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Autistas encaram barulho e lotação para ir ao estádio ver o time do coração

Juliana Prado é co-fundadora da torcida Autistas Alvinegros  - Acervo pessoal
Juliana Prado é co-fundadora da torcida Autistas Alvinegros Imagem: Acervo pessoal

De Universa, em São Paulo

04/11/2022 04h00

Juliana Prado, 30 anos, nunca tinha ido ao estádio antes de ser diagnosticada com autismo, em 2021. Corintiana, ela passou a frequentar os jogos neste ano. Antes da partida, a ansiedade bate. E após, a sobrecarga da emoção e do barulho é forte, por isso, Juliana volta para casa com fone para abafar ruídos. Mas, segundo ela, tudo vale a pena. "Estar nos estádios acompanhando o Corinthians sempre foi um sonho para mim", conta a assistente administrativa.

De acordo com Juliana, seu hiperfoco é o Corinthians. O hiperfoco é algo comum entre pessoas autistas e tem a ver com um interesse em que a pessoa deposita intensa concentração. "Não ia antes aos jogos por não ter companhia", conta ela.

Em abril deste ano, Juliana se uniu a um amigo e criou a torcida Autistas Alvinegros. "O Rafael, que também é autista, teve a ideia e me chamou para fazer parte. Eu topei, e confeccionamos uma faixa para levar ao estádio, sem pretensão nenhuma", conta Juliana. No primeiro jogo a que foi, durante a Copa do Brasil em uma partida entre Corinthians e Santos, a sinalização de que ali havia torcedores autistas chamou a atenção.

O goleiro Cássio, que tem uma filha com autismo —Maria, 4 anos—, procurou Juliana e Rafael depois de ver a faixa no estádio. "A gente não sabia sobre o diagnóstico da Maria, foi uma surpresa. No primeiro contato, ele nos pediu camisetas da torcida e nos contou que era um pai atípico. Como ninguém falava sobre isso, na época não comentamos nada para não expor a história dele", conta Juliana. Rafael foi até o Centro de Treinamento do Corinthians entregar o presente a Cássio.

A Neo Química Arena tem espaço para autistas, mas Juliana Prado ainda consegue ver o jogo na arquibancada  - Acervo pessoal  - Acervo pessoal
A Neo Química Arena tem espaço para autistas, mas Juliana Prado ainda consegue ver o jogo na arquibancada
Imagem: Acervo pessoal

O goleiro usou a camiseta em uma entrevista após o jogo, quando falou publicamente do diagnóstico da filha. Juliana se lembra de quando recebeu a mensagem do ídolo no Instagram. "Como fã, comecei a surtar quando ele nos mandou uma DM [direct message]. Cássio nos parabenizou", conta.

A Neo Química Arena, estádio do Corinthians, tem uma sala especial para quem é autista assistir aos jogos, com isolamento acústico, TV e sofás para dar mais conforto àqueles que têm sensibilidade a ambientes lotados e a muito barulho. Qualquer autista, com laudo em mãos, tem isenção e pode levar até três acompanhantes pagando meia-entrada no setor oeste superior.

"Me sinto incluída. O Corinthians é o time do povo e sempre esteve à frente de várias dessas questões relativas às pessoas com deficiência. Saber que tenho um ambiente para ser recepcionada no jogo do meu time do coração é muito gratificante. Me sinto parte da sociedade", diz.

Para ela, a iniciativa vai além do esporte. "Não é só sobre futebol. Estamos usando o esporte porque ele tem uma visibilidade absurda, mas vai além disso. É levar conscientização e incluir o autista na sociedade."

Inspiração para outras torcidas

Depois da iniciativa de Juliana, outras torcidas organizadas para pessoas autistas começaram a surgir. "Vi a ideia da Ju e pensei: 'Por que não fazer igual no Palmeiras?'. Eu sempre quis ir ao estádio, mas não consigo por causa do barulho da torcida", diz a estudante de história Mariana Garcia Lima, 24 anos, que tem autismo.

Mariana ainda não teve a oportunidade de fazer uma bandeira para os Autistas Alviverdes, nome que deu à sua torcida palmeirense, mas contará com a ajuda de um amigo para levá-la ao estádio pela primeira vez quando estiver pronta. Ela ainda não falou com ninguém do clube, mas espera ajudar a dar visibilidade no universo do futebol para as pessoas com autismo.

"O autismo não é tão incapacitante quanto pensam. Tem muitos palmeirenses me procurando, falando que acharam legal a iniciativa", diz Mariana, que espera receber o reconhecimento do Palmeiras, seus jogadores e a presidente.

Monike é mae atípica de Frederico, de 4 anos, que tem autismo - Acervo pessoal  - Acervo pessoal
Monike é mãe de Frederico, de 4 anos, que tem autismo
Imagem: Acervo pessoal

A empresária Monike Lourinho, 29 anos, faz parte do movimento de torcida organizada para autistas do time do Fluminense. "Ainda nem é uma torcida, e sim, um movimento. Vejo que a arquibancada não é um local inclusivo. Meu filho, Frederico, tem seis anos e é autista. Ele tem resistência em relação ao barulho e, mesmo levando abafador, ele fica incomodado no estádio", conta. A criança foi batizada em homenagem a Fred, ídolo do time.

Monike levou o filho ao Fla-Flu e ele não conseguiu ficar até o final da partida. Devido ao barulho, Frederico pediu para ir embora. "Percebi que precisamos incluir as pessoas. Meu filho tem essa dificuldade e queremos torcer para o Fluminense, como outras famílias", conta.

Ela afirma que não quer uma arquibancada silenciosa, mas um espaço apropriado para quem tem a deficiência poder curtir o futebol. "Falei com algumas pessoas para nos movimentarmos e criarmos um projeto de lei para que o Maracanã tenha um espaço para pessoas autistas, como a Neo Química Arena", diz Monike.

"Estamos tentando falar com o atual presidente do Fluminense para ver se conseguimos ganhar força", diz.

Rosângela Barbosa e seu marido, Michael Barbosa, têm um filho autista de 4 anos - Acervo pessoal  - Acervo pessoal
A advogada Rosângela Barbosa, 38, e seu marido Michael Barbosa, 41, engenheiro, têm um filho autista de 4 anos
Imagem: Acervo pessoal

A torcida tricolor paulista também tem seus representantes. A advogada Rosângela Barbosa, 38 anos, e seu marido, Michael Barbosa, 41 anos, engenheiro, são pais de João, um menino autista de 4 anos. Ao saber da torcida do Corinthians, pesquisaram se existia similar no São Paulo. Como não encontraram, resolveram criar. A primeira experiência com seu filho no estádio foi em uma partida entre o Tricolor e o Atlético Goianiense, no fim de outubro.

"Deu tudo certo. Mesmo com o barulho e movimento da rua, ele ficou tranquilo. Durante a partida, ele colocou a mão nos ouvidos algumas vezes, quando as pessoas começaram a gritar mais e na hora dos gols. Eu levei fone para abafar o barulho, mas ele não quis usar", conta Rosângela. Ela deixou o filho o mais à vontade possível, mas o cansaço foi inevitável.

Embora recente, a torcida já chegou aos diretores time. "O fotógrafo do São Paulo entrou em contato com a gente. Pediu para que mandássemos uma mensagem para os responsáveis no estádio, mas ainda não entraram em contato conosco", conta Rosângela.

Rosnagela e o Marido foram com o filho ao estádio pela primeira vez a poucos dias  - Acervo pessoal  - Acervo pessoal
Rosângela e o marido foram com o filho ao estádio pela primeira vez há poucos dias
Imagem: Acervo pessoal

"Ficamos os 90 minutos, curtimos um pouco com o mascote do São Paulo e gritamos para ele levar a nossa mensagem para dentro do clube", disse. Para Rosângela, importante mesmo seria que o Morumbi tivesse um espaço especial para autistas como a Neo Química Arena. "Agora é aguardar se vamos conseguir essa sala para pessoas com TEA [transtorno do espectro autista], que é tão desejada."