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É verdade que usamos apenas 10% do nosso cérebro?

Sibele Oliveira

Colaboração para o VivaBem

15/01/2020 04h00

Imagine que você utiliza somente 10% do seu cérebro. De repente, descobre um jeito de usá-lo inteiro. O que seria capaz de fazer? Teria inteligência e criatividade para resolver todos os seus problemas? Conquistaria tudo o que quisesse na vida? Usaria superpoderes como os heróis da ficção?

No filme "Lucy", a personagem-título, vivida pela atriz Scarlett Johansson, é vítima de um acidente envolvendo uma droga sintética. Depois disso, ao invés de usar 10% do seu cérebro, como os demais seres humanos, ela consegue desenvolver as partes que até então não estavam ativadas. E passa a realizar façanhas com o poder do pensamento.

Não são poucas as pessoas que acreditam que só usamos uma décima parte do nosso cérebro, como acontece na película. Afinal, essa ideia sedutora dá margem para pensarmos que um dia vamos ter condições de utilizar os 90% restantes. Mas ela faz algum sentido? Mesmo que seja um balde de água fria para muita gente, a ciência afirma que "não".

De onde veio a crença dos 10%?

Ela não surgiu da noite para o dia. Ao que tudo indica, a discussão sobre a relação entre a forma e a função do cérebro, que ocorreu ao longo do século 19, foi o primeiro passo da gestação desse mito. Na época, as pessoas se perguntavam como o órgão raciocinava, percebia o mundo, se emocionava, aprendia com as experiências e controlava o corpo.

Logo começaram a surgir possíveis respostas. De um lado, teorias localizacionistas afirmavam que as funções cognitivas estavam segregadas em regiões específicas do córtex cerebral. De outro, a equipotencialidade propunha que as regiões do córtex cerebral poderiam assumir qualquer função, desde que ele estivesse saudável.

Resultado. Enquanto os experimentos com a equipotencialidade, feitos com lesões corticais restritas e estimulações corticais localizadas, se mostraram equivocados, continuaram surgindo evidências a favor do localizacionismo. Apesar disso, a complexidade do funcionamento do cérebro ainda deixava brechas para questionamentos.

Elas abriram caminho para explicações como a do psicólogo e filósofo William James, que desenvolveu o estudo The Energies of Men, em 1908. No conceito "energia de reserva", ele afirmou que as pessoas só usavam uma fração de todo o seu potencial mental. E sugeriu que se elas estimulassem de maneira correta suas capacidades latentes, teriam como resultado resistência à fadiga ou uma performance melhor em tarefas físicas e mentais.

É provável que o mito tenha nascido ali. Quanto aos 10%, esse número apareceu no livro de autoajuda "Como fazer amigos e influenciar pessoas", publicado em 1936 pelo autor norte-americano Dale Carnegie. Mais precisamente no prefácio escrito pelo jornalista Lowell Thomas. E com a ajuda de pessoas públicas como o paranormal israelense Uri Geller, famoso por entortar talheres, a crença se espalhou.

Usamos 100% do nosso cérebro

É isso mesmo. Utilizamos todo o nosso cérebro o tempo inteiro, para fazer das tarefas simples às mais complexas. Até mesmo quando estamos dormindo. Com exames de neuroimagem, como a ressonância magnética funcional, é fácil comprovar essa afirmação, pois ela identifica as partes do cérebro que são ativadas quando a pessoa faz ou pensa em alguma coisa. E as evidências podem ser encontradas de muitas outras formas. Por exemplo, ao observar o metabolismo cerebral ou os prejuízos funcionais em desordens neurológicas.

Mas se todas as áreas do nosso cérebro funcionam, então utilizamos 100% das nossas capacidades cerebrais? Isso depende. Se o termo for entendido como sinônimo de atividade neuronal, a resposta é "sim". Mas se significar desempenho em tarefas, ou seja, uma capacidade que depende dos níveis atencionais, a reposta provavelmente é "não".

Funcionamento mais eficiente

Há vários exercícios que prometem aumentar a eficiência cerebral. E alguns de fato funcionam. Assim como a nossa vontade e os desafios que nos obrigam a encontrar soluções. Isso acontece graças à neuroplasticidade, processo que consiste na capacidade de formamos novas sinapses e fortalecermos as já existentes, o que aumenta a velocidade da transmissão elétrica entre os neurônios e a rapidez na resolução dos problemas.

Essa é uma mudança microscópica e biomolecular que ocorre no cérebro, mas que pode ser percebida na prática, pois a pessoa vê seu desempenho melhorar proporcionalmente ao tempo gasto e à dedicação aos exercícios. Mas nem todos trazem os resultados esperados. Muitos deles acabam funcionando apenas como passatempos ou, no máximo, diminuindo o tempo de reação em tarefas específicas.

Como usar todo o potencial do cérebro

Além dos exercícios para a atenção, memória, comunicação, criatividade e intuição, algumas dicas simples ajudam nesse sentido, como ter um estilo de vida saudável, que inclua uma boa alimentação, prática de atividades físicas e sono reparador. Mas não só isso. Quem consegue administrar o estresse e a ansiedade do dia a dia, mantém distância dos vícios e costuma sair da zona de conforto também tem mais facilidade para ganhar novas habilidades.

Cultivar a curiosidade e o pensamento crítico é outra maneira eficaz de desenvolvermos ao máximo as nossas habilidades cognitivas. Esses hábitos nos permitem promover a plasticidade cerebral por meio de novas experiências, de reflexões sobre o passado e simulações acerca do futuro.

Fontes: Claudio Queiroz, neurocientista e professor do Instituto do Cérebro da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte) e Fernando Gomes, neurocirurgião do Hospital das Clínicas da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).