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Mês da Consciência Negra

Bruna Braga: "Planejei o suicídio, mas a comédia me impediu de fazer isso"

Bruna Braga: a comédia foi a saída para outras questões - Arquivo Pessoal
Bruna Braga: a comédia foi a saída para outras questões Imagem: Arquivo Pessoal

Roseane Santos

Colaboração para Universa

19/11/2019 04h00

A comediante Bruna Braga estreou no canal pago Comedy Central no ano passado, representando as mulheres negras. No programa, ela contava como enxergou no humor uma nova oportunidade para recomeçar após ter tentado o suicídio. Hoje, posta seus vídeos no Instagram e as redes do canal também colocam no ar trechos de seus shows.

"Vi um novo sentido para a vida, uma chance de mudar a minha situação. Eu tive auxílio psicológico e isso foi fundamental, mas a comédia realmente me fez descobrir o que eu amo fazer e foi a mão que evitou o meu fim", frisa. Em depoimento para Universa, a atriz fala sobre como o preconceito prejudicou o tratamento de um transtorno de ansiedade e a deixou em uma depressão profunda.

Um sonho que começou na infância

"Sou natural de São Paulo e tenho 25 anos. A minha mãe sempre trabalhou como diarista e o meu pai era ajudante de pedreiro. Eu cresci na periferia de Osasco. A nossa situação financeira era muito difícil e o meu pai começou a vender coisas na rua. Nessa época, estava com oito anos e não tinha com quem ficar em casa. Mesmo sem ser obrigada, comecei a ajudar meu pai no trabalho. Catava latinhas na rua e na minha cabeça de criança aquilo era muito legal.

Se eu ganhasse R$ 30, fazia uma festa. Só que sempre sonhei alto. Queria ser atriz e sabia que seria muito difícil. Os cursos eram caros e naquela época não conhecia ONGs que poderiam me ajudar. Nos anos 90, não contávamos com a internet e o acesso para tudo era mais difícil.

A minha família não entedia meu sonho. Eles pensavam se eu não seguisse uma profissão como juíza, ou advogada, a coisa ficaria ainda pior. Meus pais acharam que eu nunca conseguiria uma vida melhor do que aquela que eles me davam. Trabalhei na rua durante muito tempo, comercializando refrigerantes, sucos, churrasco, essas coisas. Isso foi bom, porque aprendi a vender.

O começo da vida profissional

No palco do Comedy Central - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
No palco do Comedy Central: ela faz piada com os prórpios transtornos
Imagem: Arquivo Pessoal

Quando tinha uns 17 anos, então consegui um emprego como vendedora em um shopping. Passei por lojas de surf, de vestido de noivas e cosméticos. Trabalhava e fazia faculdade. O meu primeiro curso foi de fotografia, mas era mais para agradar meus pais. Depois ganhei uma bolsa para estudar design de Moda, mas o que eu queria mesmo era ser atriz de humor.

O meu foco sempre foi esse. Eu trabalhei em coisas ligadas a moda como consultora de imagem, porque queria ter dinheiro e bancar o meu sonho de ser atriz. Consegui um curso de teatro com o preço mais barato. Descobri então que não queria ser atriz e sim trabalhar com humor, poderia ser roteirista ou uma locutora de rádio engraçada.

Fiz várias tentativas de negócios: trabalhei em sex shop, tentei montar uma loja online. Comecei a me sentir muito cobrada, mas dessa vez não era mais pela minha família e sim pela sociedade. Escutava de algumas pessoas que eu tinha que superar a pobreza, como fosse escolha minha acordar e falar: olha, nunca fui pobre, nasci em Paris em uma noite estrelada. Alguns pensavam assim.

Parecia que me eu tinha uma obrigação de vencer. Se eu trabalhasse em uma loja, eu teria que fazer tudo para ser uma líder ou a gerente, no mínimo.

Eu tinha que ser a melhor e enxergava muito preconceito nisso. Quando fui consultora de imagens, alguns olhavam como se estivessem falando: "Como essa favelada vai me ensinar a me vestir?" Era muito complicado conseguir trabalho. Acabava voltando para vendas. Depois fui maquiadora, porque era um espaço mais democrático. Só que essas profissões não estavam me deixando feliz, não conseguia me dedicar realmente ao que eu gostava. Não me sentia realizada de nenhuma forma.

Transtorno de ansiedade desde a infância

Tenho transtorno de ansiedade desde os meus cinco anos de idade. No meu aniversário de cinco anos, meus pais conseguiram dar uma festa e isso me marcou muito. Era uma criança consciente da nossa situação. Via os meus pais sofrendo. Coisas que hoje as pessoas planejam em dois dias, eles levaram quase um ano. Tudo começou quando eu percebi que não conseguia dormir, tinha dificuldade de comer e de falar em alguns lugares.

Aos sete anos, eu já tinha gastrite por conta da ansiedade. Naquela época, não se dava nome as coisas. Resolveram me levar em um pediatra e ele mesmo falou que o fato de eu não querer comer ou dormir era frescura.

Na escola pediam para procurar um psicólogo, mas a gente já tinha dificuldade para comer, para vestir e ainda ia procurar um médico que até então todo mundo pensava que era coisa de maluco? Deixa pra lá, então. Cresci assim, com esse transtorno, enfrentando momentos de altas e de baixas.

Só que nessa fase onde a cobrança foi maior, a coisa piorou muito.

As pessoas acham que quando você reconhece que não teve os privilégios que outros tiveram, você está se fazendo de vítima. Nunca estive nesse papel, sempre levantei e corri atrás das coisas.

Eu convivia com amizades que tinham muitos privilégios. Eu não entendia que estava em uma situação diferente delas, me achava incapaz, incompetente, que eu era burra, que sempre seria infeliz na minha profissão. Nessa fase da vida desanimei total: não sentia mais prazer de fazer as coisas que eu gostava. Parei de sonhar. A frustração até de não conseguir realizar sonhos pequenos me levou a uma falta de controle absurda.

O humor segurou a mão dela

Fui afundando de tal forma, que não percebia o quão grave era. Cheguei a pesar 38 quilos. Sou baixinha, tenho 1,56m, mas esse peso já era desnutrição. Não conseguia comer, beirei a anorexia. Tudo por conta da depressão. É estranho, por que isso nem faz tanto tempo, mas uns cinco anos, a discussão sobre saúde mental sem amarras acontece mesmo agora. Na época, existia muito tabu. Era classificado como "coisa de gente doida".

Não tinha campanhas, estilo "ninguém largar a mão de ninguém". Até porque ninguém tinha segurado a minha mão. Não saia na rua, nem abria a janela, tinha dificuldades de tomar banho e pentear o cabelo.

A minha primeira tentativa de suicido foi em 2014. Estava morando com um namorado, dentro de uma relação abusiva. Quando você está em uma situação vulnerável de saúde mental, acaba atraindo esse tipo de perfil. Gente que quer manipular pessoas desestruturadas. Esse relacionamento conseguiu piorar o que parecia que não poderia ser piorado. Tentei tirar a minha vida. Graças a Deus, ao universo e a todas as coisas positivas, não cheguei a correr o risco de morte.

Depois eu consegui sair desse relacionamento abusivo e voltei a morar com meus pais. Recuperei um pouco da força que eu precisava para começar de novo, mas em 2016, tive outra queda. Cheguei a planejar o suicídio.

Só que foi aí que conheci um humorista chamado Fábio Lins. Acompanhava o Instagram dele. Começamos a trocar mensagens e ele me chamou para fazer o curso de stand up. Até então, o humor não fazia parte da minha vida, só do meu sonho. Trabalhava ainda como vendedora, mas tudo em relação à arte começou em 2016. É triste e engraçado ao mesmo tempo. Tinha dois compromissos: um deles era me matar e outro fazer o curso. Escolhi a segunda opção.

Tive medo. O stand up é bem difícil. Não é subir no palco e fazer besteira, não é fazer graça no churrasco de família. É uma arte de fato. Poderia ser um tiro no pé, fiquei insegura. Se eu não conseguisse ser boa naquilo que sonhei, aí mesmo que seria o fim. Alguma coisa que não sei explicar, se era fé ou algo espiritual, me falava que tinha que tentar. Era a primeira vez que realmente estava dando uma chance para mim.

Parece brincadeira, mas eu desisti da ideia de me matar, porque tinha o show agendado. No final do curso, eu faria uma apresentação. Não tinha só que estar viva, mas também parecer bonita e isso foi mexendo com a minha cabeça.

Escutei do meu professor Fábio, que hoje é meu amigo, que quando desisti de me matar, não estava dando um presente só para mim, mas também para as pessoas que precisavam conhecer o meu trabalho, a minha história. Desde então não parei mais. Não vou responsabilizar somente o humor, eu também contei com o apoio da minha família que foi fundamental. Hoje me trato com remédios e faço terapia.

O primeiro preconceito que enfrentei foi dos meus próprios amigos: aceitar que uma menina que veio da favela cheia de problemas de "maluco" poderia ser artista. A arte é democrática. Ela não escolhe beleza, cor e nem classe social."

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