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O fornecedor secreto das marcas de luxo da moda mundial

Ubrique é escondida sob um vale e tem difícil acesso por transporte público - BBC
Ubrique é escondida sob um vale e tem difícil acesso por transporte público Imagem: BBC

Katie Hope

BBC News

08/08/2017 19h42

Ubrique é uma bonita, mas remota cidade do sul da Espanha. Ela não tem aeroporto, estação de trem, nem ônibus regulares. Está situada no pé de um vale montanhoso e, por isso, a forma mais fácil de chegar até lá é de carro. E mesmo os motoristas precisam percorrer rodovias sinuosas e, muitas vezes, íngremes.

A cidade está a cerca de 120km ao sul de Sevilha, longe de capitais da moda como Milão, Paris, Nova York e Londres. Ainda assim, essa coleção de casas brancas, conhecida como pueblo blanco - povoado branco, em espanhol - é onde as grifes internacionais de luxo encomendam seus produtos de couro.

Trabalhadores não podem comentar sobre os produtos fabricados - BBC - BBC
Trabalhadores não podem comentar sobre os produtos fabricados
Imagem: BBC

Louis Vuitton, Gucci, Hermes, Chanel, Chloe, Loewe e Carolina Herrera estão entre as marcas que contratam artesãos da localidade para produzir artigos como bolsas, carteiras e cintos. Mas ninguém lá pode falar sobre sua produção. O clima de segredo é necessário para evitar que o design de ponta sirva de inspiração a cópias baratas, um problema caro para varejistas de luxo.

Juan Antonio Sanchez, gerente da fabricante de produtos de couro Ranchel, conta que grandes marcas geralmente têm exigências rigorosas. "Temos que assinar um contrato de confidencialidade; tanto a fábrica quanto o gerente e cada trabalhador têm que assiná-lo", explica.

Tradição antiga

A empresa de Sanchez foi criada por seu pai e produz itens de couro há mais de 40 anos. Mas a especialização da cidade em couro é mais antiga. O processo começou há mais de 200 anos, inicialmente com o tingimento do couro. Depois foi evoluindo para tarefas mais qualificadas, pelas quais a cidade é conhecida. Hoje, o material é comprado tingido, e Ubrique foca no trabalho mais refinado dos produtos.

Hoje mais da metade dos moradores da cidade trabalha no comércio de couro e produz a maior parte dos produtos que é vendida no país, além de suprir grandes empresas de moda no exterior.

As técnicas necessárias para produzir tais itens de alta qualidade têm sido passadas de geração a geração. Sanchez diz que a maioria da cidade aprende a habilidade quando jovem, assistindo a seus familiares no trabalho. "A técnica só pode ser passada de pai a filho, porque é muito especializada. Precisa estar no sangue", conta.

Muitos de seus fabricantes se recusam a usar linha de montagem na produção de itens - BBC - BBC
Muitos de seus fabricantes se recusam a usar linha de montagem na produção de itens
Imagem: BBC

São essas habilidades, aperfeiçoadas a cada geração, que atraíram as grandes marcas. O boca a boca é geralmente como os designers descobrem sobre Ubrique.
Jose Urrutia, fundador da empresa de sapatos e acessórios de luxo La Portegna, soube da cidade por um conhecido. "Eu pedi algumas amostras e fiquei impressionado com a qualidade do material que eles fazem", afirma.

Para ele, a história da cidade e a forma como a profissão foi transmitida por gerações também é parte da atração, porque ajuda a criar uma história por trás de sua marca.

'Morrendo'

Urrutia diz que o artesanato lento, mas refinado está morrendo, e cada vez mais difícil de encontrar. "Todo o conceito de artesanato está morrendo. O que é lindo sobre esse lugar é que não é apenas uma rua ou poucas casas. É todo o vilarejo (envolvido na prática)."

Ele reconhece que poderia encontrar fabricantes mais baratos e maiores em outro lugar, mas não é seu objetivo. "Sempre houve essa noção de economia de escala, mas isso não funciona aqui. Uma bolsa de qualidade precisa de X horas. Você não pode tentar reduzir esse tempo."

Enquanto algumas fábricas começaram a usar uma linha de montagem para acelerar o processo, muitas outras se recusaram a ir por esse caminho. Jorge Oliva Perez, gerente-geral da marca de couro local El Potro, diz que um único trabalhador ainda faz toda a bolsa, desde o corte ao design. "É muito importante manter essa habilidade", afirma.

Como muitos outros trabalhando na cidade espanhola, ele gostaria de ter essa técnica reconhecida oficialmente com um rótulo de "Made in Ubrique". "Isso é muito importante para o nosso futuro", justifica. É algo que também poderia ajudar os produtores da cidade em meio à constante ameaça de rivais mais baratos.

Um problema que já tinha ocorrido - há cerca de uma década, na época da crise financeira global, os fabricantes da cidade sofreram uma dramática queda nos pedidos.
Muitas das grandes marcas decidiram cortar os custos trocando de fornecedor - em muitos casos fazendo pedidos na China e em outros locais da Ásia.

Embora os pedidos de marcas mais baratas tenham continuado, havia menos trabalho, o que levou muitos a perderem o emprego e buscarem alternativas em outras áreas. Mas Jose Manuel Fernandez Rivera, membro do conselho para a cultura de Ubrique, diz que a maioria dos trabalhadores "continuou trabalhando no setor, porque sabia que sua qualidade era melhor e que as marcas voltariam". E acabou sendo verdade. Um ano depois, a maioria das grandes empresas voltou.

"Os chineses aprendem muito rápido, mas sabemos que a qualidade, o detalhe que damos a cada peça, que é o que as marcas pedem, eles não vão dar", afirma.
Outro fator que fez as marcas voltarem ao fabricante europeu foi que uma bolsa produzida na Ásia era difícil de vender para alguns grandes clientes - aqueles que vivem em Hong Kong, China e Singapura.

Quando eles estão pagando centenas, ou talvez milhares de euros, para comprar uma bolsa do melhor designer italiano ou francês, eles esperam que isso seja feito na Europa. E claro que esperam um toque artesanal.

"Nesse negócio, você tem que trabalhar com suas mãos. Cada produto é diferente porque você o faz um por um", afirma Sanchez.