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Thais Farage

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Moda é um reflexo do nosso tempo: a onda conservadora não acaba na política

"A consultoria de moda segue sendo uma enxurrada de conceitos e conversas do século passado" - Oliver Rossi/Getty Images
"A consultoria de moda segue sendo uma enxurrada de conceitos e conversas do século passado" Imagem: Oliver Rossi/Getty Images

Colunista de Universa

16/10/2022 04h00

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Um dos maiores temas da minha vida é o saco cheio que eu fico sempre que vejo a onda conservadora na moda. Se por um lado estamos discutindo diversidade e inclusão, dizendo e reforçando que há vários jeitos de ser bonito, condenando a gordofobia... por outro, a consultoria de moda segue sendo uma enxurrada de conceitos e conversas do século passado.

A grande maioria do meu mercado de consultoras ainda acredita que é possível definir o estilo de uma pessoa dentro dos sete estilos universais (romântico, esportivo, clássico, elegante, moderno ,sexy e criativo). Essa teoria, que tem no mínimo 50 anos, e que foi criada a partir de uma pesquisa de consumo, é extremamente datada e já faz uns 20 anos que não dá conta de ajudar as pessoas a se expressarem por meio da roupa. Toda a teoria contemporânea de consumo mostra que todo mundo se veste de estilo variados e que é, de fato, muito de época, pensar um look inteiro romântico ou inteiro rocker. Mas, basta uma volta pelas redes sociais, para cair em uma infinidade de vídeos explicando como se encontrar usando essa teoria dos estilos universais, que de universais não têm nada, basta pensar em como se vestem as pessoas na Índia, na Namíbia, no Japão ou no Marrocos.

Todo mundo concorda que body positive é importante e que temos que acabar com a gordofobia, mas basta mais uma olhada nos conteúdos de moda para ver a quantidade de "aprenda a disfarçar a sua barriga" ou "quais calças usar se você tem quadril largo". Como pode todo mundo concordar que tem que ter um corpo padrão para ser bonita e também achar legítimo ouvir uma profissional de moda dizer que seu corpo tem um problema e precisa ser disfarçado?

A verdade-verdadeira é que a onda conservadora não acaba nos costumes e na política. A moda é um reflexo do nosso tempo e é muito duro pra mim, que to nessa já tem quase dez anos, ver os GenZ —tão metidos a modernos e inovadores— repetirem TODOS os clichês das gerações anteriores. É muito triste. Dá uma falta de esperança enorme. Até porque são justamente esses conteúdos que viralizam e convencem até a mais progressista das mulheres que, vai ver, ela devia parar de pensar em roupa como um jeito criativo e divertido de estar no mundo e deveria voltar a ser uma bela estampa de simetria e equilíbrio de formas. É esse conteúdo inocente que faz com que eu receba uma enxurrada de mulheres que não conseguem gostar de roupa nenhuma porque, na real, não conseguem gostar do próprio corpo. E o corpo é mesmo nossa ferramenta no mundo, não vai ter jeito de vestir a alma.

A onda conservadora não poupa ninguém! E não acho que ela seja pior na moda do que é na política, nos ataques homofóbicos, na violência doméstica, nas discussões de gênero, nas fake news. É claro que não é. Mas eu sinto que o conservadorismo na moda passa mais despercebido e consegue se infiltrar onde muitos outros preconceitos não são mais tolerados. Quantas mulheres progressistas eu já vi em discursos superconservadores quando o tema é roupa? Fazendo piada de outras pessoas, reforçando discurso racista no RH, achando brega tudo que é barato, achando chique tudo que é caro.

Não é natural roupas femininas sem bolso

As pessoas, no geral, têm mais dificuldade em perceber que "10 maneiras de disfarçar o quadril" é, sim, um conteúdo gordofóbico e que reafirma que só há uma silhueta bonita e que deve ser perseguida a qualquer custo. Até hoje brigam comigo quando digo que é importante que as pessoas possam se vestir delas mesmas: "Mas que absurdo uma pessoa ir numa festa de casamento de tênis". E ninguém se dá conta que esse é um discurso classista, que expõe, sim, uma moda que se propõe a segregar em castas. As pessoas esquecem que roupa também custa dinheiro e que a imensa maioria das brasileiras veste o que dá, o que pode, o que tem.

"Ah, mas é só roupa." Roupa é só roupa enquanto produto no cabide. Roupa no corpo é moda, estilo, goste você ou não. E moda é uma ideia, um conjunto de códigos, que mudam muito com o passar do tempo —basta pensar que já houve uma época que as mulheres eram incapazes de correr em um incêndio porque cada vestido pesava mais de 20 quilos. Isso hoje parece inconcebível, né? Mas continuamos achando natural roupas femininas sem bolso, designer de sapato feminino dizendo que conforto é cafona e uma indústria de moda inteira focada em produzir roupas só para as pessoas magras.

Não é só roupa. É uma ideia de mundo que se expressa através do que a gente veste e também através do que a gente acredita, repete, julga e consome quando falamos de roupa.