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'Louca', 'cabresto': Alesp vota cassação de 3 deputados por falas machistas

Os deputados estaduais Wellington Moura, Gilmaci Santos e Douglas Garcia podem ter seus mandatos cassados - Divulgação/Alesp
Os deputados estaduais Wellington Moura, Gilmaci Santos e Douglas Garcia podem ter seus mandatos cassados Imagem: Divulgação/Alesp

Mariana Gonzalez

De Universa, em São Paulo

07/06/2022 13h15

O Conselho de Ética da Alesp (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo) pode decidir hoje pela cassação de três deputados -Wellington Moura (Republicanos), Gilmaci Santos (Republicanos) e Douglas Garcia (PTB)— todos por terem feito falas machistas, racistas ou transfóbicas contra colegas deputadas, no mês passado.

"Eles não nos combatem na política, mas com violência de gênero", disse a deputada Monica Seixas (PSOL), alvo de parte das ofensas que serão analisadas hoje, em entrevista concedida a Universa dias depois das agressões.

"O que está acontecendo no maior parlamento da América Latina é muito sério. Parece que ao mesmo tempo que mais mulheres vão entrando na Alesp, os homens reagem com mais violência e brutalidade", criticou.

Relembre as afirmações ofensivas

Todas as afirmações que serão analisadas hoje pelo Conselho de Ética foram feitas no dia 17 de maio, quando os parlamentares da Alesp discutiam a cassação do ex-deputado Arthur do Val, por falas machistas contra mulheres ucranianas.

Na ocasião, Mônica Seixas foi alvo de ofensas machistas e racistas pelos deputados Gilmaci Santos e Wellington Moura, vice-presidente da Alesp, e Erica Malunguinho (PSOL-SP) foi vítima de transfobia cometida pelo deputado Douglas Garcia —o que também é crime, reconhecido pelo STF (Supremo Tribunal Federal) desde 2019.

A violência política, vale dizer, atinge de forma mais grave mulheres negras e LGBTQIA+, como Monica Seixas e Erica Malunguinho, segundo uma pesquisa divulgada pelo Instituto Marielle Franco, no ano passado.

A deputada Monica Seixas (terceira da esq. para dir.), durante debate na Alesp - Alesp - Alesp
A deputada Monica Seixas (terceira da esq. para dir.), durante debate na Alesp
Imagem: Alesp

"Vou colocar um cabresto na sua boca"

Monica Seixas estava no microfone do plenário quando teve sua fala interrompida a pedido do vice-presidente da Alesp, Wellington Moura, que sentiu-se no direito de falar que colocaria um cabresto na colega —o cabresto é um arreio de corda ou couro que serve para prender ou controlar a marcha do animal, e foi usado contra escravos.

"Vou colocar um cabresto na sua boca", disse Moura, a quem Monica retrucou: "Você não vai calar minha boca". E ele respondeu: "Vou sim".

Além de pedir a cassação de Welington Moura ao Conselho de Ética da Alesp, a deputada protocolou uma representação criminal contra Wellington Moura na Decradi (Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância), sob acusações de que ele teria cometido injúria racial.

O documento pede que Moura seja investigado por "por animalizar a deputada assim como os escravocratas num período já condenado da história do Brasil". A advogada Renata Cezar, que assina a representação, também afirma que "houve ofensa à dignidade e decoro da deputada Monica Seixas em sua forma mais vil e cruel, que é utilizando uma ferramenta que pessoas negras escravizadas eram submetidas para que se calassem e servissem ao escravocrata".

Em nota enviada ao UOL, o deputado declarou que o uso do termo "'cabresto' foi no sentido do dicionário, em que a palavra segue sendo algo que controla".

A depitada estadual Erica Malunguinho, primeira trans eleita para a Alesp, discursa em plenário - Alesp - Alesp
A depitada estadual Erica Malunguinho, primeira trans eleita para a Alesp, discursa em plenário
Imagem: Alesp

"Louca" e dedo no nariz

Na mesma ocasião, Monica também foi chamada de louca pelo deputado Gilmaci Santos (Republicanos-SP), que colocou o dedo em riste, na direção de seu nariz. Ele também é citado no boletim de ocorrência registrado por injúria racial no Decradi.

Em 2021, a deputada precisou se ausentar da Alesp para tratar de um quadro de depressão -a Universa, ela contou que, desde então, "'louca' e 'vai tomar seu Gardenal' é o mínimo que eu escuto todas as vezes que entro no Plenário". Gardenal é uma medicação usada para tratar convulsões.

Gilmaci também pode ter seu mandato cassado na sessão do Conselho de Ética prevista para a tarde de hoje.

"É violenta por se achar mulher"

O deputado Douglas Garcia ofendeu a deputada Érica Malunguinho (PSOL) ao dizer que ela é violenta com as mulheres por "se achar mulher" —Érica é uma mulher trans, a primeira eleita para ocupar uma cadeira na Alesp. O episódio também foi denunciado ao Conselho de Ética.

Nas redes sociais, ele não reconheceu que errou, e questionou: "onde está a transfobia? Chama no VAR", escreveu, citando o árbitro assistente de vídeo acionado em lances duvidosos no futebol.

Essa não é a primeira vez que Garcia comete transfobia publicamente: em 2019, pouco depois de tomar posse como deputado estadual, ele disse, em plenário, que expulsaria uma mulher transexual "a tapas" de um banheiro feminino. Na ocasião, ele também foi denunciado por Malunguinho ao Conselho de Ética da Casa e recebeu uma advertência.

Violência política de gênero é crime

O termo se tornou crime em abril —desde então, "assediar, constranger, humilhar, perseguir ou ameaçar candidatas ou mulheres eleitas com a finalidade de dificultar a campanha ou o exercício do mandato usando menosprezo ou discriminação à condição feminina, à sua raça, etnia ou cor" pode levar a pena de um a quatro anos de prisão.

"A misoginia, a transfobia e o racismo são estruturais em nossa sociedade e isso não é diferente nas casas legislativas: as formas mais sutis e cotidianas dessas violências são aceitas porque parecem inofensivas", fala Hannah Maruci Aflalo, professora de Ciência Política da da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e co-diretora do projeto Tenda das Candidatas.

Ela continua: "A violência de gênero passa por um processo de deslegitimação sistemático que tende a diminuir a percepção sobre sua gravidade e importância. Analisar esses episódios de forma institucional é reconhecer e tratar essas violências como uma real ameaça à permanência dessas pessoas nos cargos para os quais foram eleitas".