Topo

Thais Farage

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Roupa de casamento: dizer a outro adulto que cor vestir é um desrespeito

Como consultora de moda digo sem medo da polêmica: acho o fim dos tempos a noiva se achar no direito de aprovar a roupa de um outro adulto - Leonardo Miranda on Unsplash
Como consultora de moda digo sem medo da polêmica: acho o fim dos tempos a noiva se achar no direito de aprovar a roupa de um outro adulto Imagem: Leonardo Miranda on Unsplash

Colunista de Universa

30/07/2022 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Acho extremamente curioso como o evento "casamento" ainda é o grande sonho da vida de muitas mulheres. Não me entenda mal, eu AMO —assim em maiúscula, gritando— um casório. Sou festeira, inimiga do fim e todo mundo sabe que festa de casamento é o creme de la creme dos festeiros. Não casei ainda, apesar de já estar no segundo marido, mas quero casar! Quero passar meses pensando na roupa que vou usar, pensando com carinho em quem vamos convidar, provar os docinhos de muitos caterings e tomar porres homéricos experimentando todas as safras de vinho possíveis com a desculpa de que é para festa. Mas, definitivamente, não quero e não pretendo chamar alguém para uma festa e dizer qual cor ela tem que usar para fazer a noiva mais feliz.

Como consultora de moda digo sem medo da polêmica: acho o fim dos tempos a noiva se achar no direito de aprovar a roupa de um outro adulto. Acho o apocalipse, um desrespeito completo, uma falta de compaixão e de sensibilidade sem tamanho. Sem contar o tamanho da autoestima, né? Fico sempre pensando o quão autocentrado um ser humano precisa ser para achar o seu bom gosto tão superior ao do outro a ponto de dizer a um adulto o que ele deveria vestir.

Nem eu, que ganho a vida ensinando as pessoas a construírem uma relação feliz com a roupa, digo para alguém o que pode ou não pode! Fico imaginando a pessoa que sequer tem formação em moda regulando a roupa do colega: tem tudo para dar errado.

Segundo minhas amigas, obrigar as madrinhas a usarem uma determinada roupa ou cor ou comprimento é um hábito antigo em São Paulo. De onde eu venho, é um negócio recente e talvez por isso ou porque eu vivo numa bolha maravilhosa, onde as pessoas sequer cogitam regular a roupa do outro, fico estarrecida com essas histórias.

Eu sei, pode parecer que tô sendo muito radical, mas abre seu coração e acompanha comigo o raciocínio: a noiva tem um sonho, ela quer um casamento incrível (e quem não quer?), inesquecível (e quem não quer?), que reproduza diretamente o que ela sempre sonhou (e quem não quer?). Até aí, eu vejo um potencial gigante de frustração e milhões de dólares voando pela janela, mas acho legítimo e tá todo mundo no seu direito. Mas, pensa no tanto que é absolutamente abusiva a ideia de que para realizar o próprio sonho a noiva pode escolher não só todos os móveis, drinques, comidas e cortejos, ela pode também escolher o que as outras pessoas vão vestir, para combinar com o tema da festa, fazer uma foto ton-sur-ton, ficar bonito no altar. Desculpa pessoal, mas quem combina com o tema, compõe na foto e enfeita o altar é chamado, na língua portuguesa, de item de decoração.

E gente não é decoração, gente é pra encher a festa de vida, não pra servir de adorno.

Um adulto determinar o que um outro adulto deve vestir já não cabe na minha cabeça —e nem na contemporaneidade. Basta ver que até os bancos estão revendo o dress code formal e incentivando as pessoas a irem trabalhar vestidas "de si mesmas". Agora, um adulto determinar o que outro adulto vai usar para ornar com a decoração da festa, na moral, é inconcebível. Inadmissível. Desrespeitoso, no mínimo. Sugiro que as pessoas que acham essa prática legítima comecem a convidar os inimigos para função porque fazer uma pessoa gastar dinheiro com uma roupa que odeia, me desculpe, mas é castigo, punição.

Depois do autoritarismo, tem o problema financeiro. Se você quer trazer uma flor da Islândia, bordar à mão todas as tolhas de mesa, usar um vestido com 10 milhões de cristais: problema seu. Você contrata e paga (caro) pelo seu sonho. Agora, exigir que seus padrinhos comprem as roupas dos seus sonhos, para parecer combinandinho na foto, é muito mais que desrespeito, é definir financeiramente quem pode ser testemunha do seu casamento. Simples assim. Só quem tem dinheiro para investir numa roupa que não quer, não gosta, não acha bonita e não usará novamente é que pode viver essa realidade paralela da indústria do casamento. Acho triste, mesmo. E acho uma super saia justa —imagina a pessoa feliz da vida por ser sua madrinha de casamento e precisar negar o convite e te dizer "puxa, não vou poder viver isso com você porque não tenho dinheiro pra investir no seu casamento".

"Ah, mas é o sonho da noiva", eu ouço sempre. E aqui eu queria te pedir para realmente pensar: por que a gente sonha tanto com uma festa a ponto de sonhar com a roupa do outro? Por que a gente se sente mais amada se a pessoa passa por cima do que ela é e do que ela gosta pra "fazer a gente feliz"? E por que, meudeusdocéu, a gente quer que alguém passe por cima de si pra nos fazer feliz? Eu não quero, socorro! Por que a gente não consegue festejar e ser feliz aceitando as pessoas que são especiais pra gente do jeito que elas são? Usando as roupas que elas gostam? Eu, que trabalho com moda e sou super ligada em estética em geral, não consigo entender o fetiche de botar as pessoas nessa situação horrorosa só pra ter uma foto controlada, com todo mundo nas cores "certas".

Já sei que vai ter quem diga "imagina, as madrinhas adoram, no meu casamento pipipipopopo". Du-vi-do. Toda vez que puxo esse assunto no meu Instagram aparece uma multidão de pessoas que odiaram ser madrinha, histórias escabrosas, gente que gastou um dinheiro que nem tinha. Um desconforto generalizado. Trabalho com roupa e gente há quase dez anos e digo sem sombra de dúvida: muito pouca gente, quase ninguém, ama receber ordem sobre o que vai vestir. Nem criança gosta, imagina os adultos.

Realmente não entendo, não acho bonito e nem legal, mas para quem segue achando que tem mais direito que os outros só porque a festa é sua, pague por isso. Pague a roupa de todo mundo, assim pelo menos a pessoa não precisa ser sócia-investidora do seu sonho e fica livre para ser um objeto de cena afetivo.

Viva a diferença

Por outro lado, te convido a observar o mundo, a moda, a estética, as festas, os sonhos e o amor por outra ótica: que delícia a diferença. Ninguém precisa amar a roupa do outro e nem achar bonito, não. A gente tem mesmo gosto pessoal, é natural achar feio, mas as pessoas são o que são e eu acredito (do fundo do meu coração) que o que a gente veste é parte desse todo.

É urgente aceitar as pessoas como elas são, do contrário, não faz sentido viver em sociedade. A modernidade, como espaço histórico, surge justamente com as cidades e as diferentes pessoas vivendo no mesmo espaço. A moda cresce é no estanho, no feio, na rua, na contracultura, em quem ousa não topar as regras. A moda cresce quando Sarah Jessica Parker vai de jaqueta de couro num red carpet ou quando Tatum O'Neal ganha um Oscar usando smoking —não é quando a gente define um uniforme para as pessoas e faz todo mundo de par de vaso na foto.

Talvez esse tema seja tão caro pra mim porque realmente é sobre tudo que eu acredito em relação ao meu trabalho: bonito, chique, cool e trendy é vestir o que gosta. É ser livre para ser você mesma em alto e bom som —até na festa de casamento das amigas.

Quando me perguntam se eu usaria alguma cor que não gosto e que não uso pra ser madrinha de casamento de alguma grande amiga eu sempre respondo "eu não tenho nenhuma amiga que vá me pedir uma coisa tão absurda quanto essa". E não tenho, mesmo, já fui madrinha de casamento milhões de vezes e isso nunca aconteceu. Desejo que você também só tenha na sua vida pessoas que gostem de você do jeito que você é, não vale a pena ter amigos que trocariam o que você veste.