Topo

Plano de Damares para prevenir gravidez precoce é moralista, diz psicólogo

Ministra Damares Alves na cerimônia da Semana Nacional de Prevenção da Gravidez na Adolescência -  Willian Meira/MMFDH
Ministra Damares Alves na cerimônia da Semana Nacional de Prevenção da Gravidez na Adolescência Imagem: Willian Meira/MMFDH

Rute Pina

De Universa

11/02/2022 04h00

Na terça-feira, dia 1º de fevereiro, a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, lançou o Plano Nacional de Prevenção Primária do Risco Sexual Precoce e Gravidez de Adolescentes, que tem como um dos seus pilares o combate ao que chama de "erotização precoce". "No passado, a política pública era dizer para crianças que existe camisinha, pílula do dia seguinte, preservativo", disse Damares ao anunciar a iniciativa. "Mas tudo tem seu tempo".

O programa prevê ações para reduzir a gravidez precoce, como capacitação de professores e de lideranças comunitárias e religiosas para lidar com o tema da sexualidade, e foi divulgado com grande celebração pela pasta. Mas especialistas ouvidos por Universa afirmam que o plano ainda é frágil e tem abordagem "moralista".

O psicólogo Joseleno Vieira dos Santos, professor da PUC-GO (Pontifícia Universidade Católica de Goiás) e membro do Indica (Instituto dos Direitos da Criança e do Adolescente) considerou o plano "reducionista" ao ter como eixo principal o combate à "erotização precoce".

"A gravidez precoce é consequência de um conjunto de vivências às quais a criança e o adolescente podem estar submetidos. E pode ser consequência da falta de orientação e de informação. Quando se diz que há uma 'erotização precoce', com referência a aplicativos, é moralismo [Damares afirmou que um dos motivos para gravidez na adolescência era o uso do TikTok por jovens]. A erotização não é causa, mas consequência de uma série de fatores", aponta.

Coordenador do Fórum Goiano de Enfrentamento da Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes, ele afirma que o plano é incompleto por não trazer detalhes sobre ações relacionadas à educação sexual.

"São fundamentais as iniciativas para reduzir os altos número de jovens grávidas e o risco de gravidez em meninas. Mas o problema é mais complexo. Temos, por exemplo, fatores econômicos: a gestação precoce está mais presente em populações de baixa renda. E o plano não toca nessa questão", critica Santos.

Em 2020, mais de 363 mil adolescentes entre 15 e 19 anos deram à luz no Brasil. Na faixa etária de 10 a 14 anos, 17,5 mil meninas se tornaram mães naquele ano.

Faltam recursos para executar o plano, afirma especialista

A médica Evelyn Eisenstein, diretora da CEIIA (Centro de Estudos Integrados, Infância, Adolescência e Saúde) e integrante da Sociedade Brasileira de Pediatria, enxerga que as redes sociais podem ter papel na erotização de corpos jovens, como sugeriu Damares ao dizer que pais não poderiam responsabilizar o Ministério da Saúde de gravidez precoce "depois que deixou sua filha ir pro TikTok vender seu corpo".

Mas afirma que a vacina para o problema é a educação sexual para meninos e meninas e a distribuição de contraceptivos, como a camisinha. "A erotização sempre existiu. E não apenas no TikTok, mas em todas as mídias. Ela é um produto da venda de uma sexualidade. É usar o corpo de uma adolescente, que está em fase de crescimento, de uma maneira distorcida em vez de dar uma educação sexual", pontua.

Sobre o plano do ministério, a especialista pondera que não estão detalhados qual o valor a ser investido e para onde irão os recursos, especificamente. Lembra, ainda, que a iniciativa foi lançada no final do governo e em ano eleitoral. "Houve cortes orçamentários em diversas pastas, como Saúde, Educação e Ciência. Não se coloca no plano os orçamentos, o quanto vai ser destinado ao custeio deste programa", diz. "Precisamos de recursos no sistema de saúde para a prevenção e acompanhamento destas adolescentes, e isso deve ser feito antes de elas engravidarem".

Há problemas que deveriam ter prioridade, na visão de Eisenstein, como a descontinuidade de programas como o de promoção da saúde do adolescente, além da falta de recursos para implementar outras ações. "A cada governo um plano cai, e levam três anos para elaborar outro. Essa nova iniciativa apresenta vieses maquiados e ideológicos quando deveria ser uma política de estado, que não pode mudar a cada governo", finaliza.

A reportagem questionou o MDH sobre qual será a parcela do orçamento da pasta destinado ao plano e solicitando mais detalhes sobre sua implementação, mas não houve resposta até a publicação deste texto.

Programa prevê esporte para adolescentes 'gastarem energia'

No anúncio do plano, Damares também anunciou o que o governo iria focar em atividades esportivas como parte das ações de prevenção à gravidez. "O esporte vai ser nosso aliado. Esses meninos vão jogar muita bola agora, vamos descobrir talentos com programas do ministério. Vamos trabalhar cultura e arte, vamos ocupar esses meninos. Estamos fazendo tudo para chegar nos nossos adolescentes e dizer que agora é a hora de crescer, de formação."

Para o psicólogo Joseleno Vieira dos Santos, a elaboração de políticas públicas deve, necessariamente, passar pelo ambiente escolar, com o foco, mais uma vez, na educação sexual. "Não posso associar o esporte, o lazer e a recreação com gastar energia para evitar gravidez. Temos que oferecer isso por ser importante para o desenvolvimento integral do adolescente, mas não para impedir que uma determinada dimensão da sua vida se manifeste."