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Artistas revertem vendas de obras para ajudar mulheres a acessarem aborto

"Método Anticoncepcional", de Julia Debasse, é uma das 49 obras vendidas pela campanha Arte, Substantivo Feminino - Divulgação
'Método Anticoncepcional', de Julia Debasse, é uma das 49 obras vendidas pela campanha Arte, Substantivo Feminino Imagem: Divulgação

De Universa

20/11/2021 04h00

Ajudar mulheres brasileiras a acessar os serviços de interrupção de gravidez é o objetivo final de 49 artistas que fazem parte da campanha Arte, Substantivo Feminino. Cada uma delas doou uma obra, e a renda obtida com as vendas será doada à entidade Milhas pela Vida das Mulheres, que as auxilia a interromper a gestação de maneira legal, no Brasil, ou em outros países para os casos não contemplados aqui.

Diversos nomes de destaque fazem parte da campanha e, entre eles, está o da artista plástica Adriana Varejão, uma das mais importantes do país e de projeção internacional, para quem "o aborto é uma questão humanitária".

"Ele existe de qualquer maneira e é importante levar segurança para garantir a vida das mulheres que precisam tomar essa decisão, nem sempre fácil, de interromper uma gravidez", afirma Adriana, que diz acompanhar o trabalho do Milhas há dois anos.

"A Carne É Minha", de Adriana Varejão - Divulgação - Divulgação
"A Carne É Minha", de Adriana Varejão
Imagem: Divulgação

As imagens que ilustram este texto são de obras que fazem parte da campanha. As cópias são limitadas e custam R$ 250 cada uma.


'Pela arte, é possível falar mais alto sobre um tema proibido', diz curadora

Integrante da entidade e curadora da campanha, Maíra Marques vê na arte a possibilidade para se falar sobre temas proibidos, como o aborto.

É uma situação sobre a qual as mulheres não falam, elas sussurram. Mas, com uma campanha em que são trazidas obras para dar visibilidade ao tema, é possível falar mais alto.

Não há um tema específico para as 49 obras, mas, coincidentemente, explica Marques, a maioria delas traz imagens de corpos femininos. "Foi por acaso, mesmo quando não tratam de aborto ou de gestação. Há conexões interessantes porque, de alguma maneira, estamos discutindo sobre o corpo da mulher, onde ele foi colocado, o que é belo, o que é feminino e o controle sobre ele."

"To You", de Verena Smit - Divulgação - Divulgação
"To You", de Verena Smit
Imagem: Divulgação

A ideia da curadoria, conta, foi escolher artistas além das que estão ligadas à causa do aborto ou mesmo que já discutem questões de gênero. "É importante ter pluralidade, inclusive para ampliar o debate e fazer com que chegue em outras pessoas, por meio de redes sociais, que seguem tal artista e não esperavam que o assunto fosse chegar nelas por ali", opina Marques.

"Se não, ficamos falando só com feministas, e com elas já debatemos isso o tempo inteiro."


'Hipocrisia brasileira de que só aborta quem pode pagar tem de acabar', diz artista

A pernambucana Juliana Notari é outra das artistas plásticas que contribuíram com a campanha. "Tenho o maior prazer de doar minha obra para uma causa que acho importantíssima e salva vidas. Sabemos que quem morre por complicações de aborto no Brasil são as mulheres negras e pobres. É nesses casos que o Milhas atua", diz.

"Sorterro No.2", de Juliana Notari - Divulgação - Divulgação
"Sorterro No.2", de Juliana Notari
Imagem: Divulgação

"Eu já fiz um aborto seguro em uma clínica porque podia pagar, sou classe média. Mas a maioria não pode pagar, não tem o privilégio de classe. É uma hipocrisia que tem de acabar."

A obra escolhida por Notari foi uma fotografia tirada por ela do próprio corpo, em que mostra seu mamilo, a panturrilha e o pé.

Passei dois anos sem cortar nenhum pelo para discutir o que é não se submeter a padrões estéticos impostos, discutindo a subordinação do corpo da mulher ao homem, que tem a ver com a proibição do aborto também.


Sobre o Milhas pela Vida das Mulheres

Fundado em setembro de 2019 e mantido com trabalho de voluntários e doações, o Milhas pela Vida das Mulheres foi criado para ajudá-las a acessar os serviços de aborto legal no Brasil ou, em condições não autorizadas aqui, a viajar para o exterior e interromper, legalmente, uma gravidez indesejada.

Desde o início do trabalho, o grupo já recebeu 4 mil pedidos de ajuda de mulheres de todas as regiões.

No Brasil, é permitido interromper a gestação em caso de estupro, anencefalia ou risco de morte para a mãe. "Nos casos previstos pela lei brasileira, também oferecemos esse auxílio financeiro, para garantir o acesso ao direito à escolha. A questão é que muitas delas, quando nos abordam, nem sabem que podem abortar legalmente aqui", diz Juliana Reis, fundadora do Milhas.