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Mulheres protagonizam um mundo em evolução


Do sexo pago ao sexo com amor: prostitutas falam do casamento com clientes

As meninas do bordel Maíra (Juliane Araújo), Vanessa ( Fernanda Nizzato), Desirée ( Priscila Assum) e Karina (Malu Rodrigues) na novela de Walcyr Carrasco - Raquel Cunha/TV Globo
As meninas do bordel Maíra (Juliane Araújo), Vanessa ( Fernanda Nizzato), Desirée ( Priscila Assum) e Karina (Malu Rodrigues) na novela de Walcyr Carrasco Imagem: Raquel Cunha/TV Globo

Amanda Serra

Da Universa

12/04/2018 14h01

As cenas mais importantes passadas no bordel de Pedra Santa, em "O Outro Lado do Paraíso" não mostram as prostitutas Maíra (Juliane Araújo), Leandra (Mayana Neiva), Desirée (Priscila Assum) e Karina (Malu Rodrigues) tratando de sexo. O que elas fazem, todo dia, quando se reúnem na mesa do café da manhã, é dizer que querem deixar o bordel, casar e ter outra profissão.

O recorte é passível de críticas - talvez não reflita o que deseja a maior parte das garotas de programa - mas, certamente, mostra histórias reais, algumas bonitas, outras surpreendentes da vida afetiva de muitas mulheres.

 Assim como na novela de Walcyr Carrasco, a dona de casa e estudante Dayana Cristina Juvêncio, de 35 anos, e a especialista em gestão tributária Alice*, de 34, conheceram seus maridos quando eram prostitutas. Elas casaram, tiveram filhos e deixaram a vida de profissionais do sexo para trás.

Dayana no dia do seu casamento - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Dayana no dia do seu casamento
Imagem: Arquivo Pessoal
"Durante mais de 10 anos fui a Nick Stewan. Depois me casei de branco, com direito a festa e buquê"

"Sempre fui eu e minha mãe na vida. Ela trabalhava como emprega doméstica, mas nós nunca tivemos onde morar. Vivíamos de favor na casa de colegas, parentes e das patroas da minha mãe. Nessas casas, fui abusada sexualmente; aos 7 anos e, depois, na adolescência. Na primeira vez, foi por um 'amigo da família'. Na outra, por um tio. Nessa época, fui trabalhar como vendedora de fraldas descartáveis na rua. Ganhava R$ 100 por mês, mas logo perdi esse 'empreguinho'. Minha situação era tão precária, que acabei indo trabalhar como dançarina numa casa noturna. Tinha 19 anos.

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Quando cheguei no local, o dono explicou que eu faria programa somente se quisesse. E assim foi. Comecei dançando, mas logo recebi boas propostas financeiras de clientes e me tornei prostituta. Passei a beber, para encarar minha nova vida. Ganhava cerca de R$ 1 mil por semana, às vezes um pouco mais, dependendo dos eventos que ocorressem em São Paulo. Em pouco tempo, consegui comprar uma casa; a que eu moro hoje. E surgiu a proposta para ser atriz pornô. Aceitei, e por mais de 10 anos, fui a Nick Stewan [nome que ela usava para trabalhar]. Ganhava R$ 1,5 mil, por filme. Com esse dinheiro, consegui terminar a escola. Uma hora quis parar de fazer filmes e virei stripper.

Dayana grávida de sua primeira filha - Edson Figueira/Arquivo Pessoal - Edson Figueira/Arquivo Pessoal
Dayana grávida de sua primeira filha
Imagem: Edson Figueira/Arquivo Pessoal
Passei a viajar pelo Brasil, fazendo shows. Em 2015, no Rio Grande do Sul, em uma casa noturna, conheci meu marido. Conversamos por quatro horas na primeira noite. Não teve sexo nesse dia. Mas no fim do papo, ele disse: 'você ainda vai casar comigo, vai ser minha mulher'. No dia seguinte, ele apareceu de novo e se declarou. 'Quero ficar com você'. Não dei bola, porque cliente prometendo mundos e fundos é comum e nunca dão em nada. Mas três dias depois, a gente marcou encontro num shopping. A partir daí, nossa relação começou. Mesmo com todos os julgamentos e as humilhações da família e dos amigos, depois de nove meses de namoro, a gente casou. E com tudo que tinha direito: dia de noiva, festa, vestido branco maravilhoso e buquê. Só não teve igreja porque não sou batizada.

Parei de trabalhar e, com três meses de casados, engravidei. Hoje somos pais de uma menina de 10 meses. No fundo, eu sempre quis ser dona de casa, ter uma família, mas não acreditava mais nessa possibilidade e nem em mim mesma. Eu mesma me julgava: 'como uma garota de programa vai conseguir um relacionamento sério?' Os homens têm vergonha de assumir uma 'mulher da vida' e de apresentar para a  família. Também é complicado com as mulheres. Elas acham que você vai dar em cima do marido delas. Minha história não é segredo pra ninguém, mas continuo sendo muito desrespeitada. Já arrumei muita briga com vizinho que me ofendeu. Hoje, estou estudando para ser auxiliar de necropsia. Não tenho muitas amigas, por causa da minha história, mas tenho uma vida feliz com o meu marido." 

Depressão - Getty Images - Getty Images
Alice era humilhada psicologicamente pelo namorado e ficou sem nada ao ser demitida por justa causa
Imagem: Getty Images
"Não me arrependo de ter sido prostituta, mas sim, de ter vivido um relacionamento abusivo com meu ex"

"Sou formada em administração de empresas, tenho experiência em gestão tributária e trabalhei 12 anos prestando consultoria para farmacêuticas. Nessa época, tomei um golpe financeiro do cara que eu amava. Fiquei sem dinheiro e fui demitida por justa causa. Durante uma conversa pela internet, recebi a proposta de um 'olheiro' para virar acompanhante de luxo. Estava desempregada já fazia três meses e não queria voltar para a casa da minha mãe, no interior. O dinheiro era bom e decidi fazer o famoso 'book rosa'.

Fui adicionada em um grupo restrito de executivos do Facebook, que tinham entre 35 a 56 anos. Não tinha um cafetão por trás. Meus clientes vinham por indicação. Nunca saí com ninguém que não quisesse. Eu ficava impressionada com a beleza de alguns dos rapazes; eram do tipo que ficaria na balada.

Tinha uma agenda com cerca de 25 clientes, não saía com ninguém por menos de R$ 500 e também não atendia mais de um homem por dia. Não impunha limite de horas, mas cobrava a mais, em caso de pernoite. 'Tinha um namorado' por dia. Saía pra jantar, almoçar, e às vezes só ficava no quarto de motel. Meu primeiro cliente foi um professor de faculdade. Ele era casado. A gente passava a tarde no quarto do motel, com ele tocando violão e cantando. 

Além de executivos, atendia delegados, agentes da Polícia Federal e alguns pastores de igrejas evangélicas. O que eles mais queriam era fazer sexo anal. Mas também buscavam uma psicóloga, alguém para ouvi-los. Faturava cerca de R$ 3 mil por semana. Reformei toda a casa da minha mãe, comprei meu carro e guardei dinheiro.

Fiz programa durante oito meses. Nessa época, comecei a conversar pelo Face com um dos executivos do grupo. Uma noite, ele marcou um encontro comigo. Fomos jantar num restaurante japonês e depois passamos a noite juntos. Não consegui cobrar dele. Foi muito louco, porque a gente começou a se ver direto e virou namoro. Tinha dia que eu chegava em casa e ele estava lá, deitado na minha cama. Em um mês e meio, ele se mudou para minha casa. Engravidei muito rápido. A gente casou e hoje tenho uma vida de 'bela, recatada e do lar' [risos]. Sou feliz. Preenchi os vazios que eu tinha. A família dele é japonesa e muito tradicional. Minha sogra, que não sabe que eu era garota de programa, me ama de paixão. 

Nunca achei que fosse encontrar o amor da minha vida fazendo programas. Sempre foi sexo e dinheiro. Fora minha terapeuta, só eu e meu marido sabemos dessa história, que apesar de tudo, acho tão bonita. Não me arrependo de ter sido garota de programa. Me arrependo, sim, de ter vivido aquele relacionamento anterior. Sofri abusos psicológicos com ele e, por causa desse babaca, perdi até o meu emprego."

*O nome foi trocado para preservar a identidade da entrevistada.

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