Ela manda na Corona

Brasileira, Clarissa Pantoja comanda cervejaria mexicana e diz que trocadilho com pandemia foi visto com humor

Marcelle Souza Colaboração para Universa, da Cidade do México Divulgação

Aos 34 anos, Clarissa Pantoja dirige uma das marcas mais conhecidas do México, a Corona. Há 12 anos na indústria cervejeira, a brasiliense começou como trainee da Ambev no Brasil, passou por Nova York, onde fez parte da equipe global da companhia, e em 2018 desembarcou na Cidade do México, onde a cultura latina a fez sentir-se novamente em casa.

Em dois rankings internacionais (Brand Finance e BrandZ, da consultoria Kantar), Corona, da Ambev, aparece como a marca mais valiosa tanto do México e a terceira da América Latina, atrás de dois bancos brasileiros. Estima-se que a empresa esteja avaliada em US$ 8 bilhões (aproximadamente R$ 39 bilhões). Por conta da sua atuação à frente da marca, Clarissa foi uma das premiadas do Women to Watch México em 2019, iniciativa que homenageia líderes de destaque nas áreas de marketing e comunicação.

Em entrevista a Universa, ela conta que se considera "zero" feminista e conta como superar a síndrome de impostor que afeta muitas mulheres em posições de destaque. Clarissa diz que a mudança para Nova York foi seu maior desafio. "As pessoas acham muito glamouroso, mas foi bem difícil para mim." E elogia o marido, que a acompanha na carreira internacional. "Isso é um tabu, porque culturalmente é a mulher que acompanha o homem, mas isso está mudando."

Entre seus planos está formar uma família e, de quebra, se tornar um exemplo de executiva em alto posto gerencial que consegue administrar também uma família. Ela diz que carrega como ensinamento da mãe a confiança de sempre seguir em frente. "O que tento passar é a ideia de uma mulher com força e também frágil, porque somos mais emocionais, mas temos esse empoderamento de acreditar em nós mesmas."

Por fim, ela também fala de como a pandemia alterou rotas e rotinas e como a empresa lidou com a semelhança de nomes entre a marca e o vírus mais famoso do momento.

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"Nunca importou o fato de eu ser mulher"

A indústria cervejeira é vista como bem masculina. Como você se interessou por essa área?

Por mais que tenha essa percepção, dentro da nossa companhia a gente tem um perfil muito diverso. Obviamente existem áreas mais masculinas e outras mais femininas, e isso não é só na indústria cervejeira. Eu sou de Brasília e sempre fui apaixonada por marketing, e a Ambev era para mim um exemplo de empresa brasileira bem posicionada, de muito êxito, que eu sempre admirei.

Então tinha o sonho de entrar na Ambev e consegui no último ano da faculdade. Quando eu entrei, eu era praticamente a única mulher da área de vendas. Então já foi um momento "desbravadora", mas nunca foi um problema ser mulher dentro da empresa. Um dos nossos princípios é que você cresce com a velocidade do seu talento, e isso vale para qualquer gênero, idade, raça.

Eu sempre acreditei nessa coisa de sonhar grande, de não ter medo de enfrentar desafios. Normalmente, as mulheres pensam "eu acho que não vou conseguir", "talvez eu não seja boa o suficiente". A gente se martiriza um pouco mais que os homens, se cobra mais. E muitas vezes nem tenta por achar que não pode.

Isso é o que conhecemos como síndrome da impostora.

Exatamente isso. E tem uma linguagem corporal. Quando você entra em uma sala de reunião, as mulheres, quando não estão liderando, vão se sentar no lugar mais escondido. É uma cultura de muito tempo. Então eu acho que o primeiro passo do empoderamento é que as mulheres acreditem em si mesmas. O segundo é estar em um ambiente inclusivo, e eu acho que a Ambev, a AB InBev no mundo inteiro, é um exemplo disso. Eu tive a oportunidade de começar no Brasil e, com menos de 30 anos, fui transferida para o escritório global em Nova York, o que foi uma superaposta no meu talento, e sinto que nunca importou o fato de eu ser mulher. Pelo contrário, eu acho que a diversidade do pensamento foi o que contou.

Então como você enfrentou a ameaça da síndrome da impostora?

Quando eu olhava para o lado, eu tinha vários exemplos de pessoas muito boas, que eu admirava e cresciam muito rápido. Então pensava que, se eu trabalhasse duro, se realmente entregasse um bom resultado, teria tudo para conseguir. A segunda coisa é que eu sou conhecida por fazer tudo com muita energia e paixão. Eu acho que isso é muito importante, tirar a barreira mental.

3 dicas para mulheres que querem subir na carreira

Sonhe grande, não tenha medo de enfrentar os desafios para chegar aonde quer

Sobre vencer barreiras

Fique atenta à linguagem corporal, sou corpo demonstra sua confiança em você

Sobre superar a síndrome de impostora

Faça tudo com muita energia e paixão e afaste as barreiras mentais que a impedem de crescer

Sobre construir uma imagem de líder

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Como foi quando você recebeu o convite para liderar a Corona no México?

Foi uma honra enorme. É fascinante como essa marca é um ícone no país. A Corona nasceu com a garrafa transparente, justamente para mostrar que tinha os melhores ingredientes, com esse valor de honestidade. Isso para mim é muito bonito. Então foi uma honra enorme. Eu já estava em Corona antes de vir para o México, porque fazia parte da equipe que montou o posicionamento global da marca em 2014, e pude viajar o mundo todo por isso. E aí, quando me convidaram para liderar o principal país da marca [em 2018], foi um grande momento da minha carreira, uma responsabilidade bem grande, mas aceitei com muito orgulho.

Você chegou a sentir medo pela responsabilidade?

Claro que eu tive medo, pelo tamanho que a marca representa, mas estava confiante. Então a primeira coisa que eu fiz aqui foi conhecer a história da Corona no México, porque, para você crer em si mesmo, tem saber quem você é. Por outro lado, eu adoro conhecer um novo país, sou super curiosa. Descobrir os costumes de uma outra cultura é riquíssimo, e você leva isso para a forma com que trabalha. Uma coisa que eu aprendi com esse tempo de carreira é que o mundo é muito mais parecido do que diferente. E isso vai ficar ainda mais forte.

E como é ser brasileira e liderar uma marca tão mexicana?

Eu gosto de falar que eu sou apaixonada pelo México. Nossa equipe é toda composta de mexicanos, e Corona é uma marca desfronteirizada, um pedaço do México em todo o mundo, então também é internacional. Todos falam que no Brasil as pessoas são felizes, alegres, e eu acho que sou assim, acredito muito na energia positiva. O legal é que as nossas culturas são parecidas. A minha mudança de Nova York para cá foi como voltar um pouquinho para o Brasil, porque é um país latino, a comida é maravilhosa, os costumes são muito legais, as praias... O calor do povo mexicano é maravilhoso. Eu fui super bem-recebida, me senti em casa.

Qual foi o momento mais desafiador da sua carreira?

Eu acho que foi quando eu me mudei para Nova York, porque foi a minha primeira expatriação. As pessoas acham muito glamouroso, mas foi bem difícil para mim.

Apesar de eu falar inglês, a língua foi o maior desafio no meu primeiro ano, por ter que ler, escrever e-mails, fazer todas as reuniões em outro idioma

Às vezes, você quer se expressar de uma forma e não tem as palavras. Em segundo lugar, foi ir para uma cidade que, apesar de ser muito sexy, como Nova York, faz você se sentir sozinho, porque as pessoas não têm tempo para nada. Eu não conhecia ninguém, já namorava o meu esposo, que estava no Brasil, e a gente ficou três anos com relacionamento a distância. Então foi difícil. Também fui para Nova York para dar início a uma área que não existia na empresa, o que foi mais um desafio.

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No México, a indústria cervejeira não foi considerada um serviço essencial durante a contingência sanitária e teve que interromper a produção por dois meses por conta do novo coronavírus. Como foi enfrentar esse momento à frente da empresa?

O contexto da Covid foi desafiador para todas as indústrias, todos os profissionais. Nas primeiras semanas, o trabalho foi tentar entender a dimensão [da pandemia no país]. Depois, independentemente de tudo que aconteceu, realizamos mais de 20 iniciativas em dois meses, desde entregar água para comunidades até construir um hospital especializado em Covid em Tijuana [na fronteira com os Estados Unidos]. Então a gente não parou. A boa notícia é que retomamos a produção de cervejas [em 1º de junho] e essa recuperação seguramente vai ser rápida, porque não foi muito tempo [com a produção parada]. E estamos tomando todas as medidas de limpeza e segurança para os funcionários.

A semelhança do nome do novo coronavírus com a cerveja Corona causou algumas brincadeiras nas redes sociais no início da epidemia. Como a marca lidou com isso?

O que é muito característico do mexicano é o humor. Isso foi tomado como humor e para os nossos consumidores não teve nenhum impacto. Para você ter uma ideia, Corona está no seu melhor momento. Obviamente, antes de parar a produção. Foi muito rápido tudo isso e foi levado com humor. Impacto não teve nenhum, na verdade.

Pessoalmente, como você lidou com o isolamento social por conta da pandemia?

Eu sou dessas que acha que estar no escritório é superimportante, porque você se conecta fisicamente com o seu time. Então esse começo foi mais tenso por não poder sair, eu que sou uma pessoa que sempre viajou muito, que sou da praia. O que eu consegui fazer foi criar uma rotina. Nas primeiras semanas, eu trabalhava direto quase 12 horas por dia, esquecia de comer. Com o passar do tempo, fui aprendendo a colocar na agenda o horário para o almoço, como se fosse uma reunião, ter uma hora de exercício diário, que é importante, e aproveitar o fim de semana para relaxar e realmente desligar, conhecer a casa melhor, refletir sobre várias coisas. Hoje eu estou muito mais produtiva do que a antes e impressionada como a gente cresceu e está trabalhando cada vez mais em equipes multifuncionais.

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Quais são as mulheres que te inspiraram profissionalmente?

Uma delas é a Marta Ruiz-Cuevas, CEO de um grupo gigantesco de publicidade [Publicis Media México]. Dá muito orgulho ver o que ela conquistou, e virou uma referência para mim. Uma superinspiração também é a Gabriela de la Riva, que lidera a De la Riva Group, pelo que ela construiu e apostou em entender o mexicano. Pode parecer clichê, mas a outra é a minha mãe, que é uma mulher muito forte. Ela é médica, e os médicos são um pouco mais objetivos, então sempre me ensinou a ter força, olhar para frente, "segura o choro e segue". Eu era a filha mais nova, então cresci muito independente, porque os pais já estão um pouco mais relaxados. A força que ela me passou é algo que eu levo para a vida inteira. É isso que eu gostaria de passar também, a ideia de uma mulher com força e também frágil, porque somos mais emocionais, mas com esse empoderamento de acreditar em nós mesmas.

Você se considera feminista?

Não, zero. Eu não acredito muito no feminismo, acredito na diversidade e na igualdade. Acho que são pensamentos complementares do homem e da mulher. Os homens tendem a ser um pouco mais competitivos, mais objetivos, as mulheres também são, mas nós somos mais colaborativas, inclusivas, de escutar mais. É difícil falar assim porque tem tudo nos dois lados. Não é preto nem branco.

Você faz parte de um programa de lideranças femininas dentro da empresa. Como ele funciona?

É um programa global que a companhia tem, com algumas mulheres do mundo inteiro, com coaching e grupos de discussões com outras do mesmo nível. A gente discute medos, dúvidas, como reagir em algumas situações. É um grupo de confiança, de mulheres de várias áreas e de vários países, falando com mulheres e se ajudando. É transformador.

Que tipos de medos são compartilhados no grupo?

Vários. Se você é capaz, o medo de ser mãe, o medo de lidar com o balanço entre pessoal e profissional. Eu sou casada há três anos e isso é uma coisa supertabu, porque muita gente acha que, se você está em um cargo muito alto, não consegue ter uma família. O meu marido é maravilhoso, foi para Nova York, me acompanhou na mudança para o México.

Eu tenho um parceiro que faz toda a diferença na minha vida. Isso é um tabu, porque culturalmente é a mulher que acompanha o homem, mas isso está mudando

Como você se vê daqui a dez anos?

Eu tenho muitos sonhos. Ser parte do time que está ajudando a empresa a conquistar novos espaços me motiva muito. Eu também me imagino com a família formada, quero ter filhos, e dando exemplo para as próximas gerações de mulheres em posições altas de liderança, de que é possível ter uma vida, uma família. E que eu possa abrir portas para muitas mulheres. A minha grande ambição é ser parte da transformação dessa liderança feminina, tanto na minha empresa quanto no mercado.

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