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Saúde

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Choro, luto e luta: o relato de uma mãe ao descobrir que filho tem AME

Sarah Alves

Colaboração para VivaBem

05/12/2021 04h00

O pequeno Theo Castro, de 1 ano e 5 meses, foi diagnosticado em agosto deste ano com AME (Atrofia Muscular Espinhal), doença rara que causa fraqueza muscular progressiva. Sua mãe, Jaqueline Siqueira, 37, relatou a VivaBem o diagnóstico e a luta contra o tempo para custear o zolgensma —remédio mais caro do mundo, com valor estimado de R$ 9 milhões, e que tem recomendação de ser administrado até os 2 anos de idade.

"Eu e meu marido, o Alessandro, sempre falávamos que ter filho era complicado, mas, de repente, conversamos e deixamos a vida acontecer. E aconteceu. Vinte dias depois, engravidei. O Theo foi muito desejado e tive uma gestação tranquila, sempre atenta a ultrassons e consultas para ficar sossegada.

Ele nasceu de parto natural, na data prevista, deu tudo certo. O Theo atingiu todos os marcos de desenvolvimento, mas demorou para sentar. Com 6 meses, ele caía totalmente para os lados, mas o pediatra falou que tudo bem esperar, porque muitos bebês podem variar. Isso já era um sinal da AME, mas não para nós. E nem para os médicos.

Nos próximos meses, tivemos novas consultas e ele ainda não sentava sem apoio, mas estava melhorando. Ele sentou com quase 9 meses, mas sempre curvadinho.

Fomos ao osteopata e alguns bebês são mais hipotônicos [quando têm dificuldades para engatinhar, sentar ou andar]. Isso não gerou nenhum alerta de condições mais graves, porque ele teve desenvolvimentos bons em outros sentidos. Com 7 meses, por exemplo, ele engatinhou e na consulta com pediatra levantava os braços etc.

O alerta

Jaqueline Siqueira conta como foi receber diagnóstico de AME do filho Theo Castro - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

O que acendeu todos os alertas foi levantar e andar, marco que nunca atingiu. Ele foi à neuropediatra com 11 meses em uma consulta muito atribulada. Quando você vai ao médico preocupada com o seu filho, você espera um acolhimento e não senti isso.

Foi traumático, o Theo chorou a consulta inteira, ela fazia perguntas e eu não entendia. A médica não disse que suspeitava de AME, lembro dela falar algo sobre a doença, mas sem ser incisiva.

Ela colheu uma amostra do exame da bochechinha, que iria para o laboratório. Quando o Theo nasceu, fizemos o teste do pezinho ampliado, mas descobri só depois de tudo isso que ele não indica algumas patologias.

Assinei o exame [para a AME], nem li. Fiz. Até penso que às vezes foi bom porque são 45 dias para esperar o resultado, então teria ficado com isso na cabeça.

Diagnóstico

Como a consulta foi um desastre, fomos a outro neuropediatra. A suspeita continuou sendo hipotonia e ele foi encaminhado para a fisioterapia. Se a gente não tivesse colhido esse exame, teríamos perdido mais quantos meses? Esse médico pediu para retornarmos só em dezembro. Como pais, levando nosso filho em um especialista que teoricamente sabe o que está fazendo, ficamos mais tranquilos.

Quando a secretária da primeira neuro nos ligou, disse que gostaria de retirar o exame e levar a outro profissional. Ela insistiu em passarmos na consulta e eu cedi, porque, segundo ela, era obrigatório retirar com a médica. Marquei um horário, mas quando cheguei lá, foi apenas a retirada. 'Tá aqui o exame', foi isso.

Quase chegando ao elevador, abri. Olhei o diagnóstico e vi que era AME. Já conhecia a doença por outros casos, só que não li a fundo, porque você não espera que vá acontecer com você. O que eu sabia mesmo é que o remédio para a doença é o mais caro do mundo, então quando vi aquilo não acreditei que meu filho ia precisar lutar por ele.

Estava sozinha e desabei, de chorar e tremer, voltei ao consultório para falar com a médica. No sentido profissional, ela fez o certo, conversou com uma colega que era especialista e avisou que agendaria uma consulta o quanto antes. Ainda perguntei se era o remédio mais caro do mundo e ela falou que sim. Na mesma hora fiz o agendamento.

Eu saí transtornada, com um negócio desses nas mãos. Entrei em um modo automático para dirigir. Meu marido me ligou porque estava demorando e eu não sabia se contava por telefone, mas disse que precisávamos conversar em casa. Quando cheguei, ele já estava desesperado, chorando e só de ver a minha cara sabia que algo tinha acontecido.

Luto e, depois, ação

Jaqueline Siqueira conta como foi receber diagnóstico de AME do filho Theo Castro - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Nós tivemos uma semana de luto, não conseguimos reagir, falar com ninguém. Você não aceita e não entende. O meu bebezinho perfeito, ele é lindo.

De repente, descobri que meu filho tem uma doença avançando e que vai debilitá-lo a cada dia. É inacreditável. Um bebê saudável, nunca pegou uma gripe. Até por ele ter nascido durante a pandemia, sempre ficamos muito em casa, nem visitas recebemos.

A especialista fez o exame clínico e o Theo foi classificado na AME tipo 2. Um bebê que atinge certos marcos motores, mas não caminha. Ela saiu de férias na semana seguinte, então buscamos indicação com famílias que também têm crianças com a doença.

Uma nova médica identificou tremores nas mãos e na língua, característicos da doença, fraqueza nas pernas, ele também engatinha menos e pede muito colo, as costas estão mais curvadinhas e as pernas retraídas. São sinais de que não podemos esperar.

O lema de toda criança com AME é: 'Quem tem AME, tem pressa'. Todos os dias os neurônios estão morrendo. Isso não devia acontecer com nenhuma criança, porque você vê a Justiça negando medicamentos. Meu filho está perdendo habilidades que não precisava perder.

Cure o Theo

A única forma de arrecadar o valor que precisamos para comprar o zolgensma é com alcance. Precisamos de muita gente ajudando. Estamos com um Instagram (@cureotheo), mas também falando com todo mundo que conhecemos para que falem com todo mundo que conhecem.

O Theo é a nossa prioridade, óbvio. Só que eu e meu marido queremos ser uma voz nessa luta. Nós trabalhamos, temos condições de dar assistência ao nosso filho, mas muitas famílias não têm condição de fazer fisioterapias ou estão em regiões com pouca estrutura. Todo pai e mãe sofre, não tem como comparar. Queríamos ter o dinheiro na conta para comprar o remédio e pronto. Não podemos prover tudo, mas pelo menos o básico sim.

Temos que ficar em pé, porque não é fácil. Você olha para o seu filho e sabe que ele devia estar subindo nas coisas, correndo, derrubando a casa. Ele não está como deveria e é difícil você não se frustrar, mas não vamos deixar de ser fortes."

Saiba mais sobre a AME

Jaqueline Siqueira conta como foi receber diagnóstico de AME do filho Theo Castro - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

A AME é causada por uma mutação no gene SMN1, responsável pela sobrevivência do neurônio motor, e é categorizada em cinco estágios —de 0 a 4, sendo o primeiro o mais agressivo, com redução gradativa para os demais quadros.

Na AME tipo 2, caso de Theo, os sinais começam antes de 1 ano e meio de vida, explica a neuropediatra Juliana Magalhães. "Os pacientes chegam a sentar, mas não adquirem marcha", diz a médica do Hospital Martagão Gesteira (BA).

Segundo a especialista, que acompanha 10 crianças com a doença, o diagnóstico precoce é essencial para o tratamento. Por isso há também a recomendação de usar o remédio até os 2 anos, pois à medida que os neurônios são perdidos eles não se recuperam mais.

"Se uma criança apresentar um atraso em qualquer marco, isso já deve chamar atenção para investigar algum problema neurológico, e a AME está dentro dessas possibilidades", comenta a profissional.

Rede de apoio exige cautela

É papel dos médicos criar um espaço de acolhimento ao informar qualquer diagnóstico, estando abertos para mitigar dúvidas. Em condições difíceis ou raras, é encorajado buscar uma segunda opinião se isso trouxer conforto para a família e, se for possível e do interesse, procurar acompanhamento psicológico.

Contatar grupos de pessoas que tenham familiares com a mesma doença ajuda a assimilar o novo contexto. No entanto, é preciso cautela. "Às vezes, a pessoa recebe ali notícias muito duras. Essa participação também depende de um bom senso crítico, um filtro pessoal, para que se consiga conviver com as informações", orienta Angelita Wisnieski, psicóloga do Hospital Pequeno Príncipe (PR).

O período de luto, descrito por Jaqueline, também é natural. Nesta fase, é importante acolher e sentir as vulnerabilidades —sejam angústia, revolta ou medo.

"É necessário que as famílias se permitam chorar, expressar tristeza, reconhecer que é lamentável que isso esteja ocorrendo, porque é a partir dessa vivência que, em geral, elas se organizam para enfrentar o que vem pela frente", afirma Wisnieski. Caso isso não ocorra, ela atenta para a possibilidade de se desenvolver processos patológicos de negação.