Topo

Alexandre da Silva

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Pessoas que envelhecem e desconhecem prazeres da vida

iStock
Imagem: iStock

Colunista do UOL

24/10/2022 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Do convívio com muitas pessoas que estão envelhecendo das mais diversas formas e durante as trocas de aprendizado e de experiências com colegas de trabalho, constato realidades bem diferentes vividas pelas pessoas idosas: uma que seria normal e boa para todas as pessoas, e outra que é frequente e ruim para outro grupo.

Uma dessas realidades se refere às mulheres mais velhas que já tiveram relações longevas com homens que, muitas vezes, foram aqueles com quem tiveram seu primeiro e único relacionamento. Muita inexperiência, muita pressão da família, muito receio em "ficar mal falada" onde residiam costumam ser fatores que explicam essa "escolha" das jovens mulheres daquela época.

Esses relacionamentos também foram marcados pela falta de cuidados. Seja pelos bons sentimentos presentes na relação que, com o passar do tempo, foram esquecidos, como também da própria saúde do casal. E os homens foram aqueles que, além do pouco autocuidado, também passaram a adotar hábitos pouco salutares, como consumos excessivos de bebidas alcoólicas e de cigarro.

E já se percebe que o final não será nada feliz.

Algumas dessas mulheres, para experienciar a vida a dois com mais intimidade, precisaram casar para ter uma cama e um quarto e ali conhecer um pouco mais da sua sexualidade e dos afetos que a outra pessoa tinha para lhe oferecer.

Segundo o dicionário, gozo se refere a sentir prazer, é um estado de satisfação por uma atividade realizada (como leitura, passear sozinha e paquerar, entre tantas outras). Também tem como definição algo que traz risos, diversão e, como não podia deixar de significar, qualquer prazer sexual.

Para a psicanálise, uma das explicações é que o gozo significa uma experiência que pode estar associada a uma fantasia, situação de repetição, a algo que não se quer renunciar. Outras vezes, pode ficar reprimido e é manifestado em situações sintomáticas, nos sonhos e nos atos falhos, por exemplo.

Assim, muitas dessas mulheres, agora divorciadas ou viúvas, por mais que ainda mantenham o desejo de estar com outra pessoa, de vivenciar a sua sexualidade, agora com mais maturidade, se recusam a "tentar novamente", já que os sentimentos que conheceram e trocaram não foram dos melhores.

Foram muitos os traumas que marcaram as suas vidas, seja por ser a primeira relação sexual às escondidas, a descoberta do ato realizado com alguém e anunciado aos quatro cantos, a prática do ato sempre com a luz apagada ou fazendo de um jeito que nunca quis ou gostou. E se o ato foi realizado com uma pessoa do mesmo sexo, a descoberta e as ofensas proferidas por outras pessoas causaram um constrangimento e dor ainda maiores.

Dessa forma, fecha-se qualquer oportunidade, aproximação de alguém que queira compartilhar abraços, beijos e uma noite junto dessa mulher mais velha.

Não é incomum que essas mulheres tenham na própria família ou no grupo de velhas amigas histórias muito semelhantes às suas. E esse "aprendizado" começa já na infância, durante as rodas de conversa das mulheres adultas e das avós.

As mulheres mais velhas procuravam ensinar certos comportamentos para que suas crianças e adolescentes tivessem uma vida conjugal ao crescerem. Assim, tentavam transmitir esse tipo de "cuidado", espécie de "guia de orientações" que não priorizava o próprio prazer e a satisfação nos relacionamentos.

No entanto, o gozo não está apenas na vida entre duas ou três pessoas. Há também aquele em ter uma família muito bem constituída, com filhos e filhas criados e oportunidades aproveitadas para o estudo e obtenção de um bom trabalho, com netos e netas seguindo a mesma trajetória. Há um prazer enorme em ter a mesa de domingo cheia de pessoas aos risos e se alimentando da comida feita com todo o carinho pela mais velha ou pelo mais velho.

Mas será que sempre houve um tempo destinado exclusivamente para o casal? E, quando chegou a viuvez, a culpa por não terem vivido essa fase veio?

Um dos grandes problemas de quem envelhece é sobre como resgatar o tempo com o cuidar-se e a permissão da vontade de ainda ter gozo durante a sua vida.

Isso pode ocorrer em diversas outras situações, como o andar de mãos dadas com outra pessoa querida, sair para ir ao teatro ou cinema, ficar sentados em uma mesa de bar, sair para dançar, ou até em preparar uma refeição enquanto conversam juntos e apreciam uma boa música degustando uma das suas bebidas favoritas. E tudo isso sem a "culpa" ou a preocupação de que deveriam estar trabalhando ou cuidando de filhos ou netas.

As próximas gerações poderão vivenciar de outra forma as possibilidades de gozo nas suas vidas. É uma possibilidade de que tenham mais liberdade e conhecimento do que é qualidade de vida, do funcionamento do seu corpo e da permissão para mais encontros com outras pessoas.

O importante agora é permitir e apresentar essas condições para quem envelheceu e ainda tem vontade de sorrir e gozar a vida.

Seu papel pode ser viver essa fase, se você é essa pessoa que quer mais experiências gostosas na vida, ou deixar que alguém possa vivê-la, se você gosta e pode criar situações de liberdade, além de menos sobrecarga para a pessoa mais velha que convive com você.