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Ansiedade, medo e risco emocional: a pandemia para quem acolhe crianças

Criança em abrigo de Brasília, em foto de arquivo - Andre Borges/Ag. Brasilia
Criança em abrigo de Brasília, em foto de arquivo Imagem: Andre Borges/Ag. Brasilia

Fernanda Toyomoto

Colaboração para Universa

22/06/2020 04h00Atualizada em 22/06/2020 13h58

"Toda a tarefa da escola foi transferida para os cuidadores, mas não temos um pedagogo que possa auxiliar", conta Mauro Augusto, 44, orientador socioeducativo do abrigo Saica Padre Damian, em São Paulo. A instituição, que abriga 17 crianças e adolescentes conta com quatro orientadores. "Muitos jovens não compreendem o que está acontecendo nem a dimensão do problema. As crianças precisam de material pedagógico mas o abrigo não tem infra-estrutura", resume Mauro, que tem pedalado 10 quilômetros por dia para evitar o transporte público.

Além do desafio técnico, a pandemia também evidenciou as condições afetivo-emocionais sob as quais trabalham os profissionais em serviços de acolhimento de crianças e adolescentes em situação de violação de seus direitos. Universa ouviu dez profissionais durante o isolamento e o sentimento é comum: ansiedade, medo e dúvidas sobre como manter o equilíbrio emocional.

"Às vezes não vemos solução para um simples choro de criança", relata Ana Paula de Carvalho, 30, psicóloga do lar Dr. Franz Weiss, uma das profissionais da linha de frente de serviços de acolhimento. "Mesmo na pandemia, vou até lá fazer o meu melhor. Mas todo dia é um desafio. Como eu vou abandonar o barco nessa hora?" diz ela, que troca de roupa assim que chega à instituição e passa por um processo de higienização.

Em um serviço de acolhimento, o vínculo de crianças e adolescentes com os trabalhadores da instituição é a condição central do trabalho. "Temos que ter muita responsabilidade com os acolhidos. Eles chegam muito frágeis e grande parte com histórico de violência."

Rafaella Regina Rodrigues - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Rafaela Regina Barbosa, que sente angústia durante a pandemia
Imagem: Arquivo Pessoal

É através desse vínculo que o orientador estabelece as condições para poder exercer o seu papel. "Nós somos aqueles que temos que transmitir harmonia e segurança, mas tem dias em que eu não estou segura, não sei se no transporte eu tive contato com alguém contaminado e vou contaminar as crianças", conta Rafaela Regina Barbosa, 35, orientadora socioeducativa do Saica Caminhando Juntos, instituição em São Paulo que presta serviços de acolhimento.

"Tem dias que tenho crise de choro. A impressão que temos é que não damos conta, fico muito angustiada, não sei como será o dia de amanhã. Não foi adotada nenhuma medida em relação ao transporte dos cuidadores, por exemplo, ou como isolar uma criança no serviço de acolhimento", relata.

Rosemary de Moura Costa, 53, cuidadora no Saica, teve Covid-19 e ficou em isolamento. "Eu vivo todos os dias um desafio na minha vida, às vezes não temos o que dar, tiramos de dentro de nós o que a gente não tem. No período em que fiquei doente, as crianças sentiram minha falta e nesses quinze dias eu pensei muito neles. Você os olha como filhos e luta por eles como tal, mas sabe que não são seus."

Ada Morgenstern, psicanalista supervisora do Instituto Fazendo História, sugere que é preciso primeiro reconhecer os sentimentos, seja o medo pela contaminação ou angústia ou sobre o que fazer com as crianças. "São preocupações legítimas, é preciso reconhecer que fazem parte desse momento. Num segundo olhar, é poder auxiliá-los e orientá-los em aspectos de organização", sugere.

O ambiente de diálogo necessita disposição, abertura, solidariedade e flexibilidade para lidar com as mudanças. "O espaço de escuta é importante para o profissional recuperar a alternância dentro da rotina, entre o trabalho, família e o próprio indivíduo. Há pessoas tão comprometidas que tem nelas o trabalho encarnado, mas que estão com esgotamento emocional. Então é necessário que antes de cuidar do outro, elas peçam ajuda, e cuidem delas em primeiro lugar", diz Ada.