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Thais Farage

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Por que o principal código da vestimenta feminina é o medo

"Não existe gente estilosa que não esteja celebrando a própria individualidade" - Getty Images/iStockphoto
"Não existe gente estilosa que não esteja celebrando a própria individualidade" Imagem: Getty Images/iStockphoto

Colunista do UOL

19/03/2022 04h00

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Acho bom começar dizendo logo no início do texto que sou uma otimista, porque eu não trago boas notícias. Mas eu quero acreditar que dá para mudar e é para isso que eu levanto da cama todos os dias.

Simone de Beauvoir já ensinou pra gente que ninguém nasce mulher, a gente se torna e isso pode ser lido de vários jeitos. Mas eu aqui hoje vou falar sobre como a gente se torna mulher por meio da roupa e como eu percebo isso diariamente sendo personal stylist que trabalha prioritariamente com mulheres.

Eu não fui trabalhar com moda para arrumar polêmica. Eu fui trabalhar com moda porque moda é comunicação, linguagem, cultura, paixão...

E é um baque perceber que o que mais guia o estilo das mulheres (de todas as idades, classes sociais e cores) é o medo. Medo de ser assediada, medo do que vão dizer, medo de não parecer séria, medo de parecer puta, medo de soar muito patricinha, medo de parecer muito jovem para determinado trabalho e logo em seguida medo de parecer muito velha. Medo, medo, medo.

Fica muito claro pra gente, que trabalha com esse binômio mulher + moda que ser mulher é parte de uma socialização e isso passa totalmente pela roupa que a gente veste. Os códigos estão o tempo todo na nossa frente, né? É muito sexy e cool a cueca do homem aparecendo no cós da calça, mas qualquer pedaço de roupa íntima feminina de fora é justificativa para assédio.

Crianças vão ter muito mais dificuldade para subir em árvore com a "roupa de menina" —ou seja: vestido, saia, sandália e badulaque no cabelo; enquanto todo o guarda-roupa considerado "de menino" é feito com base em mobilidade e conforto. A gente aprende cedo que tem que tomar cuidado com o jeito que senta e que precisa ter um acessório só para carregar carteira, telefone e chave porque roupa feminina raramente tem bolso.

E, partindo daqui, dá para gente discutir muitas coisas (e vamos!), mas hoje eu queria falar sobre como 50% de ser mulher e ter uma relação saudável com a roupa vem, justamente, de mudar o referencial. A gente não controla (mesmo!) o que o outro vai achar, por mais que a gente jure que controle, o que o outro acha tem a ver com o mundo dele: onde ele foi educado, o que aprendeu que é bonito, ao que cada um dá valor.

É impossível garantir que uma pessoa vai olhar para uma blusa do Darth Vader e vai saber que ele é um personagem do Star Wars, dirá ter visto os filmes. Claro que vão ter códigos mais unânimes, mas mesmo eles serão interpretados de jeitos diferentes dependendo de quem olha: alguns vão achar que é roupa de trabalho, outros vão achar que é item básico de qualquer armário, outras pessoas vão achar careta e assim vai.

O que, de fato, a gente consegue controlar razoavelmente melhor é como a gente se sente quando se veste: o que eu acho bonito, como eu me sinto confortável, o que acho de determinada peça, qual cor faz sentido pra hoje?

E, mesmo assim, razoavelmente porque moda é um reflexo da sociedade e tudo que a gente tem de podre se reflete na roupa, ou seja: vai ver a pessoa se sente linda e confortável de minissaia, mas como ela usa tamanho 60 achar uma minissaia que ela curta não é tarefa fácil. Pode ser também que você se sinta super bem usando biquíni no calor, mas duvido que você se sinta confortável de biquini no ônibus —fora do carnaval e do Rio de Janeiro, naturalmente.

O jeito que nós mulheres nos vestimos tem muitas variáveis que não são necessariamente sobre roupa, é infinitamente mais sobre política e cultura.

E aí, meu conselho como consultora de moda se resume a: não abra mão de vestir o que você gosta. Nem que seja só no detalhe, nem que seja só no fim de semana, nem que precise mandar fazer na costureira, nem que precise trocar de marido, nem que precise testar mil coisas até entender o que, de fato, você gosta.

Se pergunte todo dia se você está feliz naquela roupa e porque você se sente você mesma (ou não) com determinada peça. O que você sente importa muito. E não existe gente estilosa que não esteja, às vezes sem nem perceber, celebrando a própria individualidade. A gente se veste melhor quando gosta de ser a gente mesma, te juro.