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Thais Farage

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Treinando a humildade: sobre aprender algo novo na vida adulta

"Haja humildade pra errar milhões de vezes a mesma coisa, ser corrigida por outro adulto" - Getty Images/iStockphoto
"Haja humildade pra errar milhões de vezes a mesma coisa, ser corrigida por outro adulto" Imagem: Getty Images/iStockphoto

Colunista do UOL

05/03/2022 04h00

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Um dos meus maiores trabalhos atualmente é dar aula. Eu tenho uma escola de moda (a EME) e lá a gente forma pessoas para se tornarem consultoras de moda. E foi dando muita aula ao longo desses últimos anos que pude perceber como cada pessoa, de fato, tem um jeito diferente de aprender. Hoje, nesta coluna, vamos falar do meu jeito de aprender. Nada mais justo que ilustrar a dificuldade de aprender algo novo na vida adulta do que me usar como exemplo.

Bom, a ideia desse texto veio justamente enquanto jogava tênis no Carnaval. Mentira. Vou reformular. A ideia dessa coluna veio justamente enquanto era humilhada, errando o milésimo saque em um partida de tênis fake no Carnaval. Eu sei que a essa altura você está imaginando um cenário chique, a gente jogando de roupinha branca, o vento batendo na minha saia e a bola de um lado para o outro. Naaaada disso. A verdade é que é raro o ponto que dura mais de dois "vai e volta".

Eu acabei de voltar a jogar tênis e jogo muito mal. Só quem resolveu aprender um negócio na vida adulta, para a qual tem zero habilidade, sabe do que eu estou falando. Haja humildade pra errar milhões de vezes a mesma coisa, ser corrigida o tempo inteiro por outro adulto, respirar fundo e seguir.

No décimo erro consecutivo, debaixo do sol, num calor escaldante, eu só consigo pensar: dane-se tudo isso, eu nem gosto tanto de tênis assim, tô nem aí pra esporte, que saco, me da uma sombra, um drink, peloamordadeusa, eu sou mãe de dois, sabe, e estou usando meu pouco tempo livre para ser humilhada debaixo do sol. POR QUÊ?

E ainda tem a frustração comigo mesma

Em tese, eu joguei tênis na infância e nutri em todos uma expectativa de que eu já sabia jogar. Risos. Não sei se fico mais triste porque eu deveria ter alguma habilidade na memória ou se porque eu talvez fosse muito ruim também lá e a habilidade herdada é essa mesma, a do fiasco. Mas sigo em frente porque quando termina a partida em que devo ter perdido todos os sets de 6x0 —a gente nem conta mais pra evitar a fadiga —tô feliz e animada, eu gosto tanto do programa esportivo em casal que até esqueço a humilhação pública. Será que tem algo de errado comigo? Será que eu devia falar disso na terapia?

Lembro de quando as minhas alunas reclamam "mas olha o moodboard que você monta! Eu nunca vou conseguir fazer um tão bom assim", no que sempre respondo "mas eu faço isso há dez anos!! Você faz há dez minutos, é claro que eu faço melhor. Respira fundo e tenha a humildade de fazer mal feito até ter feito tanto que começa a ficar bom".

Eu realmente acho isso, do fundo do coração, não tem jeito de começar já arrasando… Mas é muito difícil a tal da humildade, gente, sério.

É muito difícil começar um negócio depois de adulta, é muito difícil dar o melhor que cê tem naquele momento e isso não ser bom o suficiente. Nem perto disso. A clareza do fiasco é de destruir qualquer autoestima saudável.

Não bastasse, resolvi também aprender também espanhol. E espanhol não é uma opção, que nem o tênis, espanhol é uma necessidade. Eu preciso mesmo saber. E eu amoooooo, acho lindo e, em tese, é fácil. Mas não, eu não estou arrasando, eu estou começando, e sou mineira: não falo esse R dos paulistas - que facilita muito o espanhol; não uso os reflexivos, não tenho intimidade com tu. Mas sigo aí. Terças e quintas treino a humildade no tênis. Quartas e sextas, no espanhol.

Vou encerrar deixando um um beijo pro meu pai e pra minha mãe e um especialmente pra você que, assim como eu, adora aprender coisas novas, porém odeia a sensação de fazer tudo ruim.