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'Normal', 'foi Deus': absurdos que mulheres ouviram após aborto espontâneo

Mindful Media/Getty Images/iStockphoto
Imagem: Mindful Media/Getty Images/iStockphoto

Glau Gasparetto e Thaís Lopes Aidar

Colaboração para Universa, em São Paulo

25/11/2022 04h00

Os sonhos e expectativas de uma gestação recém-descoberta podem ser duramente quebrados por um evento natural e muito doloroso: o aborto espontâneo. Muitas vezes, o quadro sequer tem uma causa identificada, mas deixa marcas profundas em quem passa por isso.

Além das dores físicas e emocionais causadas pela perda do bebê, muitas mães ainda não recebem o acolhimento esperado - e merecido - para o momento. Assim, um episódio triste pode ficar ainda pior.

Sem apoio, essas mulheres têm, muitas vezes, a situação banalizada e ainda precisam lidar com os comentários cruéis e fora de hora. A partir de agora, você lê frases reais ditas às mães após perderem seus filhos em um aborto espontâneo - e que não deveriam ter sido proferidas e sequer repetidas.

"Não se preocupe que é normal"

Quem teve a perda gestacional normalizada foi a fonoaudióloga Izabel Carvalho de Resende Costa, 37 anos, de Nova Lima (MG). Com dificuldade em segurar a gravidez devido à trombofilia, ela passou por dois abortos, sendo um deles retido - quando é necessário se submeter a um procedimento para retirar completamente o feto.

Izabel-Costa e a filha a Manuela. Na foto ela está grávida de Rodrigo - Acervo pessoal  - Acervo pessoal
Izabel-Costa e a filha a Manuela. Na foto ela está grávida de Rodrigo
Imagem: Acervo pessoal

"Para mim, não é normal a gente perder um filho, né? Por mais que não tenha nascido e a gente não tenha tido contato físico, não tenha segurado a criança, foi um filho sonhado, desejado e amado, que não se concretizou. Pode ser uma situação comum de acontecer, com várias mulheres, mas eu acho que normal nunca vai ser", desabafa a fonoaudióloga, hoje mãe de Manuela, 2 anos, e de Rodrigo, que deve vir ao mundo a qualquer momento.

"Não liga, você está nova e daqui a pouco engravida mais uma vez"

Os comentários nada empáticos sobre a perda de Izabel não pararam por ali. No segundo aborto natural, as pessoas tentavam amenizar a situação dizendo que ela era nova e logo, logo, já estaria grávida de novo, como se aquilo curasse a dor de perder um filho.

"É como se fosse substituir aquele primeiro. Para mim, pessoalmente, nenhum substitui o outro. Eu lembro as datas, os momentos dos dois primeiros, e as pessoas normalizam uma dor que, para quem vive, não é normal. Me incomodou muito essa questão das pessoas não terem empatia ou tentarem, de alguma forma, amenizar a dor, mas não saberem escolher direito as palavras", lembra a mãe.

"Não era para ser agora"

Quem também não escapou das frases indelicadas após sofrer uma perda gestacional foi a executiva de contas Marcella Pedroso, 34 anos, de São Paulo. O aborto aconteceu quando o filho mais velho, Miguel, 9 anos, tinha apenas 4 ainhos. Depois disso, ela deu à luz Maria Luísa, hoje com 3 anos.

Marcella Pedroso e os filhos: Miguel, Maria e Luísa - Acervo pessoal  - Acervo pessoal
Marcella Pedroso e os filhos: Miguel, Maria e Luísa
Imagem: Acervo pessoal

"A partir do momento que eu descobri estar grávida, muita coisa mudou e eu comecei a sonhar com aquele bebê, independentemente de ter sido planejado ou não. E outra: mexe muito conosco o fato de não ter ido para frente. Isso foi dito por pessoas muito próximas, o que acaba doendo um pouco mais", compartilha a executiva.

"Não é a primeira, nem será a última a perder um bebê"

Normalizar o aborto e sugerir que a mãe está sendo dramática é uma reação bastante comum das pessoas de fora e Marcella sentiu isso. Ela relembra que se culpou pela gravidez não ter evoluído mesmo sabendo que qualquer mulher pode enfrentar esse quadro e que, na maioria das vezes, as causas fogem ao controle das mães.

"Eu não quis ir atrás para saber o motivo de não ter avançado. Quando soube que estava grávida, o saco gestacional estava muito abaixo do habitual e a médica da época não comentou que eu poderia perder o bebê, mas a outra profissional que passei, quando perdi, comentou comigo", compartilha.

"Logo você tem outro"

"Essa frase é absurda e dói muito. Primeiramente, porque não somos coelhas para tantas gestações. E, segundo, porque um filho jamais vai substituir o outro. Descobri que tinha perdido meu filho na 11ª semana de gestação e, por conta disso, parece que, para outras pessoas, era algo irrelevante", desabafa a professora universitária Anne y Castro Marques, 38 anos, de Pelotas (RS), mãe de Heitor, 6 anos, e Bianca, 3 anos.

"Foi melhor assim, pois ainda não tinha apego"

Melhor para quem? Mesmo não tendo um contato físico ou um álbum de memórias, o amor e apego materno já existem. Basta o segundo traço aparecer no teste de gravidez para as mães começarem a amar seus filhos incondicionalmente.

"Isso é mentira pura! No meu caso, aquele filho era tão amado e desejado, que até hoje, sete anos e dois filhos depois, ainda sinto a perda dele. É como se não fosse uma dor válida, como se não existisse o luto, sabe?", diz Anne.

"Deus tira um e manda dois"

A tentativa de conforto foi dita para a assessora de eventos Daise Souza, 40 anos, de Cotia (SP), que sofreu dois abortos antes de conseguir ser mãe.

Ela lembra o quão duro foi ouvir tal comentário após uma perda grande, de um filho tão sonhado pelo casal. "Enquanto me disseram isso, saiu o resultado e eu descobri que o meu sangue era O negativo e do meu esposo Leanderson, O positivo. Por isso, meu corpo entendeu que o bebê era um vírus e acabou expulsando", lembra ela, hoje mãe de Maria Clara, 3 anos, e Theo, 8 meses.

"Não respeitou os primeiros meses"

É mais comum do que se imagina tentar culpar a mãe pelo aborto espontâneo, o que também aconteceu com Daise, que foi "criticada" por não ter seguido os cuidados recomendados no primeiro trimestre em seu segundo aborto.

Porém, as duas perdas sofridas foram motivadas por situações que nada tinham a ver com seu comportamento - na primeira, foi pela tipagem sanguínea, e, na segunda, decorrência do estresse vivido em um assalto, quando estava com 13 semanas. "Era como escutar que eu não estava preparada para ser mãe e, por isso, Deus levou", comenta.

"Por que não vai no hospital tirar?"

A professora de idiomas Adriana Pasello, que mora em Chicago, teve um aborto retido e optou por aguardar o corpo eliminar o feto naturalmente. "O que mais me incomodou foram as coisas ditas enquanto estava 'grávida' aguardando o meu organismo expelir, vindas principalmente por familiares". Na época, Adriana tinha 38 anos e há 7 ela e o marido Renato tentavam a gravidez.

Adriana Pasello com os filhos, Samuel e Izabel, e o marido Renato - Acervo pessoal  - Acervo pessoal
Adriana Pasello com os filhos, Samuel e Izabel, e o marido Renato
Imagem: Acervo pessoal

"Fizemos investigações médicas, exames, consultas, coisas e tal, mas optamos que a gestação viesse de forma natural. Era minha primeira vez e, como o aborto retido geralmente acontece de forma assintomática, só descobri quando fui fazer o ultrassom para descobrir o sexo, com cerca de 12 semanas", conta.

"Já saiu? Quanto tempo vai esperar?"

Demorou em torno de três semanas para o corpo de Adriana expelir o feto que não evoluiu, período que era alvo dos comentários. "Entendo a preocupação da família, porém, quando a gente está vivendo uma experiência traumática como essa, esse tipo de comentário não ajuda ou contribui e só me causava irritação porque era um questionamento sobre a minha decisão", lembra-se ela, hoje com 55 anos e mãe de Isabel, 15, e Samuel, 13. A professora lembra ter sido bem incisiva que não seria ser incomodada ou questionada. "Ouvi, mas me posicionei", avalia.