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"Quando entendi que sou privilegiado por ser branco"; veja 14 relatos

A fotógrafa Karina Dias Alonso, 24, não teve bolsa lacrada porque segurança estava "de olho" em mulher negra - Arquivo Pessoal
A fotógrafa Karina Dias Alonso, 24, não teve bolsa lacrada porque segurança estava "de olho" em mulher negra Imagem: Arquivo Pessoal

Natália Eiras

Da Universa

07/12/2018 04h00

Muitas vezes, uma pessoa branca está tão acostumada com o próprios privilégios que esquece que a sociedade pode tratá-la diferente -- e melhor -- do que um cidadão negro. A Universa reuniu alguns depoimentos de pessoas que perceberam como são privilegiadas por causa de seu tom de pele, seja em situações simples, como na compra de um cosmético ou no tratamento em uma loja, até em momentos tensos, como uma abordagem policial. Veja:

Veja também: 

Aline Carrijo - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Aline Carrijo
Imagem: Arquivo pessoal

"Minhas amigas negras são ofendidas, mas eu sou bem tratada"

"Toco em um bloco de carnaval, o Ilu Obá de Min, composto apenas por mulheres. Toco alfaia, um tambor grande, que chama atenção. E, às vezes, vamos tocar de branco e vermelho, cor do grupo. Quando estou no transporte público, algumas pessoas chegam a interagir, mas, na maioria das vezes, de maneira positiva. Muitas colegas negras, porém, comentam como muitas vezes as pessoas tentavam ofendê-las, chamando-as de macumbeiras, no mesmo trajeto que realizo de maneira tranquila." Aline Fernandes Carrijo, historiadora, 32 anos


"Não olharam a minha bolsa"

"Entrei com uma bolsa enorme em um supermercado da minha cidade e não tinha visto que, na porta, tinha uma placa enorme falando que era proibido entrar com bolsas sem estarem em sacolas lacradas. Ninguém me parou. Para sair, passei do lado do segurança e ele nem olhou para minha bolsa, porque estava olhando para uma mulher negra que estava passando as próprias compras no caixa". Karina Dias Alonso, 24, fotógrafa, de Bauru (SP)


Negros? Apenas funcionários

"Toda vez que vou a uma hamburgueria famosa aqui no meu bairro, olho pro lado e vejo quase zero pessoas negras nas mesas, mas muitas atrás dos balcões." Mikeilla Rodrigues, 27, funcionária pública, do Rio de Janeiro (RJ)


Poucas pessoas negras no trabalho/faculdade

"Percebi meu privilégio quando olhei para o meu local de trabalho e não vi nenhuma pessoa negra. Aí fui revendo quantas pessoas negras dividiram o ambiente de trabalho/acadêmico e vi que conseguia contá-las nos dedos." Alineh Bittencourt, 27 anos, publicitária e sou do Rio de Janeiro/RJ

"Pediram documento só do meu primo"

"Eu e meu primo fomos parados pela polícia na rua. Era a primeira vez que isso acontecia comigo. Ele é moreno, e só pediram o documento dele! Faz bastante tempo isso e fiquei sem reação... Meu primo já tinha sido parado antes, então, para ele, era 'normal.'" Wander Santos, 27 anos, barman, de São Paulo (SP)

"Acharam que meu primo era ladrão"

"Quando perguntaram na portaria da minha casa da praia se eu realmente conhecia o meu primo -- que é negro -- e se eu estava em perigo." Aline*, 28, relações públicas, de São Paulo (SP)

Larissa Barreto - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Larissa Barreto
Imagem: Arquivo Pessoal

"Entregaram a conta sem pedirmos"

"Quando tinha uns 18 anos, fui a um restaurante com duas amigas negras e trouxeram a conta sem a gente pedir. Eu fiquei sem entender nada, pois nunca tinha acontecido comigo, mas elas disseram que acontecia constantemente com elas e com os pais delas." Larissa Alencar Barreto, 28, advogada, de São Paulo (SP)

"Não respeitavam meu supervisor por ele ser negro"

"Trabalhava como promotor de vendas em um supermercado e meu supervisor, que era negro, foi conversar pela primeira vez com o gerente para conseguir implementar material de merchandising. Durante toda a conversa, o cara respondia diretamente para mim. Ele até olhava quando meu supervisor falava, mas respondia para mim, claramente como se tivesse que negociar comigo e não com ele. Como se ele, negro, não pudesse estar na posição de meu supervisor e eu, loiro, promotor de vendas. Eu tinha que cuidar de tudo dessa loja, porque as pessoas o ignoravam. Era bastante desconfortável." Alberto*, 30, promotor de vendas, de São Paulo (SP)

"Me valorizavam sem nenhuma justificativa"

"No meu primeiro emprego como Telemarketing, eu era supernova, sem qualificação e me valoriavam sem nenhuma justificativa. Eu lembro de sentir um certo incômodo com isso, porque a maioria das pessoas que trabalhava lá --e eram negras ou mais humildes-- não tinha o mesmo tratamento e consideração." Vanessa Mattos, 32, publicitária, de São Paulo (SP)

"Acharam que minha amiga ia entregar o currículo"

"Entrei em uma loja enquanto esperava minha amiga, que é negra, que foi na agência dos Correios e fui abordada por várias funcionárias solícitas. Quando minha amiga me encontrou e veio na minha direção e da vendedora com uma pasta de papel na mão, a funcionária falou que não estavam pegando currículo da maneira mais grosseira do mundo." Ana Carolina Silva, 20, estagiária, de São Paulo (SP)

"Fomos em quatro lojas para encontrar maquiagem para pele negra"

"Parece bobo, mas fui com a minha amiga, que é negra, procurar uma base para ela. Entramos em quatro lojas até achar uma base para pele negra, pois todas só tinham para pele branca... E eu nunca tinha reparado." Lidia Bianchini, 21, técnica em edificações, de Uberaba (MG)

"Posso andar descalça"

"Quando estava voltando de uma festa com uma amiga negra e minhas sandálias começaram a me machucar, eu tirei e fui descalça. Algum tempo depois, ela reclamou que a dela também estava machucando e eu sugeri que ela fizesse o mesmo... aí ela me respondeu: 'Negra já é mal-vista. Se andar descalça vão me confundir com uma mendiga.'" Katiuscia de Sousa Dias, 30, auxiliar administrativa, de Uberaba (MG)

Angelo Dias - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Angelo Dias
Imagem: Arquivo Pessoal

"Não me revistaram"

"Eu devia ter uns dez anos. Estava voltando de uma festa de aniversário com uns amigos do meu bairro. Eu era o único branco. Estava todo mundo fazendo algazarra na rua. Gritando, cantando, zoando. Aí parou uma viatura e os policiais mandaram todo mundo colocar mão na parede. Eu segui a ordem. Eles revistaram todos os meus amigos, perguntando 'Você tem droga?', 'Está drogado?'. Revistaram um por um, até chegar em mim. Aí eles entraram na viatura e foram embora. Não encostaram em mim." Angelo Dias, 28, desenvolvedor, de São Paulo (SP)

"Falaram que consegui clarear a família"

"Uma vez, um conhecido falou que eu finalmente consegui clarear a família. Daí eu percebi que, apesar de estar cercada de mulheres negras de pele de várias tonalidades, eu era a que tinha a pele mais clara e tinha parido uma loira." Stephanie Ribeiro, 25, vendedora, de Brasília (DF)

*Nomes alterado para manter a privacidade dos entrevistados