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Mulher vira advogada e ajuda a condenar o assassino do pai

Janicleia de Souza Soares estudou direito para fazer justiça para o pai - Arquivo pessoal
Janicleia de Souza Soares estudou direito para fazer justiça para o pai Imagem: Arquivo pessoal

Alexandre Santos

Colaboração para Universa

06/09/2019 04h00

Janicleia de Souza Soares tinha 14 anos quando o pai morreu. Jaime Barbosa Soares foi morto, aos 44 anos, com um tiro no rosto, na noite de 20 dezembro de 1996. O episódio não só abalou os cerca de 13 mil habitantes da pequena Curaçá, no norte da Bahia, como também destroçou a família do homem tido como pilar da casa que dividia com a mulher e os três filhos adolescentes.

"Eu não só vi meu pai morto. Vi toda a minha família destruída", diz Janicleia, 37, em entrevista a Universa. À época, a garota prometeu se lançar numa cruzada para ver o assassino do pai atrás das grades.

"Meu pai era o provedor da família. Nós tínhamos uma condição econômica boa. Depois que ele morreu, tive que largar a escola. Costumo dizer que minha mãe morreu com meu pai naquele dia. Ela só não se enterrou com ele."

O baque tornou-se ainda maior após pessoas próximas apontarem como suspeito um funcionário da empresa de construção civil da vítima.

"Seu Zé, motorista de meu pai, ouviu rumores de que ele estivesse com ciúme do meu pai por meu pai ter um suposto envolvimento com a filha ou enteada dele. Meu pai comprou uma bola pra ela. Foi o estopim. Seu Zé disse que tinha ouvido essa história dias antes de meu pai morrer. Em questão de dias, o crime aconteceu", conta Janicleia.

A desconfiança sobre o empregado aumentou quando descobriram que ele havia fugido da cidade. Um sumiço que duraria mais de duas décadas e cujo desfecho só aconteceria agora: no último dia 27 de agosto, Adão Gonçalves da Silva foi sentenciado a 16 anos e quatro meses de prisão em regime fechado.

Na decisão, a juíza Karoline Carneiro Cândido assinalou que o assassino agiu por motivo fútil e impossibilidade de defesa da vítima.

Janicleia, que ficou diante do algoz do pai durante as dez horas de julgamento, teve participação determinante no caso: como advogada, atuou na função de assistente de acusação do Ministério Público.

Dois empregos, faculdade e um filho para criar

O desfecho só foi possível graças à incessante busca de Janicleia por justiça. Diante da perda, a então adolescente convenceu-se de que precisaria dar uma reviravolta na vida, caso quisesse ver o assassino do pai atrás das grades.

Em 2005, Janicleia começou a estudar para concursos. Dedicada, acabou aprovada em dois. Em seguida, decidiu que chegara a hora de prestar vestibular e, em 2007, foi aprovada no curso de direito.

Até pegar o canudo, Janicleia precisou se desdobrar. Com dois empregos, revezava-se para fazer as vezes de mãe, dona de casa e aluna aplicada. Em 2012, formou-se advogada.

No ano seguinte, Janicleia intensificou sua batalha para desvendar as circunstâncias da morte do pai. Recém-formada, descobriu que o crime, mesmo tendo sido cometido tantos anos antes, não prescrevera, e que o autor do delito jamais havia sido ouvido pela polícia.

"Ele nunca foi ouvido nem tinha se apresentado em delegacia", diz ela, que iniciou, então, incontáveis idas e vindas entre Curaçá, local do crime, Salvador, onde estavam os órgãos de Justiça, e Petrolina, onde vive atualmente.

Os périplos incluíam visitas ao Ministério Público e ao Tribunal de Justiça, ocasiões em que esquadrinhava processos atrás de alguma pista. Foi nesse período que Janicleia habilitou-se como assistente de acusação da Promotoria.

Em 2017, com a ajuda de um amigo da Polícia Federal, ela conseguiu, enfim, confirmar o paradeiro de Adão, que estava foragido em Ipameri, no interior de Goiás.

Promessa cumprida

Em seu primeiro depoimento, Adão Gonçalves da Silva justificou ter agido por se sentir ameaçado.

"Quando foi capturado, ele confessou o crime, mas alegou legítima defesa. Ele dizia que foi conversar com meu pai, mas que meu pai o empurrou e correu para o carro, fazendo menção de que pegaria uma arma. Aí, ele [Adão] atirou", diz Janicleia.

Ela afirma, no entanto, que houve contradições na versão do acusado.

"Nos depoimentos, ele se contradisse, porque meu pai nunca pegou uma arma. Ele nunca teve arma, nunca andou armado. Então, foi um crime premeditado e foi comprovado."

No dia do júri, Janicleia ficou frente a frente com a Adão. Para ela, o encontro foi uma de suas "piores experiências".

"Perguntei quantos filhos ele tinha, o nome dos filhos e quanto tempo ele teve o prazer de conviver com os filhos ao lado dele. Sim, fiz essa pergunta", diz, com voz embargada.

Janicleia se diz satisfeita com sua participação como assistente de acusação, "sem dúvida, determinante" para a condenação. "Foi um alívio muito grande. Cumpri minha promessa. O nome do meu pai foi honrado e agora ele descansará em paz."