De peito aberto

Doença ainda desconhecida e questionamentos de padrões fazem cada vez mais mulheres tirarem próteses dos seios

Rafaela Polo colaboração para Universa Arte UOL

A cirurgia de prótese de silicone chegou no Brasil na década de 1960. Rapidamente a "facilidade" de aumentar o volume do colo virou um dos procedimentos cirúrgicos mais populares do país, chegando a cerca de 200 mil cirurgias ao ano, de acordo com o último censo, realizado em 2018, pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. Isso significa 18,8% de todas as cirurgias plásticas realizadas em solo nacional.

Mas o que até pouco tempo era uma maneira de elevar a autoestima e fazer algumas mulheres ficarem mais em paz com corpo, vem causando sérios efeitos colaterais. A chamada "doença do silicone" não é comprovada cientificamente, mas segundo quem sente, gera uma lista de sintomas extensa que inclui cansaço extremo, olheiras, visão turva, dores, queda de cabelo, problemas estomacais... E tudo desaparece após o explante - como é chamada a cirurgia de retirada das próteses de silicone.

"Como ainda não há nenhuma comprovação da existência dessa doença, não há um exame que consiga indicar o silicone como a causa do problema desses pacientes. É difícil fechar um diagnóstico, pois são diversos sintomas sem relação direta, é muito vago", diz o cirurgião plástico Victor Cutait, membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica e professor da Uninove. "Existem mulheres com esses sintomas, mas o número é muito baixo: umas melhoram com a retirada da prótese, outras nem tanto. É necessário afastar outros problemas para depois falar sobre a Síndrome de Ásia", conclui, citando outra doença autoimune que está sendo relacionada ao silicone.

Hoje em dia, o diagnóstico acaba sendo por exclusão: se não é mais nada, pode ser o silicone. E assim, diversas mulheres decidem retirar as próteses para favorecer a saúde.

"Só ouvia coisas positivas sobre colocar silicone"

"Durante a adolescência, sofri muito bullying por conta das minhas olheiras. De tanto ouvir comentários, qualquer coisa que diziam sobre mim eu achava que estava errado e que tinha que arrumar.

Eu nunca "não gostei" dos meus seios. Mas achava que, para ser aceita, precisava ser igual a outras. Tinha 20 anos quando eu pus. No começo, me senti mais bonita com as próteses. Era malhada, estava na faculdade de educação física, então combinou com meu porte. Mas pesava muito. Em menos de um ano, a pele já tinha cedido. Em pouco tempo comecei a repensar minha decisão. Já sabia que ia querer diminuir as próteses em algum momento.

Fiz a troca da prótese em 2013 depois de sofrer um acidente de carro feio e ter uma contratura na mama. A médica, na época, me falou que eu precisaria diminuir a pele da região, mas não me contou que a mastopexia poderia atrapalhar na hora da amamentação. Me senti enganada. Ela tomou uma decisão por mim. Só ouvi coisas positivas sobre colocar silicone.

A cada ano que eu estava com a prótese, notava algo de diferente no meu corpo. Primeiro veio a queda de cabelo, depois os sintomas só aumentaram: fadiga crônica, dores musculares, alteração de peso, dores de cabeça diárias, hipoglicemia, vertigens, pontos pretos na visão, sudorese noturna, meu nariz escorria direto, perda de memória.

Eu fazia exames e nunca era nada, mas sabia que tinha algo de errado. Parecia que meu corpo pedia socorro, mas eu não entendi a mensagem.

No final de 2019 minha contratura aumentou. Eu achava que sentia dores porque estava próximo ao período menstrual e ia levando. Até que chegou um momento em que as dores ficaram insuportáveis. Dividi nos stories do Instagram e uma explantada me apresentou os perfis @perigos.do.silicone e @explantedesilicone. Foi aí que descobri o que estava acontecendo comigo.

Retirar a prótese foi maravilhoso: nada dolorido, não tomei remédio para dor e no dia seguinte já estava caminhando.

Faz quase 3 meses que não tomo um remédio para nada e meus sintomas sumiram. A minha autoestima voltou. Hoje me olho no espelho e me sinto maravilhosa. Meu corpo está super proporcional, não sinto mais aquele peso, incômodo, dores, a minha fisionomia é outra, minha vida é outra, eu estou extremamente feliz." Amanda Djehdian, 34 anos, empresária, ex-BBB e criadora de conteúdo digital

Médicos e pacientes ainda divergem sobre possível doença

Há grandes movimentos na internet de mulheres que se uniram atrás de uma resposta para o problema. O maior grupo do Facebook sobre o assunto chamado "Doença do Silicone - Apoio ao Explante (remoção de prótese)" e conta com 45 mil participantes. Já no Instagram, o número de seguidores do perfil chega a 165 mil.

A principal reclamação de algumas mulheres é que elas não foram avisadas durante suas consultas da possibilidade, mesmo que seja remota, de que poderiam sofrer com essas adversidades. "Quando falamos em cirurgia, nós, médicos, temos obrigação de dizer tudo: o tipo de material, incisão, anestesia, complicações e suas estatísticas... Para que, assim, a paciente decida por conta própria se quer ou não colocar. Há até um termo de consentimento", afirma o cirurgião plástico Victor Cutait.

Mesmo com o crescente movimento para o explante de silicone, a Associação Brasileira de Cirurgia Plástica afirma que o número desse tipo de procedimento ainda é tão pequeno que fica difícil rastrear e culpar as próteses. O cirurgião plástico Leandro Pereira, secretário geral da associação, garante: o procedimento de colocar as próteses é, sim, seguro. "A retirada das mamas é algo que está ganhando força recentemente, mas o número ainda é pequeno e não sabemos dizer se é algo comportamental ou de indicação médica efetiva. Pensamos muito em silicone como uma cirurgia estética, mas temos que considerar reconstruções de mama, mastectomia, grandes assimetrias", diz.

O médico ainda diz que a cirurgia de explante não é algo simples de ser feito. "Não funciona como tirar um aplique de cabelo. Tem que ser estudada, desenhada, pensada. Analisar se precisamos tirar só a próteses, se há necessidade de mamoplastia associada, se é necessário tirar mais do que a prótese. Temos que estudar todo o problema e propor a melhor solução para resolvê-lo", completa. Há também o investimento financeiro. Algumas das entrevistadas de Universa disseram que pagaram cerca de R$ 16 mil pela cirurgia de explante.

Mesmo sem comprovação, mas com a certeza de que precisam tirar suas próteses para que a vida volte ao normal, o que sobra nessas mulheres que passam pela cirurgia de explante é força, amor-próprio e maturidade. Além de Amanda, Evelyn, Renata e Diane contam suas experiências.

"Fiz uma lista do que comecei a sentir após colocar silicone e fiquei assustada"

"Sempre fui magra e não tinha seios, ao contrário das minhas amigas. Com 19, 20 anos você olha e quer ter também. Dá vergonha até de namorar por causa dos seios pequenos. E, mesmo com pouco volume, conseguia perceber que tinha um maior que o outro. Minha decisão foi completamente baseada na autoestima. Hoje em dia, se fala mais sobre aceitação do próprio corpo. Há 10 anos, não era assim.

No começo, não gostei. Senti muita dor no pós-operatório e, com o inchaço, pareciam duas bolas. Com o tempo, o inchaço sumiu e ele foi se ajeitando. Daí fiquei apaixonada! Só queria usar top, decotão... Me achava uma gostosa. O silicone fez com que eu me tornasse o que eu queria ser. Minha autoestima deu um salto e passei a ter coragem de fazer várias coisas: conversar com as pessoas, buscar emprego, me relacionar. Sua postura muda quando você está bem com a sua imagem. Nunca pensei em tirar.

Em 2019, comecei a ter alguns problemas de intestino e a me sentir mal. Fiz vários exames e fiquei esperando os resultados. Não deu nada. Meu ouvido tinha um zumbido muito forte. Parecia que meu corpo estava podre por dentro e eu não sabia o que estava acontecendo.

Foi aí que me deu um clique e lembrei da doença do silicone, pois tinha uma amiga que tinha retirado a prótese. Quando entrei no grupo do Facebook fiquei assustada: eram mais de 40 mil mulheres. Joguei meus sintomas na busca e vi que várias estavam como eu. Fiz uma lista do que comecei a sentir após colocar silicone e notei que muitas reações estavam fora de proporção.

Decidi colocar a saúde em primeiro lugar, mas tirar a prótese é algo que mexe muito com a autoestima. Como eu ia me livrar de algo que coloquei para me sentir bem? Hoje consigo ver beleza em seios pequenos, mas era apaixonada pelos grandes. Precisei cuidar de mim.

Esse pós-cirúrgico foi muito mais tranquilo e em menos de 24 horas já comecei a notar a diferença no meu corpo: minhas olheiras, por exemplo, diminuíram muito, minhas unhas estão mais fortes, minha pele mais viscosa e eu estou dormindo bem. Nem lembrava o que era isso. Até os formigamentos que eu tinha nas extremidades foram embora.

Para mim, a retirada foi positiva, mas trabalhei muito a minha cabeça antes. Já vi muitas mulheres que ficam desesperadas e retiram as próteses sem se preparar. Quando viram o resultado ficaram infelizes. Não conseguiram lidar com o fato de agora terem seios pequenos novamente. Tem que cuidar da cabeça, olhar no espelho e se achar gostosa, como sempre fomos. Eu não consigo mais nem lembrar dos meus seios com prótese" Evelyn Sotam, 29 anos, arte educadora, bailarina, de São Paulo

"Meus seios doíam muito e minhas costas também. Era difícil respirar"

"Gosto muito de modificações corporais. Tenho muitas tatuagens, piercings e sempre gostei muito de tratamentos estéticos. Fazia para ficar melhor, me sentir bem. Também gostava muito da estética do silicone, do peito grande. Em 2010, comecei a pensar em colocar a prótese. Não via cirurgia plástica como algo ruim, mas hoje sei que é complicado. Coloquei silicone no impulso.

Mas percebi que o silicone estava me fazendo mal desde o momento que acordei da cirurgia. Me arrependi do tamanho logo que eu cheguei em casa: estava muito grande, mas eu queria assim. Hoje acho que um sutiã com bojo já teria me deixado mais feliz.

O meu maior problema é que nunca mais fui a mesma. Meus seios doíam muito e minhas costas também. Era difícil respirar e nunca mais tive sensibilidade na região. Fui a vários médicos, mas como não tinha nada de errado com a minha prótese, eu aceitei.

Nunca mais dormi de bruços ou fiz uma massagem. Não tinha prazer nem sexual na região pela falta de sensibilidade. Me falaram que ia passar. Tomei remédios, vitaminas, fiz tratamentos e nada melhorava a dor. Quase todo mundo que ouvia sobre meu desconforto dizia que era a dor da beleza. Então eu só a aceitava.

Nunca mais tirei o top, porque mexer os seios doía. Mas era lindo e essa contradição mexe muito com a cabeça. Com os seios daquele tamanho me tornei uma mulher 'sensual demais' 24 horas por dia e não gostava daquela imagem. Nas festas tudo bem, mas no ambiente de trabalho não queria carregar essa imagem. As pessoas olhavam tanto que mudei minha maneira de vestir para esconder.

O difícil é começar a aceitar que algo que te deixa bonita está te fazendo mal. Sem contar a culpa, já que fui eu quem quis colocar silicone.

A gente sofre por tudo. E nunca tinha lido nada sobre o problema do silicone. Foi duro abstrair da estética, mas aprendi a ver beleza em outras coisas. Para mim, bonito hoje é poder abraçar as pessoas e dormir sem sentir dor.

Comecei a pesquisar na internet e, por sorte, cruzei com uma moça segurando as próteses. Tive um estalo: meus peitos estavam me fazendo mal. Nós tínhamos sintomas iguais e existiam outras mulheres falando sobre isso. Criei um grupo no Facebook para falar sobre isso na época e hoje, apesar de eu não ser mais administradora, ele já tem cerca de 40 mil mulheres. Meu intuito ao criar o grupo não é afirmar que a doença existe, e sim, chamar a atenção dos médicos para o fato de que tem muitas mulheres se sentindo mal após a prótese. Nós só queremos entender o que está acontecendo.

Acordar do explante foi como ter voltado a ser quem eu era. Claro, tive muita dor e minha cicatriz ficou bem grande, mas a recuperação foi agradável. Tive melhoras assustadoras muito rapidamente. A primeira delas foi minha energia, que retornou. Eu desinchei, meu rosto mudou, minhas unhas cresceram, meu cabelo parou de cair, meu olho começou a ter brilho e minha visão embaçada melhorou.

A melhor parte foi que a minha sensibilidade voltou. Ela não está 100%, mas depois de uns dois anos voltei a sentir estímulos na região. Ter meu corpo 'normal' de novo foi ótimo, uma sensação de liberdade que eu não imaginava que precisava." Renata Zi Colconi, 32 anos, design de joias é de São Paulo (SP), mas atualmente mora em Londres

"Eu era muito feliz com silicone, não queria admitir que me deixava doente"

"Tomei a decisão de colocar silicone porque, para mim, ter seios pequenos era um problema. Eu tinha vergonha de colocar biquíni e quando comecei a namorar, tinha vergonha de ficar de lingerie ou tirar a roupa na frente do namorado,

Aos 21 anos, fui trabalhar como comissária de bordo. No exame admissional com o médico da empresa, ele me falou: 'Nossa, você é uma menina muito bonita. Pena que não tem peito. Se você colocasse silicone ficaria mais proporcional'. Eu tinha 21 anos e não era bem resolvida com a minha aparência. Esses comentários me doíam muito.

Colocar prótese foi uma realização de um sonho. Me preparei, juntei dinheiro... Eu falo para as mulheres que me procuraram por causa do explante que eu entendo a frustração de ficar sabendo que está com a doença do silicone e que vai precisar tirar.

É muito frustrante ter que se conformar. Eu era muito feliz com a minha aparência com o silicone, não queria admitir que era ele que estava me deixando doente.

Descobri os problemas por acaso. Após o nascimento do meu primeiro filho, notei que tinha problemas com a amamentação. A impressão que eu tinha era que o silicone ficava apertando as glândulas mamárias. Até que eu encontrei uma reportagem falando da doença do silicone, que tinha uma lista de sintomas. Eu tinha metade deles.

É tudo muito aleatório: candidíase, infecção urinária de repetição, enxaqueca, dores nas articulações, infecções frequentes, alergias de pele, problemas no joelho, olheiras profundas, pigmentação alterada da pele, queda de cabelo... Eram sintomas que eu já estava tratando com vários médicos.

Eu procurei a cirurgiã que eu coloquei silicone. Ela nem me respondeu. Então, entrei no grupo do Facebook e vi que 90% das mulheres que estavam lá tinham passado por isso: médicos desacreditando, dizendo que não existe, que é algo muito raríssimo e que nunca acontece...

Foi lá que descobri que tinha uma lista de médicos mais atualizados sobre as pesquisas desse problema e fui atrás de uma médica dessa lista. A cirurgia de retirada foi um pouco mais complicada do que a de colocar. No explante, precisa fazer um raspagem da cápsula que fica em torno do silicone que se gruda nos tecidos, muscular, mamárias, e que está colado no osso do tórax. Tem que fazer uma descolagem do entorno e essa cápsula retém muitas toxinas que causam os sintomas. Eu fiquei com uma sonda para retirar o líquido que fica naquele 'vazio' da prótese por uma semana.

Eu já me senti melhor quando eu acordei da cirurgia. Eu estava descansada quando voltei da anestesia, como não me sentia há sete anos. Minhas olheiras tinham sumido, a cor da minha pele tinha voltado. Como se o problema tivesse sido tirado com a mão. Fiz a retirada em outubro de 2019 e desde então nunca mais tive nenhum sintoma. Diane Neubüser, jornalista, 33 anos, de Cerro Largo (RS)

Antes de "entrar na faca", o ideal é procurar apoio terapêutico

A necessidade de se encaixar em padrão de corpo não nasce com a gente, ela é construída. É na busca de ter a mesma aparência de algumas mulheres que a sociedade diz serem o exemplo de beleza que questionamos o que somos. Qualquer mudança física pode ser traumática, por isso é sempre bom entender o motivo pelo qual gostaríamos de dar um passo.

As mulheres que passam pelo explante, fazem o movimento contrário: retirar algo que amavam, que traziam a elas aquela aparência que buscavam e voltar a ter aquele corpo que não consideravam bonito. Nos casos daquelas que estão lidando com a doença do silicone, manter os seios fartos se torna insustentável. E agora? "Se for impossível ter o corpo que consideramos ideal, precisamos aprender a lidar com essa frustração e desenvolver a sexualidade de uma outra forma. Se não tem como resolver, é necessário tirar o foco do problema", diz a psicóloga Marina Vasconcellos, de São Paulo. O processo de voltar a ter os seios do tamanho antigo é também um momento de redescoberta.

Se a decisão por essa retirada está sendo difícil, há especialistas que indicam que o explante não seja feito, digamos, de uma forma brusca. E sim, quando a mulher já se sentir pronta para viver com o novo corpo. "Se a cirurgia precisa ser feita pelo bem da saúde, mas ela ainda não se sente confortável, talvez seja o caso de esperar, de forma ativa, até que se sinta pronta", diz Ronaldo Coelho, psicólogo e psicanalista.

Essa "forma ativa" seria se preparando para esse momento, com ajuda de terapia. "Esse processo implica em reconhecer que não é possível ter tudo: você renuncia uma coisa em detrimento de outra", completa Ronaldo. O processo é longo, mas quando necessário, inevitável. Saúde sempre em primeiro lugar.

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