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Alexandre da Silva

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Milton Nascimento, 80 anos! E queremos mais!

Anderson Carvalho/Espaço Unimed
Imagem: Anderson Carvalho/Espaço Unimed

Colunista do UOL

14/11/2022 04h00

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Caro Milton,

Quem acompanha essa coluna sabe que gosto de escrever para pessoas queridas. E você, ainda que não saiba, é uma dessas para quem escrevo.

Fico aqui batendo meus dedos sobre o teclado e tentando achar a palavra mais exata, um bom ritmo para este texto-homenagem pelos seus 80 anos de vida e tantas décadas dedicadas a nos encantar com sua presença e suas músicas incríveis!

Como não sou tão bom com as letras, as métricas e a melodia quanto o senhor, ousarei utilizar trechos de músicas de sua autoria ou tão bem interpretadas por você, pode ser? Acredito que assim, o texto parecerá uma parceria entre mim e você, olha só (risos)! Farei essa "parceria" para pensar alguns aspectos do envelhecimento populacional e das pessoas que estão com 60 anos ou mais.

Lembrar de suas músicas é trazer o meu tempo de adolescência, quando eu começava a descobrir livros e álbuns musicais dos mais diversos gêneros. E não consigo colocar sua obra no gênero MPB, Música Popular Brasileira. Prefiro o termo Música Popular Mundial, já que o mundo conhece e admira suas letras musicais, seus arranjos e sua voz tão única e marcante.

"Você queria ser o grande herói das estradas
Tudo que você queria ser
Sei um segredo
Você tem medo."
(Música: Tudo o que você podia ser. Compositores: Lô Borges e Márcio Borges)

E quem não tem, caro Milton? O medo da escolha errada, o medo da decepção, o medo de ficar na mesma estrada, na mesma casa e no mesmo trabalho! A idade avançando e o medo aumentando. Teria escolhido a melhor trilha para a minha longevidade? E os meus e as minhas, estarão comigo?

O medo de escolher e o medo da escolha feita! Mas seguimos adiante, em busca de envelhecer bem, com ou sem o medo.

Pessoas mais velhas se dividem entre aquelas que têm a certeza de que fizeram as melhores escolhas e outras que não. Há um terceiro grupo que vive com a incerteza. E esses dois últimos grupos podem estar deixando a vida passar, sem sentir o vento alisar seus rostos, sem a leveza que nos surpreende em diversas ocasiões da nossa vida.

"Maria, Maria é o som, é a cor, é o suor
É a dose mais forte e lenta
De uma gente que ri quando deve chorar
E não vive, apenas aguenta."
(Música: Maria, Maria. Compositores: Fernando Brant e Milton Nascimento)

Penso aqui na feminização da velhice e do quanto mulheres, muitas dessas são Marias, ainda lutam bravamente pelas suas famílias, pelos seus sonhos e pela própria vida.

Parece existir um plano para que algumas mulheres, inclusive as negras ou pobres, não possam sorrir, que não possam cantar livremente o que lhe traz emoção e ajuda a manter um certo equilíbrio emocional.

Sempre cuidando de outras pessoas, mas nem sempre sendo cuidada e acolhida. Ainda dói a morte ou adoecimento precoce de muitas dessas no nosso país.

A pobreza vivenciada por tantas mulheres mais velhas no Brasil ainda constrói grandes desfiladeiros entre o sonho e a realidade, entre as possibilidades e os direitos, entre a vida e a morte.

"Vou seguindo pela vida
Me esquecendo de você
Eu não quero mais a morte
Tenho muito o que viver."
(Música: Travessia. Compositores: Milton Nascimento e Fernando Brant)

Continuando minha livre e ousada interpretação de trechos isolados de suas músicas, nesta parte da música Travessia, reflito que propósito de vida deve sempre ser uma garantia a todas as pessoas, sem distinção de gênero, raça, renda, local onde mora ou ser uma pessoa mais velha.

Seguir a vida, esquecendo de quem nos deixou ou de quem gostaríamos que estivesse conosco, não é das tarefas mais fáceis. Por escolha, pela morte ou por outras circunstâncias que só o Universo é capaz de nos explicar, seguir em frente é uma meta, ainda que nem sempre tão bem alcançada.

"Falar da cor dos temporais
De céu azul, das flores de abril
Pensar além do bem e do mal
Lembrar de coisas que ninguém viu."
(Música: Quem sabe isso quer dizer amor. Compositor: Márcio Borges)

Envelhecer não deveria ser sinônimo de tristeza ou de perdas. Veja quantas oportunidades as décadas acumuladas nos trazem! Acertar, errar, rir, chorar, encontrar, desencontrar, viver com alguém ou viver sem ninguém.

Encontrar o real sentimento de amar e do amor. Já pensou se a gente se deparasse com o real amor, seja nos olhos de uma pessoa que beijamos, nos abraços sinceros de amigas e amigos, ou no sorriso sincero de filhas e netos? Falo aqui do amor de quem se entrega sem aguardar reciprocidade alguma.

"Pois seja o que vier (seja o que vier)
Venha o que vier (venha o que vier)
Qualquer dia, amigo, eu volto a te encontrar
Qualquer dia, amigo, a gente vai se encontrar."
(Música: Canção da América. Compositores: Fernando Brant e Milton Nascimento)

A despedida é um momento tão duro que ainda não nos acostumamos. Pode ser temporária, definitiva ou para um encontro em outro mundo ou era da história da humanidade. Como sobreviver somente com as recordações acumuladas, sejam de meses, anos ou de décadas?

Tudo parece tão pouco perto do sentimento e vontade de estar junto da pessoa querida, daquela que ainda amamos, de quem gostaríamos de estar juntos, sentados, de mãos dadas, em "conchinha" em alguma cama ou carregando no colo quem bagunça nosso cabelo ou brinca com as carecas de avôs e bisavôs.

"Eu já estou com o pé nessa estrada
Qualquer dia a gente se vê
Sei que nada será como antes, amanhã."
(Música: Nada será como antes. Compositores: Milton Nascimento e Ronaldo Bastos)

Uma parceria, ainda que hipotética com o senhor, me traz a alegria do registro da minha admiração. E que muitas pessoas admiradoras do seu trabalho leiam esse texto e cantem nas partes onde sua música e voz se destacam.

Essas são algumas reflexões e sentimentos que tenho ao ouvir suas músicas, caro Milton! Suas mais recentes apresentações têm despertado em muitos fãs um suspiro, um sorriso, uma vontade de chorar e uma expectativa por ainda não saber como será o futuro entre você e nós.

Por mais Milton nas nossas vidas! Por mais sentimentos que nos recarreguem de esperanças, de sonhos e de recordações!

Parabéns pela enorme contribuição para a cultura mundial!