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Sutiãs nunca foram queimados: a verdade sobre 6 episódios do feminismo

Em 1968, ativistas fizeram queima simbólica de sutiãs e outros itens que representam opressão estética na mulher - Getty Images
Em 1968, ativistas fizeram queima simbólica de sutiãs e outros itens que representam opressão estética na mulher Imagem: Getty Images

Heloísa Noronha

Colaboração com Universa

16/01/2019 04h00

Toda história tem dois lados e, em se tratando de fatos que constroem a narrativa de um movimento, podem ser várias as versões. Em se tratando da luta feminista, que sempre foi alvo de julgamentos e preconceitos, nem sempre a verdade conhecida corresponde aos fatos reais ou é absoluta, como mostra o compilado a seguir:

Fogueira simbólica

Nunca nenhum sutiã foi queimado como forma de protesto feminista. Na verdade, o que houve foi uma manifestação das ativistas do Women's Liberation Movement durante o concurso Miss America de 1968. A queima foi simbólica, mas a ação foi "incendiária" e o evento, lendário. Elas colocaram no chão e no lixo objetos como sutiãs, sapatos de salto alto, cílios postiços, maquiagens, revistas femininas, cintas, sprays de cabelo e outros itens ligados à beleza feminina. Nada foi queimado por falta de autorização, já que o evento era privado. E a proposta tinha como objetivo denunciar e acabar com a exploração comercial da aparência feminina, mas foi interpretada como uma negação dos atributos femininos, algo que ecoa até hoje. Muita gente, inclusive, torceu o nariz por achar ser um dever natural da mulher se mostrar sempre sedutora, em especial ao olhar masculino.

Aborto nos protestos

Nas primeiras temporadas do seriado "Orange is the New Black", Doggett (Taryn Manning) assumiu a função de personagem mais conservadora e fanática da prisão de Litchfield. Conforme o enredo foi avançando, porém, através dos flashbacks, o público pôde descobrir que ela já havia feito cinco abortos. Numa de suas idas à clínica, Doggett é alvo de julgamento da secretária do local e acaba matando a mulher a tiros. Sua atitude é vista por manifestantes pró-vida como uma ação movida por princípios religiosos e, por isso, ela recebe uma oferta para ter os custos processuais pagos e se converte ao cristianismo. A história remete, na verdade, a acontecimentos constantes, mas pouco divulgados, que costumam acontecer em protestos contra o aborto em clínicas nos EUA: segundo entrevistas dadas por médicos à ativista norte-americana Gloria Steinem, volta e meia uma manifestante aproveita a balbúrdia para entrar despercebida no local, faz o procedimento e retorna no dia seguinte para protestar. É uma forma de expiar a própria culpa pelo ato. 

Frase de motorista

Atribuída à advogada e ativista Florynce Kennedy (1916-2000), a icônica frase "Se os homens pudessem engravidar, o aborto seria um sacramento!" na verdade foi dita por uma motorista de táxi irlandesa, nos efervescentes anos 1970. Ela conduzia Flo e a ativista Gloria Steinem ao aeroporto de Boston e resolveu palpitar na conversa da dupla sobre aborto. Impressionada, Flo passou a compartilhar a história em seus discursos em eventos nos Estados Unidos. A tirada se espalhou por camisetas, broches e cartazes de protesto de Washington ao Vaticano, e até hoje é lembrada na luta pela descriminalização.

Indianas esquecidas

Embora tenha gerado bastante expectativa antes de seu lançamento, principalmente por conta do crescimento maciço do feminismo nas redes sociais, o filme "As Sufragistas" (2015) provocou grande decepção entre as mais engajadas. A produção, que trata da luta pelo direito do voto feminino no início do século 20 no Reino Unido, foi acusada de repetir o erro frequente de apagar da narrativa a presença de mulheres socialistas, irlandesas e, sobretudo, indianas. O longa tem a participação especial de Meryl Streep no papel de Emmeline Pankhurst (1858-1928), fundadora da União Política e Social das Mulheres, mas sofreu críticas por ignorar completamente a existência de Sophia Duleep Singh (1876-1948), princesa indiana afilhada da rainha Vitória (1819-1901) que abriu mão de todos os privilégios para lutar pelo voto das britânicas e pela emancipação das indianas. Ao lado de colegas da mesma origem, ela liderou várias manifestações.

Libertário e machista

O semanário brasileiro "Pasquim" (1969-1991) até hoje é lembrado como um elemento fundamental no combate à Ditadura Militar (1964-1985) e aos costumes conservadores. A polêmica entrevista com a atriz Leila Diniz (1945-1972), permeada por palavrões e confissões avassaladoras, é sempre lembrada como um momento ímpar do jornalismo e por ter dado voz a uma mulher tão controversa. No entanto, a redação conduzida por nomes como Jaguar, Millôr Fernandes (1923-2012), Tarso de Castro (1941-1991) e Ziraldo tinha um viés bastante machista e volta e meia ridicularizava as batalhas feministas. Um dos casos mais notórios foi a entrevista com a feminista Rose Marie Muraro (1930-2014) e a célebre escritora norte-americana Betty Friedan (1921-2006). Em 1972, Rose trouxe a autora do famoso livro "A Mística Feminina" (1963) para difundir suas ideias por aqui. A entrevista --permeada por um golpe no gravador (que voou longe) e encerrada aos gritos de "Fuck You!"-- ficou célebre como um bom exemplo de como até mesmo os movimentos de esquerda também desqualificaram os movimentos de emancipação da mulher. Entre as diversas provocações, os jornalistas fizeram piadas sobre a aparência de Betty e de Rose como forma de diminuí-las.

Origem incerta

Comemorado no dia 8 de março, o Dia Internacional da Mulher não tem uma única fonte de origem. Ele é resultado de uma série de eventos no final do século 19 e no início do século 20, nos Estados Unidos e na Europa, em prol de melhores condições de vida e de trabalho das mulheres e da luta pelo direito de votar. Há quem diga que a data se relaciona a um incêndio na fábrica Triangle Shirtwaist, em Nova York, no qual morreram 146 funcionários, em sua maioria mulheres. No entanto, a tragédia aconteceu em 25 de março de 1911 e faz parte do contexto de um conjunto de fatos, como a greve geral na Rússia em 1917 (essa, sim, em 1917) com maciça participação das mulheres --era a Primeira Guerra Mundial e, com os homens no front, elas assumiram suas funções, porém em condições precárias. E, ainda, em 1910, durante a Segunda Conferência Internacional das Mulheres Socialistas em Copenhage (Dinamarca), a líder socialista alemã Clara Zetkin (1857-1933) propôs a instituição de uma celebração anual das lutas pelos direitos das mulheres trabalhadoras. O dia 8 de março passou ser considerado o Dia Internacional da Mulher e pela Paz em 1977, por decisão da ONU (Organização das Nações Unidas).