Gustavo Cabral

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Saúde e exploração do trabalho infantil: um papo com José Luiz Setúbal

Ao escrever sobre o trabalho infantil, é necessário iniciar falando que as classes média e alta não investem no trabalho infantil da própria família, mas na educação.

Além disso, precisamos separar o que é trabalho e o que é exploração infantil da relação familiar saudável, pois muitos confundem as coisas. Se não pararmos para pensar de maneira crítica, nós vamos achar que é a mesma coisa uma criança ajudando o pai em uma oficina por várias horas do período escolar —ou até na rua pedindo esmolas— e a criança que está "ajudando" o pai a lavar um carro em um domingo pela manhã, numa atividade divertida e com a certeza de que em breve tomará um bom banho, terá uma ótima alimentação e poderá dormir e descansar em paz, para no dia seguinte ir para a escola bem alimentada e asseada.

Lugar de criança é na escola e em um lar saudável! E uma criança que tem que gerar renda familiar não usufruirá de sua infância. "O trabalho dá dignidade ao homem e à mulher", não à criança.

Dito isso, abaixo trago a conversa que tive com José Luiz Egydio Setúbal, pediatra, filantropo, presidente da fundação mantenedora do Sabará Hospital Infantil e membro da Academia Brasileira de Pediatria, sobre saúde e trabalho infantil.

Iniciei nosso diálogo citando a Constituição de 1988, que diz que "é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão". Mas, em termos práticos, estamos distantes de alcançarmos isso, principalmente para a população menos favorecida financeiramente, que é a maior parte da população brasileira. Então, segui com as pergunta:

Como o senhor enxerga esse processo de melhoria da saúde infantil no Brasil? E o que o senhor destacaria de prós e contras depois da constituição e 1988?

Dr. José Luiz: O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) foi um passo importante para o Estado e a Sociedade passar a olhar mais atentamente para a criança. Nestes mais de 30 anos houve muita melhora, mas ainda existe muito por fazer. Neste texto de minha autoria, detalhei o que falhou no ECA nesses 30 anos de sua criação.

Além da atuação do Estado, como o senhor vê a participação do setor privado para a saúde pública infantil? Como isso poderia melhorar, levando em conta que a saúde infantil dos menos favorecidos financeiramente dependem quase que exclusivamente do Estado?

Dr José Luiz: O setor privado, principalmente na área de Educação faz muita coisa. Mas acredito mais na atuação da Sociedade Civil organizada como agente transformador dessa realidade. Nesse texto, falo sobre a articulação de diferentes setores da sociedade civil para formar a Agenda 227, nome que faz referência ao Artigo 227 da Constituição Federal de 1988. Vale destacar que esse movimento foi para ter um diagnóstico amplo dos indicadores atuais de saúde, educação, violência e assistência social do país e, com isso, formar propostas de políticas públicas.

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A Agenda 227 é formada por diferentes organizações, que vai desde Aliança Nacional LGBTI+ até a ANDI - Comunicação e Direitos, Centro de Referências em Educação Integral, Coalizão Brasileira pelo Fim da Violência contra Crianças, Coalizão pela Socioeducação, Escola de Gente, Fundação José Luiz Egydio Setúbal, Geledés - Instituto da Mulher Negra, Instituto Alana, Instituto Clima e Sociedade, Instituto Liberta, Instituto Rodrigo Mendes, Rede Brasileira de Inclusão (Rede-In) e Rede Nacional Primeira Infância (RNPI).

Eu gostaria de enfatizar um pouco mais sobre a importância do setor privado, pois não podemos desconsiderar a exploração do trabalho infantil que, segundo o IBGE (2021), em 2019 o Brasil tinha cerca de 1,8 milhão de crianças e adolescentes, com idades entre 5 e 17 anos, em situação de trabalho infantil. Desses, 706 mil (45,9%) estavam em ocupações classificadas entre as suas piores formas, como o tráfico de drogas e a exploração sexual. Embora sejam dados alarmantes, é preciso considerar que os dados estão subdimensionados, uma vez que o Banco Mundial concluiu que o trabalho infantil, no Brasil, pode ser sete vezes maior do que apontam as pesquisas.

Dessa forma, gostaria de perguntar sua opinião como um pediatra, empresário e filantropo, como o senhor enxerga essa temática? Como é possível avançarmos tendo essa atuação médica, empresarial, política e judicial conjuntamente?

Dr José Luiz: O setor privado responsável adota as ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) da ONU e nisso está o trabalho infantil. No Brasil a desigualdade e a miséria fazem com que muitas crianças tenham que trabalhar. O abuso e a exploração sexual infantil são uma chaga em várias regiões do país e precisam ser combatidos, mas é difícil pois têm um caráter cultural e social.

Por fim, gostaria ouvir do senhor, sobre a atuação da Fundação José Luiz Egydio Setúbal nesse processo de erradicação da exploração infantil no Brasil e sobre a qualidade de vida das crianças e adolescentes.

Dr José Luiz: Não temos projetos específicos nessa dimensão. Atuamos em Saúde Mental; Imunização e Insegurança Alimentar. Eventualmente apoiamos projetos de Saúde Mental que possa envolver trabalho infantil.

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Gustavo Cabral: Aproveito para concluir esta coluna dizendo que é dever de todos proporcionar as condições para que a criança e o adolescente tenham saúde e dignidade. E vamos parar com a romantização da miséria, pois só romantiza a pobreza que nunca foi pobre, ou perdeu o senso de humanidade.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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