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Paulo Chaccur

É possível ter câncer no coração? Por que se fala tão pouco dessa doença

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

18/08/2019 04h00

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Difícil encontrar alguém hoje em dia que não enfrentou ou conhece uma pessoa que teve ou está passando por um câncer, seja na família, um amigo, conhecido ou o próprio indivíduo. O número casos registrados da doença vem aumentando ao longo dos anos no Brasil e no mundo de forma geral.

De acordo com a Agência Internacional para Pesquisa sobre Câncer (IARC - sigla em inglês), ligada a OMS (Organização Mundial da Saúde), a estimativa é que mundialmente mais de 18 milhões de novos casos de câncer foram registrados em 2018. Já o número de mortes ultrapassa os 9,6 milhões. No último levantamento, em 2012, eram 14,1 milhões de novos casos e 8,2 milhões de mortes relacionadas à doença.

No Brasil, segundo o levantamento, os índices apontam cerca de 600 mil novos casos no ano passado, com mais de 243 mil mortes. No entanto, as projeções revelam que, se nada for feito, a doença pode sofrer um aumento de 78,5% até 2040, atingindo 998 mil novos casos.

E quando falamos de cânceres com maior incidência no país, o câncer de próstata e o câncer de mama estão no topo da lista. No entanto, sabemos que a doença pode surgir em qualquer parte do corpo. E quando digo qualquer, me refiro também a um dos órgãos mais importantes --para não dizer essencial - do nosso organismo: o coração!

Por que então eu nunca soube de alguém com câncer no coração?

O razão é a baixa incidência de casos. O câncer no coração é de fato bem raro: os índices estão entre 0,001% e 0,3% do total das neoplasias. No entanto, embora raros, eles existem --e não devem ser ignorados.

A explicação para esses números está na maneira como o câncer surge no corpo. Os tumores se desenvolvem devido à proliferação descontrolada das células. No caso do coração, ao contrário de outras partes do corpo, o ciclo de divisão das células musculares se encerra cedo na nossa vida, momento em que o órgão passa então a crescer conforme as células aumentam de tamanho.

Assim, é quase zero a chance de haver uma multiplicação de forma desordenada, o que fornece, portanto, alguma proteção ao coração contra a doença. Alguma, mas não 100%.

Como a doença pode se desenvolver

Simplificando, todo tipo de crescimento anormal de tecidos recebe o nome de tumor, seja canceroso (maligno) ou não canceroso (benigno). No coração, os tumores são classificados como: primários (cancerosos ou não cancerosos) ou metastáticos/ secundários (sempre cancerosos).

Os primários são aqueles que se originam no coração, ou seja, surgem no próprio órgão. Sua incidência é baixa: a estimativa é de um caso para cada 2 mil pessoas, sendo a maioria não cancerosa.

Entre os tumores benignos primários, o mais frequente entre os adultos são os mixomas, que se desenvolvem, prioritariamente, na cavidade atrial esquerda e a partir de células embrionárias localizadas na parede do átrio. Já em crianças, a maior incidência de casos é o rabdomioma, que crescem no interior da parede cardíaca a partir das células do músculo do coração.

Quando falamos dos tumores cancerosos primários (ou seja, aqueles com características malignas) os mais frequentes são os sarcomas, mesotelioma e linfoma. Os sarcomas surgem nos tecidos conjuntivos --como vasos sanguíneos, nervos, ossos, gordura, músculos e cartilagem -, se desenvolvem no átrio e podem bloquear o fluxo sanguíneo pelo coração.

Já o mesotelioma é um câncer que aparece a partir da membrana que recobre o coração (pericárdio) e pode se disseminar para a coluna e para o cérebro. No caso do linfoma, o câncer está nos glóbulos brancos (também conhecidos como linfócitos).

Vale reforçar que os tumores não cancerosos (os benignos) podem ser tão fatais quanto os malignos caso interfiram no funcionamento do coração.

O mais comum

A maioria dos tumores cardíacos cancerosos, no entanto, tem origem em outras regiões do corpo já afetadas, geralmente o pulmão, mama, rim, sangue ou pele, e posteriormente se disseminam, por metástase, para o coração. São os chamados secundários. Os tumores cardíacos metastáticos são de 30 a 40 vezes mais comuns do que os primários, mas ainda assim são considerados de baixa incidência se comparado com outros órgãos.

As células metastáticas podem chegar ao coração por proximidade, quando o câncer vem, por exemplo, do pulmão ou da mama, ou pela transmissão das células da doença pelo sangue, valvas, miocárdio ou pelo pericárdio (membrana que envolve o coração).

Como saber que estou com a doença?

Os sintomas de um câncer no coração variam de acordo com a localização do tumor e cavidade cardíaca comprometida. O indivíduo pode ter, por exemplo, uma estenose (estreitamento anormal das valvas do coração), embolia pulmonar, arritmia, falta de ar, perda de peso ou até um AVC (acidente vascular cerebral).

E por ser incomum e apresentar sintomas semelhantes aos de outras doenças cardiovasculares, o seu diagnóstico é mais difícil. É importante ressaltar ainda que alguns casos são mesmo assintomáticos, reduzindo ainda mais as chances de descoberta do tumor com rapidez.

Outro agravante é que o tumor cardíaco não tem pacientes específicos e fatores de risco já estabelecidos como outras doenças, ou seja, qualquer pessoa pode ser acometida por ele. Por isso, é sempre recomendado manter sua rotina de exames. Se o coração for atingido por um câncer, é importante o acompanhamento de especialistas. O tratamento terá como principal objetivo eliminar o tumor, além de reduzir a velocidade de progressão da doença. O método vai depender do tipo, localização e da sua extensão.