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Como jovem armazena a própria voz (e risada) para quando não conseguir mais falar

Lucy Lintott participa de uma pesquisa da Universidade de Edimburgo que tenta criar vozes sintéticas personalizadas para quem perderá a fala - BBC
Lucy Lintott participa de uma pesquisa da Universidade de Edimburgo que tenta criar vozes sintéticas personalizadas para quem perderá a fala Imagem: BBC

21/08/2017 19h25

Lucy Lintott é a escocesa mais jovem já diagnosticada com esclerose lateral amiotrófica (ELA), a mesma doença degenerativa do físico britânico Stephen Hawking.
Aos 22 anos, ela já tem parte da fala comprometida, processo que tende a se intensificar com o passar do tempo.

"Ainda bem que existe este lugar chamado 'Voicebank' ('banco de voz'), que pode usar minha própria voz para fazer uma sintética", disse à BBC.

Ela é participante de um projeto de pesquisa pioneiro da Universidade de Edimburgo batizado de Speak:Unique, que tem como objetivo criar vozes sintéticas personalizadas no futuro.

Lucy não tinha percebido mudanças na sua maneira de falar, mas seus pais já haviam notado alguma diferença.

"Vão misturar a voz da minha irmã com a minha, porque dizem que eu balbucio um pouco", afirmou Lintott. "Quanto mais cansada estou, pior eu falo".

Como funciona

"Podemos criar uma voz com apenas 20 minutos de gravação", disse Philippa Rewaj, fonoaudióloga da Clínica de Neurologia Regenerativa Anne Rowling, onde são gravadas as vozes para o banco.

Os arquivos desse depósito guardam as vozes de pacientes e de doadores.

"O ideal é que gravemos a voz de uma pessoa antes que sua fala seja afetada", explica.

"Pedimos que elas leiam mais ou menos 400 frases, o que toma aproximadamente uma hora, e as gravamos em uma sala silenciosa e com isolamento acústico para conseguir a melhor qualidade possível."

Em inglês, as frases estão desenhadas para capturar todos os sons possíveis do idioma.

Em seguida, as gravações armazenadas são convertidas em uma voz sintética que pode ser "descarregada" para um aparelho de comunicação quando o paciente necessitar.

A BBC acompanhou Lintott durante esse processo. Ela leu frases como "por favor, chame a Stella", "peça que traga essas coisas do mercado" e pediu aos pesquisadores que também gravassem sua risada.

Doadores para criar ou consertar vozes

Por meio de um software desenhado por pesquisadores especializados em locução, todos os parâmetros que fazem com que uma voz seja única são analisados automaticamente e reproduzidos de forma sintética em um processo de "clonagem".

A voz é ainda combinada com as de doadores que compartilhem os parâmetros observados no paciente e que tenham idade e sotaque semelhantes ao dele. A ideia é criar um "modelo de voz média", que servirá como base para a voz sintética personalizada.

Se o paciente apresentar deterioração mais avançada na fala, os especialistas podem "consertá-la" usando esse processo de síntese, dando mais peso ao som combinado com o material dos doadores.

Até agora o banco gravou as vozes de 1,2 mil colaboradores na Escócia e continua buscando doadores. O projeto está aperfeiçoando a tecnologia para a criação de vozes sintéticas e, por isso, não tem aceitado novos pacientes.

Outros 'bancos de voz'

O serviço é muito importante para pacientes com doenças degenerativas como a esclerose múltipla, diz Rewaj.

A voz é parte importante da identidade individual e quem a perde fica, de certa forma, isolado, completa a pesquisadora.

A fonoaudióloga afirma que a maioria das vozes que hoje são encontradas em aparelhos que auxiliam a comunicação são muito genéricas e não refletem a personalidade de quem os utiliza. Para ela, isso explica em parte porque esses recursos são pouco usados.

Existem no mercado alguns produtos comerciais, como ModelTalker, Acapela e Cereproc, que também oferecem serviços de criação de vozes personalizadas.

Nesses casos, os usuários gravam suas próprias vozes em seus computadores pessoais e enviam o material para as empresas, um processo que pode durar aproximadamente seis horas.

Esses serviços, porém, não conseguem "consertar" a voz dos pacientes, como ambicionam os pesquisadores escoceses.