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Mulher mais jovem em cargo sênior da ONU: 'Política não é segura para nós'

Jayathma Wickramanayake, enviada da ONU para a Juventude - Divulgação
Jayathma Wickramanayake, enviada da ONU para a Juventude Imagem: Divulgação

Mariana Gonzalez

De Universa, em São Paulo

16/05/2022 04h00

Quem tem menos de 30 representa quase metade da população mundial —mas, nas casas legislativas de todo o mundo, são menos de 3%, enquanto que a idade média dos parlamentares é o dobro disso: 62 anos. Se contar apenas mulheres abaixo dessa faixa etária, o índice é de 1%. Esses são alguns dos dados divulgados pela campanha Sua Voz, Seu Poder —em inglês "Be Seen, Be Heard", lançada pela The Body Shop em parceria com a Secretaria Geral da ONU (Organização das Nações Unidas) para a Juventude para incentivar a participação dos jovens na vida pública.

Jayathma Wickramanayake, enviada especial da ONU para a Juventude, afirma, em entrevista exclusiva a Universa do escritório do órgão em Nova York, que a falta de representatividade e de transparência, além da desconfiança em relação à corrupção, são alguns dos fatores que explicam uma falta de engajamento dos mais jovens na política. E, para as mulheres, as barreiras são ainda maiores. "Elas têm desafios específicos na participação política, seja como eleitoras, como ativistas ou como candidatas, que passam por falta de incentivo, assédio e questões financeiras", diz. "A política não é um lugar seguro para nós".

Jayathma, que aos 30 anos é a primeira mulher a se tornar a enviada do Secretário-Geral da ONU para a Juventude e é, também, a funcionária mais jovem a assumir um cargo sênior na organização, conta que passou por episódios de preconceito por ser mulher e bem mais jovem que os colegas, e isso aconteceu mais de uma vez em sua trajetória.

"Infelizmente ainda acontece muito. Quando comecei meu trabalho na ONU e fui enviada como representante a outro país, um dos ministros do lugar veio até mim, em um momento em que eu estava sozinha, sem a minha equipe, e perguntou: 'Onde está o enviado da ONU?'", lembra. "Ele não pensou que poderia ser eu, porque quando você pensa em diplomatas ou representantes internacionais, imagina um homem, branco, de terno e mais velho."

"Tenho muitas histórias como essa. E o cenário é especialmente difícil para mulheres jovens que não são brancas e que vêm de partes do mundo pouco representadas entre lideranças internacionais", afirma.

Nascida no Sri Lanka, ela começou sua carreira na ONU em 2017, depois de se graduar em Ciências, trabalhar como secretária do Secretário Geral do Parlamento do Sri Lanka e ser eleita senadora no Parlamento da Juventude de seu país.

Jayathma Wickramanayake, enviada da ONU para a Juventude, mostra o relatório da campanha "Be Seen. Be Heard" - Divulgação - Divulgação
Jayathma Wickramanayake, enviada da ONU para a Juventude, mostra o relatório da campanha "Be Seen. Be Heard"
Imagem: Divulgação

Quais barreiras afastam mulheres jovens da vida pública?

Para ela, os obstáculos que dificultam o acesso das mulheres jovens à política se distribuem em três esferas: pessoal, social e financeira.

Primeiro, o pessoal: "Quando você está crescendo, não vê muitas mulheres em espaços de poder na política, ou como líderes importantes, por isso, dificilmente considera a política como uma carreira ou é encorajada e seguir esse caminho".

Ela defende, portanto, que se enalteçam líderes mais jovens do que a média que estão fazendo um bom trabalho e têm trajetórias de sucesso na política. Ela cita, como exemplos, a primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Adern, de 41 anos, e a da Finlândia, Sanna Marin, de 36.

Depois, vem o problema na esfera social. "Ainda há a impressão de que esse não é um trabalho para nós e, quando conseguimos chegar lá, sofremos com diversas formas de discriminação, como descrédito dos nossos discursos, sexualização dos nossos corpos, assédio", diz.

Por fim, o aspecto financeiro, "o mais importante" para Jayathma, uma vez que as mulheres em geral não são economicamente independentes e que, a depender das regras do sistema político de cada país, partidos tendem a priorizar repasses financeiros para candidatos homens em vez de mulheres.

Educação e clima formam novas ativistas

Uma pesquisa realizada em janeiro pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) em quatro países da América Latina, incluindo o Brasil, mostrou que o que faz os mais jovens se interessarem por política não são partidos ou candidatos específicos, mas causas.

Jayathma também percebe esse fenômeno em seu trabalho na ONU e conta que, quando pensamos nas mulheres jovens —sejam meninas, adolescentes ou jovens adultas— as principais causas em que elas estão engajadas são a crise climática e uma educação universal e de qualidade para as meninas.

"As causas mudam bastante de país para país, de comunidade para comunidade, mas o que tenho visto que mais move são a crise climática, porque os mais jovens entendem que podem não ter um lugar saudável para viver no futuro; e a educação universal, porque reconhecem que esse ainda é um terreno de muitas desigualdades, uma vez que meninas são excluídas por questões como gravidez na adolescência, casamento infantil e até menstruação", fala.

Para a representante da ONU, o engajamento político em razão de causas e não de correntes políticas é positivo porque, dessa forma, os jovens "mantêm a mente aberta e podem se adaptar, mudar suas visões políticas e suas estratégias para atingir seus objetivos".

70% das pessoas acham que jovens devem ter mais voz

Justamente para diminuir a distância representativa entre os eleitores e os eleitos em termos de idade, a The Body Shop e a Secretaria Geral da ONU para a Juventude lançaram o relatório da campanha "Be Seen. Be Heard", que apresenta os resultados da pesquisa feita em 2021 com mais de 27 mil entrevistados em 26 países, incluindo o Brasil.

Além dos dados apresentados no início desta reportagem, também chamam atenção números que mostram que a população mundial, de forma geral, acredita que a juventude deve participar da vida pública: quase 70% das pessoas acham que os jovens deveriam ter mais voz e 82% concordam que o sistema político precisa de uma reforma drástica para se adequar ao futuro.

O relatório também dá sugestões de mudanças nos sistemas políticos dos países que poderiam ajudar a aumentar a participação dos mais jovens na vida pública:

  • redução da idade de votação;
  • aumento da representação formal dos jovens por meio de conselhos, parlamentos ou comitês de jovens;
  • remoção das barreiras para que os jovens participem da tomada de decisões públicas;
  • simplificação do registro para eleitores de primeira viagem;
  • aumento do engajamento dos jovens com a política e a votar de forma consciente
  • melhora das habilidades de liderança dos jovens.