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Pão de fermentação natural não tem menos calorias, mas é mais saudável

Instagram @paonapanela
Imagem: Instagram @paonapanela

Chloé Pinheiro

Colaboração para o VivaBem

15/02/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Em alta, os pães feitos com fermento natural podem trazer benefícios para a saúde, como melhor digestão e aproveitamento de nutrientes
  • Este tipo de fermento, conhecido como levain, é feito a partir de uma mistura de água e farinha, e deve ser ?alimentado? constantemente
  • Outra vantagem é o menor índice glicêmico e a criação de amido resistente na massa
  • A indústria lançou recentemente opções de pães de forma com fermentação natural, mas os feitos em padaria e produtores artesanais ainda leva vantagem

De uns anos para cá, os pães feitos com fermento natural —conhecido como levain, sourdough ou massa madre — se tornaram queridinhos de quem busca uma alimentação mais saudável. E o "resgate" desse produto, que no passado era mais comum em nossas mesas, pode ser benéfico, pois ele de fato leva vantagem em relação ao pãozinho da padaria ou do supermercado.

Os pães convencionais utilizam fermento biológico industrializado, com um tipo específico de fungo, a levedura Saccharomyces cerevisiae. Já o levain é fruto de um processo artesanal, a partir dos micro-organismos presentes no ambiente onde ele é feito e conservado.

Em contato com uma mistura de farinha e água, de preferência com uma fonte de açúcar, esses micróbios se reproduzem e criam uma colônia única —nenhum levain é igual a outro - que pode ser mantida viva por décadas e décadas, desde que alimentada constantemente.

"Alguns estudos mostram mais de 50 tipos de micro-organismos no fermento natural", aponta Clarissa Hiwatashi Fujiwara, nutricionista do Departamento de Nutrição da Abeso (Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica).
O longo processo de fermentação da massa (que pode chegar a 24h em algumas receitas) com esse fermento tem como resultado o ácido láctico e o ácido acético, que dá o sabor azedinho característico do pão, conhecido além disso pela casca bem crocante.

Digestão melhor

Algumas pessoas, como os portadores de doenças inflamatórias intestinais são mais sensíveis aos carboidratos FODMAP, um grupo grande de carboidratos que são fermentados pelas bactérias no intestino, e sentem desconforto quando comem algo à base de trigo.
Para eles, a longa fermentação pode ser interessante pois produz enzimas que fazem uma espécie de pré-digestão nos sacarídeos (tipo de carboidrato FODMAP) do pão.

O processo transforma ainda parte dos carboidratos em amido resistente, o que reduz o índice glicêmico do pão, isto é, a velocidade com a qual a glicose é liberada na circulação depois de digerida. Uma liberação mais contida prolonga a sensação de saciedade e evita picos de glicemia.

Vale só destacar que a redução do índice glicêmico não é uma carta branca para comer quantos pães desejar —afinal de contas, o teor calórico é o mesmo. Por último, aventa-se ainda a possibilidade de que a ação das bactérias reduza o teor de glúten do pão, mas ainda não dá para dizer que o consumo é seguro para os celíacos.

Saúde para o corpo todo

Pães integrais e outros cereais são fontes de vitaminas do complexo B e minerais como cálcio, potássio, magnésio e zinco. Só que estes alimentos possuem ácido fítico, também conhecido como fitato, substância que prejudica a absorção dos micronutrientes no intestino.
A acidificação que ocorre durante a fermentação natural, por sua vez, estimula a atividade da fitase, enzima que degrada o fitato. Trocando em míudos, o aproveitamento (ou a biodisponibilidade) das vitaminas e minerais melhora.

E o industrializado?

Algumas marcas já começam a vender nos supermercados pães semelhantes aos de forma, com fermentação natural. A iniciativa é válida, mas ele é feito com diversos aditivos químicos, justamente o contrário do que pregam os adeptos do levain, que é comer o pão o mais natural possível, como faziam nossos antepassados.

Existem versões do fermento natural utilizadas na indústria que não produzem tamanhas transformações na estrutura do pão, fora que não dá para saber se o tempo de a fermentação foi mesmo longo, o que é fundamental para obter essas vantagens todas.
Ou seja, no fim das contas, a diferença neste caso acaba sendo mais no sabor mesmo e na durabilidade --o fermento natural expande a vida do pão.

Como fazer em casa

Ter seu próprio levain exige certa dedicação, pois são diversos passos até que a massa madre atinja sua fase adulta. Mesmo depois disso, trata-se de um ser vivo, que exigirá manutenção constante. Basicamente, tudo começa com uma proporção igual de farinha e um líquido com nutrientes —geralmente, suco de abacaxi ou caldo de cana.

Depois das primeiras 24 horas, bolhas devem surgir, sinal de que a fermentação ocorreu. Parte da mistura é então descartada e ela é reforçada com mais água e farinha diariamente, por mais sete dias. Ela atinge a "maturidade" por volta do 30º dia. A partir daí poderá passar até 10 dias sem ser alimentada e ser reativada antes de usar em uma nova receita.

Hoje existem cursos e escolas especialistas em fermentação natural, além de conteúdos online e fóruns sobre o assunto. Na hora de fazer o pão, o processo é igual ao da versão convencional, com a única diferença de que a massa precisará ficar descansando mais tempo com o fermento.

Para os iniciantes, é mais fácil manter um levain adulto do que começar um novo. Você pode pegar uma bolinha de alguém e passar a alimentá-la em casa.

Fontes: Clarissa Fujiwara, nutricionista e mestre em ciências pela USP (Universidade de São Paulo) e membro do Departamento de Nutrição da Abeso (Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica); Leonardo Andrade, sócio fundador da Companhia dos Fermentados; Maria Célia Correia de Oliveira Costa, nutricionista pós-graduada em Nutrição Funcional pela Universidade Cruzeiro do Sul, com quase 20 anos de experiência na indústria panificadora; Rogério Shimura, chef e idealizador da Levain Escola de Panificação; Sauro Scarabotta, chef do Restaurante Friccó, especialista em panificação e charcutaria.