Conteúdo publicado há 8 meses

Justiça do PR condena homem por matar ex que relatava agressões em diário

A Justiça do Paraná condenou ontem (23) José Francisco da Silva pelo assassinato da ex-mulher, Elisete Menin Arnold, em 2019. A pena foi de 18 anos e 9 meses de prisão e cabe recurso. Uma das provas cabais citadas pelo juiz foi um diário em que Elisete narrou dois anos de agressões praticadas pelo então companheiro, incluindo ofensas, xingamentos, ameaças e violência física. No caderno, ela também contava como se sentia dentro da relação. "De maneira trágica, o diário de Elisete se tornou uma ampulheta de seu próprio homicídio", afirmou o juiz Daniel Ribeiro Surdi de Avelar.

Apesar de o caso envolver indícios de feminicídio, comprovadas pelo diário e por testemunhas ouvidas no julgamento, essa qualificadora não foi incluída no caso por "incompetência do Ministério Público", que não enxergou o crime de gênero, segundo a própria promotora à frente do caso. "O caso tem todos os ingredientes de feminicído", explicou Roberta Franco Massa durante o julgamento.

O MP-PR requereu a condenação apenas por motivo torpe. Foi a assistência de acusação, representada pela advogada dos familiares da vítima. Thayse Cristine Pozzobon, que pediu a inclusão de outra qualificadora: recurso que dificultou a defesa da vítima, uma vez que Silva segurou Elisete antes de matá-la. O júri, composto por quatro homens e três mulheres, acolheu integralmente o pedido da advogada.

A pena por feminicídio vai de 12 a 30 anos e, como o crime foi praticado em descumprimento a uma medida protetiva e na frente de uma das filhas da vítima, a pena poderia aumentar de um terço a até a metade da pena inicial que ele receber, chegando, portanto, a 45 anos.

"Apesar das inúmeras falhas do Estado, que deixou de aplicar a qualificadora de feminicídio, a função da assistência de acusação se fez essencial. Sem a segunda qualificadora do homicídio, a pena seria reduzida em pelo menos seis anos", explica Thayse a Universa.

Sobre a condenação, a advogada diz que é uma resposta aos familiares de Elisete, mas também "mostra a todos os homens, sejam maridos, pais, companheiros ou filhos, que a violência doméstica não pode existir". "Além disso, é uma mensagem ao Estado de que a própria sociedade, representada pelos jurados, não tolera mais esse tipo de conduta. A evolução social é lenta, mas ela chega, e o Poder Judiciário deve acompanhá-la", diz Thayse.

Silva é representado pela Defensoria Pública do Paraná, que foi procurada pela reportagem para comentar a decisão. O órgão afirma, em nota, que vai pedir a anulação do julgamento. "O defensor público David Bezerra, representante do réu, entendeu que os jurados não levaram em consideração que o acusado, de acordo com laudo pericial, é semi-imputável", diz o comunicado, referindo-se a problemas psiquiátricos que Silva apresentaria. "De acordo com Bezerra, ao ignorar a conclusão do perito de que o réu tinha a capacidade reduzida de evitar o ato, os jurados tomaram uma decisão manifestamente contrária às provas dos autos."

De acordo com a defensoria, não há objeção aos outros pedidos da acusação. "A autoria foi comprovada, mas o julgamento deve ser anulado em razão de a decisão ter sido divergente das provas mencionadas nos autos."

"Como posso amar uma pessoa que me maltrata tanto?"


Em dezembro de 2019, Universa publicou com exclusividade trechos do diário de Elisete, único meio pelo qual ela conseguia desabafar sobre as agressões sofridas. O caderno foi citado diversas vezes durante o julgamento, inclusive na sentença.

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A violência salta das páginas:

"Deu dois socos na minha cabeça."

"Cuspiu na minha cara."

"Preciso de ajuda, vou enlouquecer."

Ela também se queixava de ofensas e humilhações que sofria ao lado do então marido.

"Olha só o que diz: que sou sem bunda, barriguda, desgraçada, vagabunda, podre, verme, prostituta nata, que só fico olhando pra macho", relata em um trecho.

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"Nem eu me entendo. Como posso amar uma pessoa que me maltrata tanto? Diz que me ama, mas quando está bem. Quando entra em crise, diz que sou a pior mulher do mundo. [Sou a pessoa] que tanto te ajudou e te amou de verdade mesmo escutando tudo isso."

Ela chega a revelar que pensou até em se matar, pois não conseguia sair da relação e tinha vergonha de contar aos filhos o que passava.

Relata, ainda, uma tentativa anterior de feminicídio, em 2018. "Quis me bater com um pedaço de pau. Se eu não me afastasse, teria rachado a minha cabeça. Só porque fui trabalhar e você não queria, por ciúme."

Quando finalmente conseguiu acabar o relacionamento, Elisete começou a ser ameaçada por Silva, que lhe pedia a casa em que vivia. Ela conseguiu um empréstimo de R$ 7 mil para para dar ao ex, mas ele não aceitou e a assassinou na frente da casa de uma das filhas. Deu dois tiros, o corpo dela no chão. Ele fugiu, mas se entregou 20 dias depois.

Na época em que a reportagem sobre o diário foi publicada, Universa conversou com uma das filhas, Raquel Arnold, que encontrou o diário da mãe. Ela disse que aceitou compartilhar o caderno na tentativa de fazer com que outras mulheres que enfrentam uma situação de violência doméstica percebam o perigo que correm antes de terem um desfecho como o de Elisete.

"Quanto mais cedo conseguir se livrar, melhor. Não espere chegar o estopim. Não espere ele te bater para pedir a medida protetiva. Se faltou com respeito, xingou, já tem que dar um basta", diz.

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Como denunciar violência doméstica

Se você está sofrendo violência doméstica, seja ela física ou psicológica, ou conhece alguém que esteja passando por isso, pode ligar para o número 180, a Central de Atendimento à Mulher.

Funciona em todo o país e no exterior, 24 horas por dia. A ligação é gratuita. O serviço recebe denúncias, dá orientação de especialistas e faz encaminhamento para serviços de proteção e auxílio psicológico.

O contato também pode ser feito pelo Whatsapp no número (61) 9610-0180.

Para denunciar formalmente, procure a delegacia próxima de sua casa ou então faça o boletim de ocorrência eletrônico, pela internet. Outra sugestão, caso tenha receio em procurar as autoridades policiais, é ir até um Cras (Centro de Referência de Assistência Social) ou Creas (Centro de Referência Especializado de Assistência Social) da sua cidade.

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Em alguns deles, há núcleos específicos para identificar que tipo de ajuda a mulher agredida pelo marido precisa, se é psicológica ou financeira, por exemplo, e dar o encaminhamento necessário.

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