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Para driblar quarentena, surfistas criam campeonato feminino virtual

As surfistas Yanca Costa e Isabela Saldanha - Arquivo pessoal
As surfistas Yanca Costa e Isabela Saldanha Imagem: Arquivo pessoal

De Universa, em São Paulo

30/03/2020 17h22

A última vez que a paulistana Isabela Saldanha, 16 anos, caiu no mar foi no último dia 22 de março, domingo. Desde então, viu o cerco aos frequentadores da praia de Maresias, onde mora, apertar, graças à quarentena imposta pela disseminação da COVID-19. Uma semana antes, ela havia desistido, no balcão do check-in, de uma viagem a Barbados, na América Central, onde participaria de uma competição da World Surf League (WSL).

"Todas as competições foram canceladas, das nacionais às internacionais", lamenta. "E ainda não há nenhuma previsão de que os campeonatos sejam retomados."

Com as aulas suspensas e prevendo o tédio das semanas que estavam por vir, Isabela acatou a sugestão da amiga e surfista cearense Yanca Costa, 20 anos, que vive no Recreio. "Por que não fazer um campeonato virtual?" Pra isso, as duas criaram no instagram o perfil @shakagirlsbr. E, então, passaram a convidar outras atletas a participar. A adesão foi imediata.

As competidoras foram divididas em duas categorias: a Shaka, para as meninas acima de 14 anos, formada por 34 competidoras; e a 4'11" (referência ao tamanho de uma prancha pequena), para as sub14, com 16 surfistas da novíssima geração.

Isabela e Yanca estabeleceram as regras: o campeonato se realizou em 5 fases ao longo da última semana. Para competir, cada atleta enviou seus vídeos de surfe. As baterias "mulher a mulher" aconteciam nos Stories. Nas primeiras fases, a decisão estava nas mãos dos votos da audiência, que rolavam pela ferramenta de enquete da rede social.

Já a partir das quartas de final cada etapa contou com o julgamento de experts — como a bicampeã brasileira Suellen Naraísa, a cearense Silvana Lima, vice-campeã mundial, Sofia Mulanovic, primeira sul-americana campeã mundial da modalidade e representante do Peru nas próximas Olimpíadas, e a havaiana Coco Ho, que por dez anos competiu na divisão de elite da WSL. "Amei o movimento! E fiquei superimpressionada com a técnica das meninas menores de 14 anos. Faz tempo que uma garota do Brasil não deixa sua marca, mas o futuro parece iluminado", disse Coco à Universa. Para comprovar o voto, as juízas gravaram vídeos justificando suas escolhas.

Ao longo da semana, Isabela e Yanca viram o engajamento da audiência explodir. Logo na primeira fase, a bateria entre Pâmela Mel e Sophia Medina (a irmã do bicampeão mundial de surf, Gabriel Medina) alcançou 2754 votos; até a final, o perfil @shakagirlsbr registrou mais de um milhão de de impressões (quantidade de vezes que os conteúdos foram vistos).

As vencedoras, anunciadas hoje, foram Yanca Costa (sim, as organizadoras Yanca e Isabela também participaram da competição!), na categoria Shaka, e a catarinense Laura Maciel Raupp, de 13 anos, na categoria 4'11". A premiação, que a princípio seria o reconhecimento da vencedora nos perfis de todas as atletas, ganhou reforço. Shapers doaram pranchas de surf, que serão fabricadas sob medida para as campeãs; as meninas também angariaram biquínis, adesivos antiderrapantes para pranchas, parafinas e até mesmo kits de produtos de uma grande fabricante de energéticos, que serão distribuídos entre as três primeiras colocadas.

Yanca Costa, surfista - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Yanca Costa, campeã do primeiro campeonato de surfe feminino virtual
Imagem: Arquivo pessoal

Yanca está duplamente feliz. Pela vitória e pelo reconhecimento do projeto. "O surfe feminino brasileiro está produzindo a sua melhor geração, mas precisa de incentivo. Há poucas competições e nenhum patrocínio. A maioria das meninas não tem a chance de viajar, de competir lá fora", avalia. "É muito importante ser vista por surfistas do mundo todo."

Na próxima semana, ela volta à rotina de treinos em casa, com orientação de seu treinador, à distância. A surfista também pretende aproveitar para tomar aulas de inglês e fazer cursos online. Mas não descarta a possibilidade de uma nova edição do campeonato. "Recebemos muitos pedidos", conta.

Isabela Saldanha - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Isabela Saldanha, surfista
Imagem: Arquivo pessoal

Já Isabela voltará às aulas do 3º ano do ensino médio - por videoconferência. À tarde, continua se dividindo entre os treinos de ginástica funcional, coaching mental e exercícios de apneia. Mas agora também pretende se dedicar, ao lado da amiga, a manter ativo o perfil no Instagram. "Queremos celebrar o surfe feminino produzindo conteúdo sobre tudo o que as garotas precisam saber. Desde mostrar os bastidores das competições até dicas para cuidar do cabelo."

Enquanto vigorarem as medidas de isolamento, o surfe vai rolar nas ondas digitais.