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"E a mãe de verdade?": elas contam frases cruéis que ouviram sobre adoção

Priscila Mendes de Lima e Eliel Silva Barbosa receberam o filho Pedro com 8 dias de vida. - arquivo pessoal
Priscila Mendes de Lima e Eliel Silva Barbosa receberam o filho Pedro com 8 dias de vida. Imagem: arquivo pessoal

Claudia Dias

Colaboração para Universa

03/02/2021 04h00

"O que mais ouvimos são frases desconfortáveis, infelizmente". O comentário da gaúcha Lucilene Ribeiro da Costa diante do contato da reportagem não deixa dúvidas: mães por adoção precisam de dose extra de paciência para lidar com comentários inadequados que chegam de todos os lados, inclusive de dentro da própria família.

É preciso reconhecer que nem tudo é verbalizado com más intenções, mas também é imprescindível reforçar que algumas perguntas ou frases ultrapassam os limites do bom senso. Mesmo parecendo inocentes, podem machucar mães, pais e os próprios filhos.

Por isso, Universa conversou com quatro mães de crianças que não foram geradas no próprio ventre (mas tão amadas quanto), porta-vozes da causa nas redes sociais. Elas revelam ditos inconvenientes frequentemente disparados a quem opta pela adoção, que deveriam ser evitados.

O que não dizer a uma mãe que adota

"Agora que adotou, com certeza vai engravidar do seu?"

Priscila Mendes de Lima e Eliel Silva Barbosa, com o filho Pedro, de São Paulo - arquivo pessoal - arquivo pessoal
Priscila Mendes de Lima e Eliel Silva Barbosa, com o filho Pedro, de São Paulo
Imagem: arquivo pessoal

Como bem lembra a paulista Priscila Mendes de Lima, 36 anos, mãe do Pedro, 3 anos, "a adoção é mais uma forma de se tornar mãe". "Quando nosso filho chega através da adoção, (antes disso) já somos mãe e filho", comenta ela, que recebeu Pedro com 8 dias de vida, em seu aniversário, e conseguiu, inclusive, amamentá-lo, graças à medicação e ajuda de especialistas, como revela o vídeo do primeiro encontro. "A adoção não é um estepe para ter um filho biológico. Ser mãe vai muito além do DNA", lembra Priscila, que comanda o perfil @minhafamiliaeaadocao. Em seu canal no youtube, ela também ajuda e compartilha informações sobre o processo de adoção.

"Você adotou por que não pode ter filhos?

Kandre Requião e Marcos Aidan, pais de Bernardo e Liv, de Salvador - acervo pessoal - acervo pessoal
Kandre Requião e Marcos Aidan, pais de Bernardo e Liv, de Salvador
Imagem: acervo pessoal

É comum pessoas adotarem por não conseguirem gestar, mas gerar e ter filhos são situações bem diferentes, conforme pontua Kandre Requião, 34 anos, mãe de Bernardo, 9, e Liv, 2. "Eu posso ter filhos, tanto que tenho. Engravidei dois meses depois de adotar meu filho. Mas, para ter um filho, você não precisa de útero: apenas da escolha e decisão de cuidar e amar alguém", defende ela, responsável pelo perfil @adoteimeusfilhos.

"Essa pergunta me incomoda demais, porque é como se tirasse a posição de filhos das crianças vindas por adoção na família. Como assim não posso ter filhos se tenho o meu, que adotei?"

"Qual é o filho adotado e qual é o de verdade?"

Todo filho é de verdade! "Não existe filho de mentira, assim como não existe filho adotado, porque adotar é um verbo, portanto, meu filho FOI adotado 3 anos atrás. Ele é filho e ponto. Não apresentamos filhos biológicos como filhos biológicos, porque filho é filho. Só chegaram por vias diferentes", acredita Kandre, a mãe de Bernando, que chegou à família quando tinha 6 anos - aliás, Bê faz sucesso no perfil da mãe; a história que ele mesmo conta sobre sua adoção tem mais de 550 mil visualizações

"São todos de vocês?"

Lucilene Ribeiro da Costa e Andreo Pereira da Costa, de Guaíba, com os cinco filhos: Thalia, Angélica, Gabriele, Osmar e Vitor - arquivo pessoal - arquivo pessoal
Lucilene Ribeiro da Costa e Andreo Pereira da Costa, de Guaíba, com os cinco filhos: Thalia, Angélica, Gabriele, Osmar e Vitor
Imagem: arquivo pessoal

Numa casa com cinco filhos, a pergunta mais ouvida por Lucilene e Andreo Pereira da Costa, de Guaíba, é se todos são deles. "Como temos muitos filhos, as pessoas pensam que um pouco é do meu esposo e outro pouco é meu, de outros casamentos", conta a mãe de Thalia, 12 anos (chegou à família com 9); Angélica, 11 anos (tinha 7 quando foi adotada), Gabriele, 7 (foi para a casa com 4), Osmar, 7 (na adoção, tinha 3) e Vitor, 6 anos (estava com 2 quando a família aumentou). A rotina do clã e as experiências com a adoção são compartilhadas no perfil @tudosobreadocao.

"Ela até parece que é tua filha mesmo"

Todas as vezes em que Lucilene e Andreo entraram na fila de adoção, não fizeram exigências em relação aos filhos - tanto que as crianças chegaram à família com idades variando de 2 a 8 anos. Calhou, entretanto, de uma das meninas ter fisionomia parecida com a mãe. "Algumas pessoas dizem: 'Ah, a Gabriele até parece que é tua filha mesmo', como se os outros não fossem meus filhos. Existe muito preconceito ainda, muita ideia que precisa ser mudada em relação à adoção", opina..

"Não tem medo do que a criança vai se tornar depois?"

Priscila Pas e o marido Elias, de São Paulo, optaram por uma adoção tardia. A filha Isa, hoje com 13 anos, chegou à família com 8 anos. Entre as frases desagradáveis que a mãe já ouviu está a que envolve medos e futuro "Pessoas que falam isso geralmente têm preconceito com a adoção e acham que a biologia é o que nos rege. Mas nem mesmo com os filhos biológicos, sabemos o que vão se tornar", frisa ela, que atualiza o perfil @escolhadeamar. Em sua opinião, toda pessoa escolhe seu caminho, suas ações e o futuro será consequência disso, independente através de qual caminho um filho tenha chegado.

Priscila Pas e o marido Elias, de São Paulo, com a filha Isa - arquivo pessoal - arquivo pessoal
Priscila Pas e o marido Elias, de São Paulo, com a filha Isa
Imagem: arquivo pessoal

"Essa é sua filha adotiva?"

Rara é a mãe que não tenha ouvido isso, pelo menos uma vez na vida. "Não, essa é minha filha!", resume Priscila Pas. A adoção não invalida o fato de que a criança se tornou filha do casal, sem déficits ou acréscimos.

"Ninguém apresenta um filho dizendo: 'Esse é seu filho biológico' ou 'Esse é seu filho por inseminação artificial'. Filho é filho, não importa! Classificar, assim, é uma forma de preconceito"

"Não quis um bebê para crescer do jeito que você educar?"

Lucilene sempre avisa para quem a procura: "se quer adotar, não pode dar bola para o que os outros pensam ou falam, porque besteira é o que mais se escuta". Um dos questionamentos que ela não esquece desacreditava a educação que os filhos teriam. "Me perguntaram se eu não queria gerar um bebê porque, aí sim, cresceria do jeito que eu educaria. Até parece que filhos biológicos fazem só o que os pais ensinam", lembra a gaúcha, mãe de 5 crianças e adolescentes.

"Você conhece a mãe de verdade?"

Pergunta recorrente, também é uma das mais incômodas. "Costumo responder: 'Conheço sim, sou eu", relata Priscila Mendes, que reforça: "A mãe verdadeira é aquela que cuida, educa, protege e ama. Isso vai muito além de laços sanguíneos", defende. "'Cadê os pais verdadeiros' é de doer! Pais por adoção também são verdadeiros", opina Lucilene Ribeiro da Costa. Para Priscila Pas, tal frase diminui a maternidade adotiva. "Por acaso eu sou a mãe de mentirinha? A mãe de verdade é a que ama, zela e cuida! A maternidade adotiva é legítima e a adoção é só mais um caminho de se formar família", defende a mãe de Isa.