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MG: Justiça obriga casal a vacinar filhos; pais alegam questões religiosas

Daniel Leite

Colaboração para o UOL, em Juiz de Fora

10/01/2020 14h18

Resumo da notícia

  • Casal de Poços de Caldas (MG) foi obrigado pela Justiça a vacinar os dois filhos menores
  • Os pais alegaram questões religiosas e também de saúde para a recusa da vacinação
  • As alegações, porém, não convenceram a Procuradoria-Geral de Justiça
  • Infectologista afirma que a falta da vacina pode levar risco a outras pessoas
  • Segundo o Ministério da Saúde, o Brasil disponibiliza 300 milhões de doses de vacinas todos os anos

Um casal de Poços de Caldas (MG) foi obrigado pela Justiça mineira a vacinar os dois filhos menores, colocando em dia a carteira de imunização e aplicando as próximas doses previstas no Calendário Nacional de Vacinação do Ministério da Saúde.

A decisão foi da 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do estado. Segundo o judiciário mineiro, os pais já haviam sido orientados e advertidos sobre a necessidade de vacinar as crianças, mas se negaram. O casal alegou questões religiosas e também de saúde para a recusa.

A ação julgada no TJ foi proposta pelo Ministério Público de Minas, após um relatório do Conselho Tutelar da cidade a respeito da falta de imunização nas crianças. O MP, inclusive, registrou boletim de ocorrência para obrigar os pais a vacinar as crianças.

O caso corre em segredo de Justiça e, por isso, o TJ e o MP não concederam entrevistas, apenas informações da assessoria de imprensa. Não há como saber, por exemplo, nomes, idades e quem fez a denúncia ao Conselho Tutelar.

De acordo com o tribunal, a ação teve início em julho de 2018. O MP entrou com o pedido para que as crianças fossem protegidas com as vacinas pendentes, e a solicitação foi julgada procedente.

Os pais, porém, recorreram. Eles argumentaram terem decidido por não vacinar após realizarem várias pesquisas embasadas em artigos científicos e trabalhos médicos do Brasil e exterior.

Também afirmaram que a sua "boa-fé", segundo o TJ, ficou comprovada porque a filha mais velha deles recebeu todas as doses estipuladas pelo governo.

Mas os pais decidiram não aplicar as doses nos filhos menores depois de se converterem à religião Igreja Gênesis II da Saúde e da Cura que, de acordo com o alegado pelo casal no processo, proíbe o que chama de "contaminação por vacina". Para eles, o estado impor a vacina configura violação do poder familiar e do direito à liberdade religiosa.

As alegações, porém, não convenceram a Procuradoria-Geral de Justiça. Para o relator da ação, Dárcio Lopardi Mendes, o caso se encaixa na obrigação determinada pela Constituição de 1988 de o estado assegurar a saúde como um direito de todos. "E a vacinação engloba mais do que a proteção imunológica do próprio indivíduo vacinado, alcançando toda a sociedade, uma vez que o vetor se torna inócuo", acrescentou o desembargador, que preferiu não gravar entrevista.

Sobre a alegação do casal para a escolha por não vacinar devido a questões religiosas, o interesse das crianças se sobrepõe a posições particulares dos pais, de acordo com o acórdão do relator.

Ainda segundo ele, nos autos há informações de que a igreja a qual o casal faz parte permite aos adeptos escolherem a forma como se protegerão de eventuais doenças, sem impedir a imunização, como alegado pelo casal. O relator afirmou que sua decisão não viola o poder familiar alegado pelos pais por se tratar de garantia a um direito constitucional dos filhos.

Risco a outras pessoas

A infectologista Rosana Richtmann destacou a responsabilidade dos adultos ao decidirem sobre não vacinarem os menores. "Tem vacinas que se a pessoa decidir não fazer, ela está colocando em risco a saúde dela. E tem vacinas que se ela não fizer, ela corre risco mas pode também servir de transmissora para outras pessoas que não podem tomar vacinas", disse.

O sarampo, que assustou a população brasileira no ano passado, com mais de 13 mil casos registrados no país, é usado por Richtmann como um exemplo para mostrar a importância da imunização. "O sarampo é uma doença de muito fácil transmissão. Se a pessoa tem em casa um irmão, por exemplo, que faz quimioterapia por causa de um câncer e não pode tomar a vacina contra o sarampo, porque é contra indicada nesse caso, e a outra pessoa se recusa a se proteger, ela está colocando em alto risco quem não pode tomar a vacina."

A especialista diz que tenta mostrar aos pacientes a importância das doses sem a necessidade de processar, mas considera que a ação judicial é válida nos casos de recusa para preservar a saúde das crianças.

Segundo o Ministério da Saúde, o Brasil disponibiliza 300 milhões de doses de vacinas todos os anos, sendo um dos países com maior número de doses oferecidas pela rede pública.

O advogado especialista em Direito Médico e Hospitalar Eduardo Estevam da Silva explicou que o judiciário tem julgado casos assim por causa, principalmente, do conflito entre a liberdade de convicção filosófica dos pais e do direito à solução interna das questões familiares com o direito à proteção da vida e saúde do menor.

O entendimento mais comum do judiciário, segundo Silva, é garantir o acesso das crianças à vacinação.

Ele lembra o caso de Paulínia (SP), do ano passado, em que a Justiça obrigou os pais a imunizar o filho de três anos, que nunca havia sido vacinado. "O Supremo Tribunal Federal tem se posicionado sempre em fazer garantir a tutela de ordem pública sobre a saúde, a vida e os direitos da criança", afirmou.