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Educação, e não abstinência, deve ser foco para prevenir gravidez precoce

A ministra Damares Alves, do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos  - Elisa Kriezis/BBC
A ministra Damares Alves, do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos Imagem: Elisa Kriezis/BBC

Carlos Madeiro

Colaboração para Universa

17/01/2020 04h00

A proposta da ministra Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) de incluir a iniciação sexual tardia como política pública para prevenir a gravidez na adolescência, além de ineficaz, não tem respaldo científico e fere o direito dos jovens. As conclusões fazem parte em estudos e foram reafirmadas por especialistas ouvidos por Universa.

Segundo dados preliminares do Ministério da Saúde, 21.154 bebês nasceram de mães de até 14 anos, em 2018, no Brasil. Entre jovens de 15 a 19 anos, foram 434.573 crianças. Somados, eles representam 15,4% do total de nascimentos do país.

Na semana passada, o ministério divulgou nota comunicando que pretende incluir a política de abstinência como política pública por ser "a única 100% eficaz." O texto cita que "estudos científicos apontam resultados exitosos dessa alternativa de iniciação sexual em idade tardia", mas não menciona as fontes científicas de tais estudos.

Abaixo da nota, há um link para uma reportagem, que, por sua vez, cita um experimento feito em 2005, em uma escola pública de Santiago, no Chile.

Universa teve acesso ao experimento, feito com 1.259 meninas divididas em dois grupos: um participou de um "programa de educação sexual centrado na abstinência como prevenção de gravidez" e outro não. As alunas selecionadas cursavam o primeiro ano do ensino médio e foram acompanhadas por quatro anos.

Após o período, as taxas de gestação no grupo que recebeu a educação focada em abstinência ficaram entre 3,3% e 4,4%, a depender da idade, contra 18,9% e 22,6% daquelas que receberam a educação, digamos, convencional.

Iniciação com informação

No Brasil, segundo pesquisadores do tema ouvidos pela reportagem, não há estudos que apontem qualquer resultado positivo no incentivo à iniciação sexual tardia ou à abstinência. "Não é algo que foi experimentado no Brasil, de que possamos ter evidência científica. Isso já foi feito em outras épocas, em outros países, mas desconheço resultados", diz Mário Volpi, coordenador do Programa Cidadania dos Adolescentes do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) no Brasil.

"O foco não é se [a iniciação sexual] começa cedo ou tarde, mas a forma como acontece. Você pode ter uma iniciação tardia em que a pessoa não se cuida e tem uma gravidez indesejada. A ideia de retardar a iniciação sem garantir métodos de contracepção e conhecimento sobre o ciclo menstrual não adianta", afirma.

O pesquisador diz que políticas públicas e pesquisas em países desenvolvidos apontam para um caminho diferente do proposto pelo ministério brasileiro —e com bons resultados. "Nos programas do mundo inteiro, o que se propõe é criar oportunidades para que as adolescentes sejam informadas, falem sobre o tema e tenham acesso a contraceptivos."

Volpi é um dos responsáveis pelo estudo Gravidez na Adolescência no Brasil - Vozes de Meninas e de Especialistas, do Unicef e do Unfpa (Fundo de População das Nações Unidas), publicado em 2017, que traça um panorama do problema enfrentado no país.

"Os depoimentos de meninas e especialistas mostraram que a gravidez pode ocorrer em situações adversas, marcadas por vulnerabilidade e violência", diz. "O exercício da sexualidade é uma prática importante para que meninos e meninas ganhem autonomia gradativa e comecem a gerir seu corpo, seu desejo e sua relação com o outro."

Governo não vai te convencer

Volpi avalia que a gestação na juventude está condicionada a questões culturais. "Obviamente, se você retarda a iniciação sexual, não vai ter gravidez [na adolescência]. O que a gente precisa levar em conta é a cultura, os hábitos, a vivência da sexualidade nas diferentes culturas do Brasil —assim você verá até que ponto uma medida teria efetividade", afirma.

Para ele, é necessário informar as meninas para a tomada de decisões e oferecer meios de prevenção. "Não podemos imaginar que o governo ou que o Unicef vá convencer alguém a não fazer algo com a simples declaração de que controlem seus desejos e comecem mais tarde sua vida sexual."

Outro ponto ressaltado pelo pesquisador é que não há idade certa para a iniciação sexual. "Para dizer que está iniciando cedo demais, você está afirmando que há uma idade que seria mais cedo demais. Qual seria essa idade? Nas décadas de 20, 30, 40, as pessoas se casavam cedo, tinham filhos cedo, era o contexto cultural."

Decisão é pessoal, não do Estado

Viviana Santiago, gerente de Gênero e Incidência Política da Plan International Brasil, também participou de pesquisas sobre o tema e discorda da ideia de se incluir a abstinência como política pública para a prevenção da gravidez precoce. "Isso é uma decisão pessoal", afirma.

"Iniciativas, em vários locais do mundo, não se baseiam na abstinência, mas sim no empoderamento dos adolescentes, em fazer com que compreendam os seus corpos, tomando consciência da sexualidade de forma mais ampla."

Ela diz que é preciso que o governo pense em ações para reduzir o número de gestações entre adolescentes, que ainda é alto no país. "Mas, primeiro, precisa assumir que existe, sim, sexualidade entre adolescentes e derrubar esse tabu, criar espaços onde meninos e meninas possam conversar", diz.

Para Viviana, há um consenso entre especialistas de que falta às jovens conhecimento sobre o próprio corpo e sobre como evitar a gravidez.

A pesquisadora ainda alerta que a idade não necessariamente está ligada a um amadurecimento para tomada de decisões. "Quando a gente fala de direitos, de o jovem tomar decisões, ele precisa receber informações adequadas. O que a gente entende é que essa abstinência não ecoa dentro da sociedade porque simplesmente é algo imposto. Não é impondo um comportamento que você muda."