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"A mulher tinha que se dar um pouquinho de valor", diz Bia Doria

Em entrevista a Universa, a primeira-dama fala que seu estilo de gestão no Fundo Social de São Paulo é "humano e sensível" - Simon Plestenjak/UOL
Em entrevista a Universa, a primeira-dama fala que seu estilo de gestão no Fundo Social de São Paulo é "humano e sensível" Imagem: Simon Plestenjak/UOL

Luiza Souto

De Universa, em São Paulo

19/03/2021 04h00

"Antes de casar, sofria todo tipo de preconceito por ser bonita e independente. Depois que me casei com o João, fui chamada de socialite, falavam que eu brincava de ser artista", conta a primeira-dama do estado de São Paulo, Bia Doria.

Casada há 28 anos com o governador João Doria (PSDB-SP), com quem tem três filhos, estava preocupada com as fotos desta entrevista a Universa. "Já zombaram muito de mim", diz, ajeitando o vestido preto com botões em formato de leopardo. Na conversa, ela foi a única pessoa presente a ficar sem máscara.

Catarinense de Pinhalzinho, Bia, 60, recebeu a reportagem no Palácio dos Bandeirantes, onde fica a sede do Fundo Social de São Paulo, instituição voltada a pessoas em situação de vulnerabilidade social que comanda, sem remuneração, desde 2019. Quando o marido foi eleito prefeito da capital em 2016, ela, que há anos trabalha como escultora, precisou migrar das artes para a política. "Levei um ano só para entender o processo."

Artista com exposições e prêmios internacionais, conta que levou um ano para entender o processo na política - Simon Plestenjak - Simon Plestenjak
"O governador nunca quis ser carrasco e fechar o comércio; entendemos a revolta, mas pedimos compreensão"
Imagem: Simon Plestenjak

Nesses últimos quatro anos em que se tornou figura pública, Bia afirma que não fica só na função social, recebendo pessoas. "Vou à luta, a hospitais, favelas, transito por onde for necessário."

Na conversa com Universa, Bia fala sobre o arrependimento de ter votado em Jair Bolsonaro (sem partido) "para tirar o PT" e até de um possível embate entre o marido e o apresentador Luciano Huck nas eleições de 2022. "O Luciano Huck tem experiência do crachá da Globo. Sem o crachá da Globo, ele não consegue nada."

A primeira-dama também comentou as ameaças que sua família recebeu por conta da atuação de Doria no combate à pandemia, com a implantação de medidas restritivas com o aumento do número de pessoas com covid-19. O estado enfrenta neste momento o pior momento da pandemia, com o sistema de saúde quase em colapso. "O governador nunca quis ser duro, carrasco e fechar o comércio. Entendemos a revolta, então a gente perdoa e entende as agressões. Mas gostaríamos de ter também a compreensão das pessoas."

UNIVERSA Quando a senhora assumiu o Fundo Social de SP, disse que sua gestão teria "um toque João Doria". Mas qual é o seu "toque"?

BIA DORIA Mais humano e sensível. Nasci no interior, o João, em São Paulo, então tenho vivência maior de pobreza. João também teve dificuldade na infância, mas eu tive que batalhar muito para estudar. Sou de uma família de nove irmãos, não tive ajuda de pais, passei por escola pública. No fundo nós somos muito parecidos. E até casar com o João, sofri muito preconceito. A diferença entre João Doria e Bia Doria é que me considero mais popular, mais simples. João tem uma cabeça brilhante. É o que mais me encanta nele.

Já sofreu violência de gênero?

No passado, antes de casar, sofria todo preconceito por ser uma mulher bonita e independente. Nunca dependi de ninguém. Saí de casa muito cedo, aos 12 anos, para estudar em um internato; depois fui para faculdade e trabalhava e morava em um pensionato de moças. E sempre sofri muito machismo por ser bonita, sozinha... Não quero entrar em detalhes, falar ou chorar mágoas.

Bia Doria - Simon Plestenjak/UOL - Simon Plestenjak/UOL
Artista com exposições e prêmios internacionais, ela levou um ano para "entender o processo' na política
Imagem: Simon Plestenjak/UOL

Depois que me casei com o João fui chamada de socialite, falavam que eu brincava de ser artista. Nunca dependi de dinheiro de homem. Tive dificuldade de ser reconhecida como artista por ser casada com um homem que as pessoas falavam que era rico. Só que a gente sabe que João não era rico. A gente tinha que trabalhar para pagar a contas. Nunca tivemos sobra de dinheiro. Lutei muito para conseguir um espaço como artista. Hoje estou em 32 galerias no mundo.

A primeira-dama de Sao Paulo, Bia Doria, no Palácio dos Bandeirantes - Simon Plestenjak - Simon Plestenjak
Bia conta que não mudou a rotina após a família sofrer ameaças: "não tenho medo, tenho fé em Deus"
Imagem: Simon Plestenjak

O ator José de Abreu terá que pagar uma indenização à senhora por compará-la a uma vaca no Twitter. Os ataques que sofre são machistas?

Enxergo machismo, sim, mas também maldade nas mulheres, o que é muito triste. Tenho visto mulheres muito agressivas, desumanas. Acho que a mulher tinha que se dar um pouquinho de valor. A gente quer que os homens nos respeitem, mas temos também que respeitar e não sermos tão agressivas e sair falando besteira. Se queremos ter igualdade, temos que nos portar à altura.

Dados da ONU mostram que a violência doméstica aumentou na pandemia. O que está sendo feito em SP para ajudar essas mulheres?

Desenvolvemos no Fundo Social o SOS Mulher e criamos o botão do pânico, em que a pessoa baixa um aplicativo que, quando acionado, a polícia chega em 15 minutos. Como tinha muita procura, passamos a responsabilidade para a Secretaria de Segurança, porque se tornou um caso de polícia. Também criamos um programa para educar os homens, com palestras, e um canal para conversar com eles, mas paramos durante a pandemia.

Por causa da atuação do governador na pandemia, sua família sofreu ameaças. Como lidou com isso? Mudou sua rotina?

Não mudei nada. Sigo indo para a periferia, para o trabalho. Não ando com segurança. Não tenho medo, tenho fé em Deus. Quando o João entrou para a política, a única coisa que não queria era ver meus filhos envolvidos, me tira do sério quando agridem eles. Como aconteceu recentemente com uma vizinha que postou um vídeo falso dizendo que meu filho mais velho estava dando uma festa. A primeira coisa que fiz foi apoiar meu filho que estava em choque, porque, coitadinho, ele estava quietinho na casa de um amigo no interior e de repente vem um turbilhão de gente xingando ele. O barulho que ouviram era da casa da nossa vizinha, a atriz Mariana Rios.

A primeira-dama diz que vai "à luta, a hospitais, a favelas" e que está no front de batalha desde o início da pandemia - Simon Plestenjak - Simon Plestenjak
A política, diz, lhe ensina mais do que a faculdade: a não guardar mágoa, a ser resiliente
Imagem: Simon Plestenjak

A senhora e seu marido viajaram para Miami no fim do ano, quando o governo fechava o comércio e os casos de covid aumentavam. Doria admitiu ter errado. Se arrepende?

Não, não me arrependo e quero que ele faça de novo. Ele tem que ter a cabeça lúcida para tomar decisões. Meu marido estava muito estressado e aqui em São Paulo ele não desconecta. Ele não queria viajar, e eu insisti. Fiquei extremamente preocupada porque ele estava no limite. Desde o início da pandemia, estamos no front, ajudando as pessoas. E quando chegou dezembro queria que meu marido tirasse dez dias de folga, mas ficamos apenas um dia; voltamos porque o vice-governador Rodrigo Garcia estava com covid.

A senhora já declarou que parte da população de rua é "preguiçosa". O que fazer então para ajudar essas pessoas?

Eu não vou te falar a verdade, porque vai dar polêmica. É um tema complexo. O centro de São Paulo me preocupa muito. Não basta dar um prato de comida, tem que fazer esse morador de rua voltar para a família, para a sociedade. E tem que ser um esforço conjunto, incluindo Saúde e Segurança. Se tirar os doentes, idosos e crianças, os outros estão ali porque não querem trabalhar, porque as ONGs alimentam eles. É um comércio. Não vou dizer que eles são preguiçosos... eles se acomodaram. Pode dar curso, habitação, mas eles voltam para a rua.

A primeira-dama do estado de São Paulo, Bia Doria, em entrevista no Palácio dos Bandeirantes - Simon Plestenjak - Simon Plestenjak
A primeira-dama diz que se arrepende de ter votado em Bolsonaro "para tirar o PT"
Imagem: Simon Plestenjak

Mas o número de abrigos para essa população não é suficiente.

Tem abrigos para todos e são bons. O orçamento que o Estado de São Paulo passa para as ONGs daria para construir não sei quantos prédios por mês, mas ninguém pode mexer nelas senão todo mundo começa a gritar.

Tira um prato de comida do padre Júlio Lancellotti para ver como ele grita. Agora pergunta quantas pessoas ele tira da rua? As pessoas precisam voltar para a sociedade, as pessoas precisam tirar da cabeça esse assistencialismo.

Está preparada para uma possível candidatura de Doria à Presidência?

Estou, porque conheço o Brasil, mas não estou pensando nisso agora. Estou em contagem regressiva para minhas ações aqui em São Paulo. Tenho 20 Centros de Convivência para construir e estamos correndo contra o tempo.

Entre um compromisso e outro, o governador João Doria posou ao lado da mulher no Palácio dos Bandeirantes - Simon Plestenjak/UOL - Simon Plestenjak/UOL
Entre um compromisso e outro, o governador João Doria posou ao lado da mulher no Palácio dos Bandeirantes
Imagem: Simon Plestenjak/UOL

Se Doria e Luciano Huck se candidatarem à Presidência teremos duas candidatas a primeira-dama engajadas em ações sociais, a senhora e Angélica. A senhora a conhece?

Conheço a Angélica como artista só, da televisão. O Luciano Huck não tem experiência. A gente demora para entender a engrenagem do governo.

A pessoa não ter experiência nesse momento no Brasil não é a melhor solução. O Luciano Huck tem experiência do crachá da Globo. Sem o crachá da Globo, ele não consegue nada.

O Brasil não pode esperar uma pessoa para aprender, mas precisa de uma pessoa experiente.

Como vê uma possível candidatura de Lula?

Não sou política, deixo esse assunto para meu marido, até porque muita coisa vai mudar. Votei no Bolsonaro e estou muito decepcionada porque a gente tinha que ter uma liderança nacional, para comprar as vacinas, e no meio de uma pandemia ele está pensando em armar o povo.

Mas, entre os candidatos, achou que Bolsonaro poderia governar o país?

Nunca acreditei desde quando ele era deputado, não apresentou nenhum projeto.

Mas então por que votou nele?

Porque eu não voto no PT. No segundo turno não tinha alternativa. Ele só serviu para a gente tirar o PT.

Como tem cuidado da sua saúde mental na pandemia?

A minha saúde mental é o diálogo com a minha família. E também procuro não carregar mágoas. Sempre digo que vivi várias vidas e esta última agora, na política, está me ensinando coisas que nenhuma faculdade ensinaria, a não guardar mágoas, a perdoar e a ser resiliente. Claro que às vezes tenho chiliques, acabo brigando com alguém, perdendo a paciência. Mas depois consigo me reconectar.