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Blog da Sophie Deram

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Estudo analisa efeitos adversos de remédios para obesidade

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

06/01/2022 04h00

Como sabemos, a obesidade é um problema de saúde pública que só cresce no mundo todo. Seu tratamento é um grande desafio e tradicionalmente baseia-se na busca do déficit calórico (fechar a boca e malhar mais), sendo comum o uso de remédios para perda de peso, muitos dos quais reduzem o apetite.

No entanto, esses medicamentos não têm se mostrado sempre boas escolhas para tratar pessoas com obesidade, de modo que o emagrecimento inicial, em geral, é precedido de um reganho de peso, além de outros efeitos adversos, que já levaram alguns desses medicamentos a serem retirados do mercado em alguns países.

Diante disso, um grupo de pesquisadores da Universidade de Cincinnati, nos Estados Unidos, descreveu, estimou e caracterizou a frequência de efeitos adversos atribuíveis ao uso de medicamentos para obesidade. Os resultados do estudo foram publicados no periódico International Journal of Clinical Pharmacy.

Pesquisa foi realizada a partir de dados do Sistema de Notificação de Eventos Adversos da FDA

Para o estudo, os pesquisadores coletaram dados entre janeiro de 2013 a junho de 2020, a partir do Sistema de Notificação de Eventos Adversos da FDA (Food and Drug Administration), agência reguladora norte-americana responsável por proteger a saúde pública, garantindo a segurança de alimentos, medicamentos, vacinas, suplementos dietéticos, entre outros produtos.

Esse sistema é alimentado por profissionais de saúde e pacientes, que devem registrar qualquer suspeita de efeito colateral de remédios.

Todos os principais eventos adversos e desfechos relatados, incluindo morte, risco de vida, hospitalização, deficiência ou intervenção necessária foram analisados.

Os pesquisadores calcularam o número total de eventos adversos, casos e reações para cada medicamento utilizado para obesidade nos Estados Unidos.

Efeitos adversos e medicamentos para obesidade

Entre os resultados, foram encontrados um total de 18.675 relatórios de eventos adversos exclusivamente associados a medicamentos para obesidade, os quais foram administrados em 15.143 pacientes.

Os pacientes tinham cerca de 50 anos, em média, e a maioria deles eram mulheres adultas (73,4%).

O total de efeitos adversos foi de 21.229, incluindo 1.613 eventos com risco de vida (7,6%), 7.426 hospitalizações (35%), 1.249 casos de deficiência (5,9%) e 1.039 mortes (4,9%).

Além desses, foram observados problemas de saúde mais graves: 1.765 notificações de doenças cardiovasculares (31% atribuídos ao medicamento fentermina; 23% ao liraglutida e 22% a uma combinação de fentermina e topiramato), 1.327 notificações de problemas renais e 194 notificações de câncer. E os efeitos adversos relatados mais comuns foram: náuseas e vômitos, seguidos por tonturas, dores de cabeça e ineficácia do medicamento.

Uma das descobertas mostra que 4% das mortes têm relação com o medicamento orlistate, de venda livre nos Estados Unidos. Mas também cabe lembrar que mesmo sendo observada uma alta taxa de mortalidade e associação com o orlistate, a pesquisa não apresenta relações de causalidade, sendo necessários mais estudos e maior atenção aos pacientes que usam medicamentos para obesidade.

Assim, os pesquisadores concluíram que medicamentos para obesidade podem estar associados a eventos adversos, incluindo complicações cardiovasculares e renais. Por esse motivo, os autores consideram necessário monitorar sistematicamente a segurança desses medicamentos para otimizar o tratamento da obesidade.

Para conhecer alguns medicamentos para obesidade

Para você entender melhor por que esses medicamentos podem estar relacionados a problemas de saúde, vou apresentar alguns dos remédios mais utilizados e analisados no estudo —algumas dessas informações foram baseadas nas bulas dos medicamentos, em Cuppari (2019) e Krause (2018).

Liraglutida: comercializado com o nome Victoza®, é uma opção injetável que tem como ação aumentar a secreção de insulina quando os níveis de glicose no sangue estão muito altos, por isso também é utilizado no tratamento do diabetes tipo 2, mas é liberado para quem não sofre com esse problema de saúde.

Orlistate: encontrado no mercado com Xenical®, atua evitando a absorção das gorduras pela inibição de enzimas responsáveis por digerir esse nutriente. Nesse caso, as gorduras não absorvidas são eliminadas pelas fezes e, por isso, a diarreia pode ser um efeito colateral. Esse medicamento considera que com uma menor ingestão de gorduras haverá uma menor ingestão calórica, mas esquece que as gorduras não são vilãs e sim nutrientes importantes para absorção de vitaminas, entre outras funções.

Lorcaserin: esse medicamento é vendido como Belviq® e atua nos receptores de serotonina, levando a uma menor ingestão alimentar durante sua utilização. Ele foi retirado do mercado norte-americano em fevereiro de 2020 após relatos de que poderia causar câncer. O estudo da Universidade de Cincinnati mostrou que 16% de todos os efeitos adversos relacionados ao lorcaserin foram relatos de câncer.

Topiramato/Fentermina: a combinação de topiramato com fentermina pode estar em um único medicamento, comercializado como Qsymia®. Enquanto a fentermina inibe o apetite, o topiramato, também usado como anticonvulsivante, provoca a sensação de saciedade ou torna o sabor dos alimentos menos atraente. Realmente, deve ser difícil querer se alimentar quando não sentimos prazer na comida, elemento tão importante para a nossa saúde. Isso faz com que o consumo alimentar seja muito baixo e provavelmente contribua para a redução do metabolismo, levando ao ganho de peso com a interrupção do medicamento.

Sibutramina: encontrada com nomes comerciais de Reductil® e Plenty®, é um inibidor de apetite e seu uso é bem polêmico, já tendo sido proibido em diversos países. Inclusive a FDA, em 2010, foi contrária à prescrição e uso continuado da substância. Aqui no Brasil, continua sendo comercializado. Esse medicamento age bloqueando a captação de neurotransmissores como noradrenalina e serotonina, atuantes na ingestão alimentar. Os estudos já comprovaram que não deve ser utilizado por pessoas com doenças do coração, mas mesmo em pessoas saudáveis têm sido observados sintomas como taquicardia, palpitações e insônia, além de associação com depressão, o que ainda necessita ser melhor avaliado.

Como podem ver, esses medicamentos para a obesidade podem estar relacionados a diversos efeitos colaterais, de modo que, se você pensar em utilizá-los, em primeiro lugar, procure um médico para avaliar sua saúde e acompanhá-lo no tratamento.

Ainda que supervisionado por um profissional competente, peça esclarecimentos, os prós e contras do uso desses remédios, que estão longe de serem pílulas mágicas e a solução para a obesidade.

Mesmo sendo permitidas a sua prescrição e comercialização, eles fazem parte de um tratamento tradicional para a obesidade, que é baseado no déficit calórico, em comer menos e gastar mais, quando isso na verdade pode reduzir o metabolismo e levar ao efeito sanfona.

Estamos vendo que tratar a obesidade dessa forma não tem contribuído para diminuir essa epidemia em nenhum lugar do mundo, por isso prezo por um novo olhar sobre obesidade, ou seja, acredito que precisamos ver esse problema de saúde como multifatorial, complexo, buscando o respeito pelos pacientes e o atendimento humanizado, sem focar tanto no peso, mas sim no comportamento e na boa relação com a comida e com o corpo.

Bon appétit!

Sophie Deram