liz.

Família da Liz, personagem com anemia falciforme - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Doença provoca dores intensas e requer transfusões de sangue

A doença é genética e hereditária —a criança nasce com o quadro se ambos os pais têm a alteração no DNA. "Para pais que recebem o diagnóstico, o aconselhamento é de extrema importância, para tirar dúvidas e explicar detalhes. Após um teste genético, não é correto deixá-los com com 'a bomba na mão' e só recomendar que procurem um médico", analisa Márcia Riboldi, geneticista, CEO da Igenomix Brasil e doutora em ginecologia e obstetrícia pela Universidade de Valência, na Espanha.

Em indivíduos com anemia falciforme, as hemácias falciformes são mais rígidas e pegajosas e, por isso, têm maior dificuldade para passar pelos vasos sanguíneos mais finos, causando uma obstrução do fluxo do sangue.

"Apesar de a doença chamar-se 'anemia', este não é o que dá maior gravidade aos pacientes. Com a obstrução dos vasos, há maior risco de AVC, trombose, disfunções hepáticas, renais, e pulmonares. Cada paciente pode apresentar sintomas em intensidades diferentes, e muitos deles sofrem com dores ósseas intensas", explica o hematologista Marco Aurelio Salvino, coordenador do Programa de Transplante de Medula Óssea no Hupes (Hospital Universitário Professor Edgard Santos), em Salvador.

Além disso, como as hemácias falciformes morrem mais cedo [elas se renovam no nosso corpo, em média, a cada 120 dias), isso provoca uma escassez de hemoglobina, o que leva à anemia.

Em busca da cura

Atualmente, a única maneira de curar a anemia falciforme é por meio de um transplante de medula, informação que na opinião de famílias e especialistas médicos, não é tão divulgada quanto deveria ser.

"A opção de cura ainda é pouco disseminada e carecemos de muitos leitos no Brasil para essa terapia, apesar de ser aprovada pelo SUS e coberta por alguns planos de saúde. Há milhares de pacientes com indicação de transplante, mas não temos os leitos necessários para dar a assistência. Doenças com quadros agudos acabam 'roubando' o leito por serem consideradas mais urgentes", aponta o hematologista.

Em abril de 2017, o casal viu uma reportagem sobre a doença e descobriu que a seleção embrionária seria uma opção. Depois de sofrer um aborto em uma das tentativas de fertilização in vitro, terapia que o casal custeou com muito esforço, Samara engravidou com um embrião 100% compatível.

Foi assim que Isa nasceu para salvar a vida de Liz e aumentar a família. Atualmente, a filha mais nova está em processo de ganho de peso para que o transplante da medula possa acontecer no começo de 2022.

"É uma internação longa, na qual usamos um protocolo de [remédio] quimioterápico que destrói a medula doente e, na sequência, infunde células troncos do doador no sangue. Essas células, que 'sabem onde fica sua casa', vão direto para a medula óssea, e começam a proliferar e criar uma nova medula sem o defeito genético, que se forma em cerca de 15 dias", explica Salvino.

FAMÍLIA da Liz, personagem com anemia falciforme - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Na Bahia, doença não é tão rara

A Bahia, onde a família nasceu e vive, é o estado com maior prevalência do país de anemia falciforme. Apesar disso, o casal observa que é grande a desinformação, inclusive entre médicos e profissionais de saúde locais.

"A doença é mais prevalente em afrodescendentes e na Bahia, há um número maior em relação a outros estados. Em Salvador, por exemplo, não é considerado uma doença rara", diz Têmis Maria Felix, presidente da SBGM (Sociedade Brasileira de Genética Médica e Genômica).

Considera-se doença rara, de acordo com o Ministério da Saúde, aquela que afeta até 65 pessoas em cada 100 mil indivíduos, ou seja, 1,3 pessoas para cada 2.000 indivíduos. No Brasil, cerca de 3.500 crianças nascem por ano com a doença, sendo 1 bebê a cada 1.000 nascimentos. Salvador concentra o maior número de pessoas com a doença: a cada grupo de 650 bebês nascidos vivos, 1 tem a patologia, o que representa em média 65 crianças por ano.

De acordo com o hematologista Salvino, a pesquisa científica sobre essa doença tem evoluído muito. "Há novas drogas e terapias avançando para evitar a necessidade de transplantes no futuro, como a terapia gênica, que faria uma correção no DNA, opção menos agressiva do que o transplante. Mas acredito que cairemos no mesmo problema do difícil acesso no país."

Avanço no teste do pezinho

Em maio de 2021, foi sancionada a Lei nº 14.154, que amplia para 50 o número de doenças rastreadas pelo teste do pezinho, que confirmou a anemia falciforme em Liz. O exame, feito por meio da coleta de gotas de sangue dos pés de recém-nascidos, atualmente engloba seis grupos de doenças: enilcetonúria, hipotireoidismo congênito, síndromes falciformes, fibrose cística, hiperplasia adrenal congênita e deficiência de biotinidase.

Com a nova lei, o exame passará a abranger 14 grupos de doenças e seu principal objetivo segue sendo o de diagnosticar quadros antes que eles se manifestem. Essa ampliação ocorrerá de forma escalonada e caberá ao Ministério da Saúde estabelecer os prazos para implementação de cada etapa do processo.

De acordo com Felix, as doenças, para que pudessem ser incluídas nessa nova versão do teste do pezinho, precisaram seguir critérios: "Ser um quadro relativamente frequente, de diagnóstico simples e ter tratamento precoce."