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Sintomas, prevenção e tratamentos para uma vida melhor


Seis meses depois, vítimas da cerveja Backer estão longe de vida normal

José Osvaldo de Faria continua internado após tomar cerveja da Backer em dezembro - Arquivo pessoal
José Osvaldo de Faria continua internado após tomar cerveja da Backer em dezembro Imagem: Arquivo pessoal

Daniel Leite

Colaboração para VivaBem, em Juiz de Fora (MG)

15/06/2020 04h00

A investigação da polícia mineira sobre o caso das contaminações causadas pela cerveja Backer terminou bem antes da recuperação física e psicológica dos que tiveram a saúde prejudicada pela bebida. Mais de seis meses após os primeiros casos, 11 pessoas foram indiciadas por homicídio culposo, lesão corporal e intoxicação de produto alimentício. Já quem ingeriu a cerveja e quase morreu ainda não sabe quando a rotina voltará ao normal, se voltar.

A família do empresário José Osvaldo de Faria é uma das que continua com essa dúvida. Em fevereiro de 2019, em um sítio da família em Itaúna (MG), ele tomou cervejas da marca mineira. No final da tarde, teve diarreia e não conseguia urinar. Durante a noite, vômito e pela manhã, fortes dores abdominais.

Internado três dias depois, logo foi entubado e passou a fazer diálise, já com quadro de gastroenterite. Faria foi diagnosticado com síndrome nefroneural, que causa, em diferentes momentos, problemas gastrointestinais, pressão arterial baixa, insuficiência renal aguda, inchaço, dificuldade de urinar, fadiga e, por último, perda visual, paralisia facial e atrofia das fibras musculares do rosto, com prejuízo às funções motoras.

O empresário continua no hospital e quem conversou com VivaBem foi a mulher dele. "Tudo o que ele fazia, ele não faz hoje. Não consegue nem coçar a cabeça", diz Eliana Reis, empresária, decoradora e designer de interiores.

Com a perda dos rins, paralisia facial, sem movimento nas pernas e praticamente sem conseguir falar, o marido vive numa espécie de montanha-russa em seu quadro clínico, com altos e baixos. "Ele teve evoluções no quadro, mas são lentas porque, a cada nova infecção na UTI, ele regride os avanços", lembra Eliana.

O tratamento hoje é intenso. Além da diálise diária, é necessário ter cuidados com a pressão, fazer uso de hormônios e neurotransmissores e vigiar até as condições da pele. "Cuidados extremos com a pele, (uso de) corticoides, noradrenalina quando a pressão baixa, aspiração em várias horas do dia para retirada de secreções, ginástica e massagem diariamente".

Ela já sabe que quando sair do hospital, a vida do marido vai mudar radicalmente. "Mudança total e cuidados profissionais 24 horas".

Acompanhamento de vários especialistas por longo período

Augusto Vilela, cardiologista, admite que ele e a equipe chegaram a pensar que Luciano Barros, outra vítima, não sobreviveria. O bancário deixou o hospital há duas semanas, após mais de seis meses internado.

"Luciano nasceu de novo. Ele chegou no hospital em um contexto de falta de ar, sem urinar havia 24 horas e rapidamente teve problemas neurológicos. Foi intubado, teve insuficiência respiratória, paralisia do intestino e precisou fazer cirurgia. Um paciente bem sofrido".

Luciano Barros - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Luciano Barros (centro) saiu do hospital há cerca de 2 semanas após mais de 6 meses internado
Imagem: Arquivo pessoal

De tão grave que era o quadro, foi necessária uma equipe multidisciplinar, hemodiálise e ventilador mecânico na internação.

O médico ressalta que o acompanhamento de vários especialistas por um longo período será inevitável. "Ele ainda vai precisar de fisioterapia, fonoaudiologia, neurologista, nefrologia, oftalmo por um longo período, por um tempo indeterminado, para uma avaliação multidisciplinar".

O paciente do cardiologista decidiu aproveitar uma promoção de cervejas Backer em um mercado perto de casa, no final de novembro de 2019. Comprou 20 garrafas e tomou algumas.

No dia 4 de dezembro, foi a um jogo do Atlético Mineiro no Mineirão e já não se sentia bem, com dificuldades para urinar. Na segunda-feira, passou mal no trabalho, a pressão estava em 22 por 6 e as dores no abdome só aumentavam. No hospital, foi internado, tendo ficado 65 dias no CTI.

A audição já não era a mesma e os nervos da face sofreram paralisia, o que prejudicou as córneas durante a internação, já que não conseguia fechar os olhos durante a noite. "Conseguia descansar porque estava a maior parte do tempo sedado". A visão ainda está embaçada e houve perda de 70% da capacidade dos rins.

Pandemia piorou a situação

Os últimos dias internados foram mais tensos ainda por causa da pandemia da covid-19. "O hospital tomou todos os cuidados com a covid, mas a gente fica sempre com o pé atrás". Agora, o bancário faz parte do grupo de risco do novo coronavírus por causa da função renal comprometida.

Em casa desde o último dia 3, tem de tomar quatro medicamentos. Chegou a utilizar nove no hospital. Mas o número que mais chama a atenção é o de injeções. Luciano calcula ter tomado cerca de 1.500 picadas porque a média diária ficava entre quatro e seis aplicações.

O corpo ainda sente fraqueza para as tarefas mais simples. "Não tenho força na mão, mas consigo mexer. Para andar, ando capenga ainda. Para subir escadas, como moro no quarto andar, subo um lance, sento e descanso um pouco".

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"Meu primeiro ano da minha segunda vida"

Luciano diz que o sofrimento mostrou algumas novidades para ele. Uma delas é a importância de valorizar especialidades como fonoaudiologia e fisioterapia. "Não imaginava que fisioterapia e fonoaudiologia fossem tão importantes como outras especialidades, como a cardiologia, por exemplo. Não voltaria para casa sem a ajuda das fonoaudiólogas e fisioterapeutas".

A outra demonstração que teve é de ser possível "nascer de novo", segundo ele, aos 57 anos, comemorados no último dia 28. "Agora é meu primeiro ano da minha segunda vida". A volta ao trabalho, porém, ainda não tem uma data, mas acredita que isso possa acontecer em dois meses.

A mulher dele sabe que não pode sair de perto. "Ainda está um pouco difícil, ainda anda com dificuldade, também na mastigação. Acho que ainda vai demorar um pouquinho (para se recuperar)".

Auxiliar odontológica há 27 anos, Emilia Isabel de Araújo Barros precisou pedir demissão do emprego para se dedicar ao marido que, enquanto estava no hospital, possibilitava a ela trabalhar e voltar no final da tarde para passar a noite. "Agora é a hora de cuidar da minha família".

No dia da entrevista, ela havia levado Luciano para fazer exames às 7h30 e teria uma nova bateria no dia seguinte. Os hábitos mudaram, mas, ao menos, estar em casa ajuda na tentativa de retomar a rotina. "Durmo muito mais tranquila sabendo que ele está aqui em casa, do lado".

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Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do que dizia o texto, José Osvaldo de Faria tomou a cerveja em fevereiro de 2019, não em dezembro, e o sítio da família fica em Itaúna, não Itabuna. As informações foram corrigidas.