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Solo da Antártida contém potenciais aliados no combate ao câncer

Karin de Mamiel/IStock
Imagem: Karin de Mamiel/IStock

Júlio Bernardes

Do Jornal da USP

15/09/2020 11h32

Uma nova forma de tratar tumores cancerígenos pode estar presente em bactérias encontradas junto às raízes de uma planta muito comum na Antártida.

A descoberta vem de uma pesquisa realizada pela Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz) da USP, em Piracicaba. Além de identificarem uma nova espécie de bactéria com grande potencial para atuar na recuperação de ambientes contaminados, os pesquisadores isolaram dois compostos produzidos pelas bactérias que inibiram o desenvolvimento de tumores de mama, pulmão, rim e glioblastoma em testes de laboratório.

Os resultados do trabalho são descritos em artigo publicado na Nature Scientific Reports. "O objetivo da pesquisa foi estudar a comunidade bacteriana associada a uma espécie de gramínea endêmica ao continente antártico e prospectar linhagens com potencial para inibir o crescimento de tumores humanos", conta ao Jornal da USP o pesquisador Leonardo José da Silva, da Esalq, que realizou a pesquisa durante a elaboração de sua tese de doutorado.

"As bactérias foram coletadas na Ilha Rei George, localizada na Península Antártica, e isoladas no Laboratório de Genômica da Embrapa Meio Ambiente em Jaguariúna, no interior de São Paulo." A coleta foi realizada pelo pesquisador em 2014, durante uma expedição realizada com auxílio do PROANTAR (Programa Antártico Brasileiro), órgão da CIRM (Comissão Interministerial para os Recursos do Mar) da Marinha do Brasil.

"As bactérias foram coletadas da rizosfera, que é a fração do solo que sofre influência de exsudados radiculares, que são compostos orgânicos liberados pelas raízes das plantas e servem de alimento para micro-organismos. No estudo, os compostos têm origem na gramínea Deschampsia antarctica", relata Leonardo.

"A avaliação de atividade antitumoral foi realizada em parceria com o Departamento de Farmácia da Unicamp (Universidade de Campinas), por meio da plataforma para triagem de compostos antitumorais."

Nova bactéria

A pesquisa identificou diversas linhagens de bactérias com baixa similaridade em relação a espécies já conhecidas e realizou a descrição de uma nova espécie, que recebeu o nome de Rhodococcus psychrotolerans.

"A nova espécie pertence ao gênero Rhodococcus, grupo que possui potencial para aplicação em processos de biorremediação, que é o processo utilizado para recuperar um ambiente contaminado, desde que se utilize um ser vivo como agente ativo", destaca o pesquisador.

"Bactérias do gênero Rhodococcus são conhecidas por habitarem ambientes com elevados índices de contaminantes, além de apresentarem metabolismo altamente versátil à degradação de compostos químicos", conta ao Jornal da USP.

Ao todo 11 gêneros de bactérias foram recuperados em laboratório em culturas puras. Os pesquisadores também caracterizaram os compostos actinomicina V e cinerubina B, produzidos pelas bactérias, como agentes responsáveis por inibir o desenvolvimento de tumores de mama, pulmão, rim e glioblastoma.

"Das 17 linhagens bacterianas capazes de produzir compostos eficientes à inibição do crescimento de tumores humanos identificadas no estudo, apenas duas foram analisadas em profundidade", descreve Silva. "Portanto, ainda há muito o que pesquisar e descobrir, podendo haver substâncias inéditas, bem como novos mecanismos de ação."

O estudo é descrito no artigo "Actinobacteria from Antarctica as a source for anticancer Discovery", publicado em 17 de agosto no site da revista científica Nature Scientific Reports. Além da Esalq, onde o pesquisador realizou o doutorado, o estudo teve a colaboração do Laboratório de Genômica da Embrapa Meio Ambiente, dos departamentos de Farmácia e de Recursos Microbianos (CPQBA) da Unicamp, do Departamento de Microbiologia da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e do FFCLRP (Laboratório de Espectrometria de Massas da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto) da USP.

O estudo também teve o apoio do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e do PROANTAR. Criado em 1982 pelo governo federal, o PROANTAR tem presença no continente antártico, realizando pesquisas em colaboração com diversas instituições sobre os fenômenos que ocorrem na região e repercutem no restante do mundo, especialmente no Brasil.