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"Há uma nova revolução sexual e ela é feminina", diz sexóloga Carmita Abdo

"Nunca as mulheres experimentaram antes uma separação tão nítida entre sexo e amor", diz psiquiatra - iStock
"Nunca as mulheres experimentaram antes uma separação tão nítida entre sexo e amor", diz psiquiatra
Imagem: iStock

Natacha Cortêz

Do UOL, em São Paulo

29/12/2017 04h00

A paulistana Carmita Abdo é uma das principais pesquisadoras da vida sexual dos brasileiros. Coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade (ProSex) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), a psiquiatra e sexóloga acompanha há décadas as transformações sociais ditadas pelo desejo.

Nesta entrevista, Carmita fala de uma segunda revolução sexual que atinge o mundo ocidental: protagonizada por mulheres jovens e que traz a liberdade como assinatura. “Nos últimos 50 anos, praticamente tudo mudou para as mulheres. A idade da primeira transa, a questão da exclusividade que se abalou, a liberdade de escolher quando e com quem se ter sexo.” 

UOL: Você defende uma nova revolução que traz as mulheres como protagonistas. Quais são as características desse momento?
Carmita: Acredito que estamos no auge de uma nova revolução sexual. E eu diria que além de nova, é inédita. Especialmente inédita para as mulheres jovens. Não tenho dúvidas que são elas as verdadeiras protagonistas da mudança. A diversidade e a possibilidade de experimentação são características que eu gosto de destacar. Penso que a autorização social para experimentar favorece as mulheres, porque dá oportunidade para que obtenham maior autoconhecimento e autonomia de seus corpos, coisa que não tinham ou reivindicavam antes. 

Carmita Abdo - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Por que é um momento novo?
O ineditismo se dá muito pela separação de sexo de afeto; sexo de vínculo; sexo de intenção de construção de núcleo familiar. E a situação vista assim, de forma tão delineada, tão pronunciada, como agora, nunca ocorreu. É um fenômeno de nossos tempos, do século 21. Essa é uma conquista consciente da liberdade para o sexo que se quer e se pode realizar.

Nunca as mulheres experimentaram antes uma separação tão nítida entre sexo e amor.

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Quando aconteceu a primeira revolução? Qual foi sua marca?
Início dos anos 1960. E muito por causa da pílula anticoncepcional, que a partir dali começa a ser comercializada. A mulher parte para o mercado de trabalho e precisa controlar a reprodução. Só assim consegue competir minimamente com o homem. Podemos dizer que a primeira revolução foi mais ligada à reprodução. A liberdade de se fazer sexo sem a preocupação de engravidar. A segunda tem a ver com liberdade em muitos sentidos: liberdade quanto ao corpo, quanto ao próprio prazer, quanto à escolha dos meus parceiros e à escolha de minha orientação sexual. Ou seja: a mulher jovem faz sexo quando quer, com quem quer e faz questão de ele seja prazeroso para ela e não apenas para o outro.

E não vimos esse tipo de comportamento nas gerações anteriores?
Antes, uma ou outra mulher podia viver essa experiência de forma tranquila. Ou eram casos pontuais ou eram casos de grupos que gritavam por liberdade. Hoje, a situação é generalizada e atinge quase toda mulher ocidental, ainda mais se consideramos as jovens. É mesmo uma nova proposta de comportamento social. E ela vem acontecendo de forma mais generalizada e contundente a partir da virada de século. Existe uma pesquisadora canadense chamada Rosemary Basson, que não faz muito tempo trouxe a ideia de que homens e mulheres fazem sexo pelas razões mais diversas. Por mais incrível que possa parecer, isso foi tido como novo, porque até então as pessoas não consideravam que mulheres poderiam procurar por sexo sem pensar em afeto. Bassom diz que mulheres não precisam estar envolvidas emocionalmente para quererem sexo.

A segunda revolução sexual tem a ver com liberdade em muitos sentidos: quanto ao corpo, quanto ao próprio prazer, quanto à escolha dos parceiros e à escolha da orientação sexual. 

A idade de início da vida sexual também mudou, segundo suas pesquisas.
Exato. Cada vez mais cedo a vida sexual se inicia. Tanto para homens quanto para mulheres. A idade média de primeira transa no Brasil é de 15 anos atualmente. É um dado da minha pesquisa Mosaico Brasil, que mapeou o comportamento sexual dos brasileiros através de 8100 entrevistas em todas as capitais. E então, o que acontece é: ao mesmo tempo em que as pessoas passam a transar pela primeira vez mais cedo, passam a se casar ou definir uma união estável com alguém cada vez mais tarde. Eu diria aos 30 anos ou mais. A partir daí, as prioridades da vida contemporânea são outras, dizem muito mais sobre realizações pessoais e individuais (trabalho e investimentos no próprio prazer) do que sobre realizações em família. Casamento não é mais prioridade e isso é tendência mundial.

E a internet, mudou alguma coisa na relação da mulher com o sexo?
Sim, há uma transformação que foi ocorrendo desde o surgimento da internet, com as salas de bate-papo e vídeos compartilhados na rede. Tudo isso começou a favorecer que, sem sair da própria casa, as pessoas pudessem ganhar um espaço sexual bastante maior. A sexualidade passou a ser muitas vezes compartilhada. Isso favoreceu as mulheres porque abriu para elas novas possibilidades. Os homens sempre tiveram mais liberdades nesse tema. A sexualidade deles não era limitada à vida doméstica e nem a contratos de fidelidade.