Topo

Elânia Francisca

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Existem espaços saudáveis de diálogos sobre masculinidades adolescentes?

iStock
Imagem: iStock

Colunista do UOL

22/04/2022 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Vamos começar essa conversa explicando o estou chamando de espaços saudáveis de diálogo.

Espaços saudáveis de diálogo são aqueles ambientes em que podemos conversar e/ou conviver sem medo e que têm como objetivo refletir sobre a importância do respeito a si e das demais existências.

Nos espaços saudáveis de diálogo é possível concordar ou discordar de alguém sempre em sintonia com a garantia de direito de todo mundo. Contudo, por ser um local de abertura para a conversa, a discordância acaba sendo uma ótima oportunidade para a reflexão coletiva sobre determinado assunto, ampliando nossa visão sobre a sociedade.

Estou chamando de espaço saudável de diálogo todo encontro entre duas ou mais pessoas que tem como propósito a promoção da equidade (que significa entender que todo mundo tem direito ao cuidado, mas que cada pessoa precisa de cuidados diferentes).

Desde 2010 eu tenho me dedicado a pensar sobre temas como saúde mental, sexualidade, gênero e como essas questões se concretizam na vida de crianças e adolescentes. Uma das formas que encontrei para conversar sobre todos esses assuntos foi a criação de espaços saudáveis de diálogo, não só com o público infantojuvenil, mas também com pessoas adultas interessadas em melhorar sua relação com crianças e adolescentes.

Nesse percurso de trabalho, eu conheci pessoas adultas que estavam tão machucadas com suas histórias vivenciadas na infância que acabavam machucando seus filhos, por achar que bater seria a melhor forma de ensinar alguma coisa ou demonstrar amor e proteção. Também conheci pessoas que achavam ruim bater nos filhos, mas que não sabiam bem o que fazer para lidar com seus sentimentos de raiva ou frustração, e acabavam batendo.

De todas as pessoas adultas que conheci, as mais difíceis de dialogar foram aquelas que achavam certo ensinar aos meninos que eles deveriam ser agressivos e, pior, que eles deveriam acessar conteúdo sexual ainda na infância. E não, não eram adultos "pedófilos". Eram os pais ou educadores desses meninos!

Já presenciei o caso de um pai que orientou ao filho que mostrasse o pênis aos colegas que o chamassem de "menina". O garoto tinha seis anos de idade e, por ter o cabelo comprido, algumas crianças perguntavam se ele era menino ou menina. Diante desse questionamento, o pai achou que seria uma boa ideia sugerir ao filho que mostrasse sua genitália às pessoas.

Fora o fato de o pai ter ensinado ao menino que seria ofensivo ser comparado a uma menina, o filho também aprendeu que seu corpo é público e sua parte íntima deve ser mostrada publicamente. Esse aprendizado tirou do menino uma possibilidade de autoproteção contra violências sexuais e o ensinou a reproduzir uma violência com outras crianças.

Também teve o caso de um pai que ensinava o filho de cinco anos a assediar mulheres adultas na rua. O pai assoviava para uma mulher e pedia que o menino dissesse: "Oi gatinha". Com aquele comportamento, o pai mostrava ao filho que ao corpo masculino é permitido incomodar mulheres na rua e externalizar suas impressões sobre o corpo dela. Além disso, o menino foi usado como instrumento do pai para chamar a atenção de mulheres pela via do constrangimento.

Para finalizar os exemplos, vou contar do caso de um professor que ensinava aos seus alunos de 13 anos a fiscalizar as roupas de suas namoradas na escola alegando que as "meninas bonitas sempre atraem gaviões".

Diante desses exemplos, quero trazer algumas perguntas:

Quais são os espaços saudáveis de diálogo em que os meninos podem refletir sobre masculinidades para além da exposição de seus pênis publicamente?

Quais são os locais em que os homens adultos não ensinam o assédio sexual contra meninas e mulheres ou comportamentos abusivos no namoro?

Quais são as referências masculinas que têm ensinado aos meninos a respeitar seus próprios corpos e os corpos das demais pessoas no mundo?

Existem locais em que os educadores, pais, irmãos, tios e avôs ensinam os meninos a exercerem uma masculinidade saudável pela via do exemplo e não só pela fala?

Não se tratam de perguntas retóricas ou de julgamento, eu realmente desejo acessar iniciativas que abordem masculinidades saudáveis na infância e adolescência, mas não só iniciativas de organizações sociais que recebem subsídios para tratar do tema. Eu quero acessar as iniciativas do dia a dia, do final de semana entre pai e filho e que estão sendo feitas por homens que acreditam que os meninos podem receber uma educação melhor que a que eles tiveram.