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Alexandre da Silva

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Atrás de alívio: a vida de quem envelhece acompanhado de uma dor constante

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

22/08/2022 04h00

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Há alguns relatos que não podem ser naturalizados porque causam sofrimentos para muitas pessoas:

- Tem mais de 30 anos que convivo com essa situação!
- Tudo o que faço é lembrando do quanto isso me incomoda!
- Já não vou para lugares que gosto por causa dela!
- Ela sempre está aqui do meu lado!
- Até para dormir ela me acompanha!

Estou falando da dor.

Essa condição muito desconfortável tem afetado milhões de pessoas, tanto aquelas de 30, 40 ou 50 anos e, principalmente, aquelas que estão com 60 anos ou mais.

A dor é uma sensação muito desconfortável que traz prejuízos individuais, como a limitação da capacidade de uma pessoa em realizar suas atividades cotidianas. É o lavar a louça que faz doer um dos ombros, o agachar para pegar algo no chão que já causa um enorme desconforto ou o ficar sentada que dá aquela queimação em alguma região das costas.

É comum que a dor esteja associada a uma lesão de alguma parte do corpo, como uma articulação, ou músculo ou outro segmento corporal. E, com ou sem essa evidente lesão anatômica, a dor se mostra presente e, muitas vezes, até personificada, como uma outra pessoa que nos acompanha diariamente.

A dor afeta sensações, mexe com outros sentidos e até com a memória, já que a pessoa que sente muita dor, pensa na mesma muitas vezes ao longo do dia. Não é o pensamento prazeroso com algo de bom que aconteceu na vida, ou com uma pessoa querida ou desejada. É a dor!

E a dor pode ser boa? Talvez em algumas situações.

Sabe aquela volta aos exercícios físicos, quando a pessoa sente que seu corpo ainda é capaz de suportar algumas cargas dos aparelhos de musculação? Essa dor pode ser um símbolo de que houve "a volta à vida mais saudável" e, ainda que essa dor sinalize alguns danos celulares, tudo isso poderá ser recompensado se existir a regularidade do treinamento.

Mas na vida de quem envelhece, a dor que prevalece é dor que impõe algum tipo de limite. Ainda que estudos apontem que se pode ficar mais tolerante aos estímulos dolorosos quanto mais se envelhece, há situações do cotidiano que geram a intensificação ou a agudização desses sintomas dolorosos.

Aquela vontade de ficar uma hora praticando um esporte com a neta ou o filho, aquela faxina que demandou horas a mais para a sua conclusão ou aquele tempo a mais sentado para concluir um trabalho são algumas dessas situações.

Quem sofre com dores constantes quer falar e, comumente, não é escutado. Suas queixas são diárias porque, muitas vezes, a dor acorda junto com ela, dorme ao seu lado, chegando a afastar um companheiro, companheira, filho ou neta que gostaria de passar uma noite junto dessa pessoa na cama maior da casa.

Quem convive com essas dores intermináveis sabe que não morrerá dessa dor do joelho, dessa dor que irradia cada dia para um lugar e que a cada semana tem uma intensidade. Mas, mesmo não sendo mortal, a dor é imoral e injusta com quem já tentou todas as possibilidades para o seu controle.

Dos medicamentos, incluindo todos aqueles prescritos por médicas e médicos, mas também aqueles sugeridos por qualquer pessoa que quisesse ajudar e também das terapias existentes, desde a fisioterapia, a terapia ocupacional, acupuntura, auriculoterapia e outras tantas.

E a dor, assim como o nosso andar e falar, pode ser aprendida. Sim, aprende-se a associar a dor a diversas situações cotidianas que desencadeiam essa desconfortável sensação. Lembra-se da dor quando é o momento de subir ou descer de uma escada, para ajoelhar, para levantar os braços acima da altura dos ombros ou na hora de se vestir.

E quantas situações prazerosas da vida precisaram ser interrompidas ou ajustadas porque a dor se mostrou ali presente, ainda que não convidada? Seja no momento mais íntimo entre duas pessoas, na hora de segurar um bebê no colo, quando a filha ou neta maior pede um colo, ou se na hora de correr são os joelhos que "gritam de dor"?

Quem não vive sozinha ou sozinho porque a dor sempre os acompanha já tentou até mudar de religião para ver se algum Deus é capaz de ajudar na resolução desse sofrimento que parece eterno porque faz os segundos vividos com dor parecerem minutos!

Há religiões que usam estratégias ou rituais como forçar uma pessoa a andar sem a sua bengala ou muleta e, ao propor essa solução acompanhada de uma oração ou frase motivacional, podem piorar as dores nos dias seguintes. E assim se contabiliza mais uma tentativa para se libertar dessa tortura.

A dor é capaz de gerar mudanças nas posturas corporais, ora a coluna mais curvada, um joelho mais dobrado, as pernas mais afastadas ou os ombros mais retraídos. Tudo a favor da não dor! Tudo para conter essa desagradável sensação que também se observa nas expressões faciais a ponto de gerar um mau envelhecimento.

E a dor ainda pode vir de outras situações ocorridas na trajetória de vida. E, para essa, os tratamentos, as escutas e a mudança de postura diante da vida precisam ser intensificadas, já que o risco de uma morte social é grande, pela perda da vontade de viver. Essas dores decorrem de fatos recentes ou muito antigos e mexem com vísceras, com o sistema nervoso e com aspectos psicológicos e psíquicos.

Na vida em comunidade a dor também gera grandes transtornos. Muitas pessoas sentem-se à vontade para "rotular" e menosprezar todo o sofrimento da pessoa que sente dores há muitos anos. Chamar a pessoa que sofre de "corpo mole", "braço curto", "chorosa" ou outros é um desrespeito com quem está sofrendo por um sintoma tão desconfortável.

Nas instituições públicas e privadas poucas atividades e adaptações são realizadas para acolher uma pessoa que sofre com as dores crônicas. Mais profissionais precisam ser treinados para ter o acolhimento adequado às pessoas que sofrem pelas dores crônicas, que reconheçam suas queixas e, juntamente com a pessoa que envelhece dessa forma, busquem um tratamento ou uma combinação de terapias capazes de reduzir e melhorar o manejo dessa dor.

A cura talvez não ocorra de forma definitiva para quem sofre com as dores crônicas. Mas há um caminho capaz de minimizar tantos desconfortos, que traga um futuro com mais intervalos sem a dor e que as pessoas possam voltar a fazer muitas das atividades que gostam sem grandes limitações. Para quem já aprendeu muito com a dor, talvez seja a hora de aprender com o alívio!